Bem
sei que há outros assuntos de maior projecção no horizonte do mundo actual e,
daí, de superior e abrangente mais-valia para a comunidade global. Mas não
podia deixar em branco este dia, pelo peso histórico daquele que foi o Pórtico
das Descobertas da era quinhentista e, mais intensivamente, pelo que falta
escrever no roteiro futuro deste concelho. O mote, quem fundamentadamente o deu
foi o Secretário
Regional Sérgio Marques,
quando iniciou o seu discurso: “Se há
lugar que se possa chamar berço da Madeira é Machico e a sua baía”.
Na
mesma linha e obedecendo às minhas raízes, escrevo este afectivo “auto de notícia”, saboreando aquela quadra de sabor tipicamente
popular, até na (des)concordância gramatical:
Sou daqui, não sou dali
A
minha terra não nego
Minha terra é Machico
Onde os meus olhos
navego
É,
pois, um tributo à terra-mãe este feixe de notas, em forma de reportagem para
memória futura. Refiro-me, tão-só, à efeméride “Dia do Concelho”, deixando para
o foro íntimo de cada crente a celebração religiosa do “Dia do Senhor dos
Milagres”. E o miradouro de onde melhor
se avista este dia é a sessão solene, cujas intervenções reflectem o palpitar
do coração de Machico no panorama
ecléctico - leia-se, democrático - dos intervenientes, enquanto legítimos representantes
da população.
Logo
à partida, será justo assinalar a retoma de uma tradição iniciada pelo
signatário destas linhas: libertar dos recintos fechados e reservados a
pseudo-élites a comemoração e devolvê-la ao grande público num amplo espaço aberto,
neste caso, os jardins do Solar do Ribeirinho, de ancestrais pergaminhos da
nossa história local.
Identificando-se
com esta abertura social, é da maior relevância democrática a iniciativa do
actual “Corpus” autárquico em dar a palavra a todas as formações partidárias
com assento na Assembleia Municipal – este, um gesto nobre e um direito
indeclinável que, durante quase 40 anos, foram negados até na própria Assembleia Legislativa Regional
da Madeira. Mais uma vez, Machico foi pioneiro nesta marcha para a Democracia
plena que motivou da parte do deputado, representante do CDS-PP, um rasgado elogio ao presidente da Assembleia
Municipal.
No
domínio das intervenções, apraz-me salientar o discurso de Alberto Olim,
presidente da Junta de Freguesia e
deputado municipal pelo PS, que levantou uma esperançosa onda de força e
optimismo, rumo ao futuro do concelho, convocando para isso todos os
responsáveis a entrar na mesma nau de compromisso em prol de Machico.
A
dialéctica político-operacional coube aos dois representantes, cujas formações
partidárias (PSD-PS) têm alternado na
gestão camarária. Sem sombra de dúvida, o extenso – mas excelente - discurso de
Ricardo Franco, presidente do município, marcou o solene evento, exercendo ali
o seu magistério de líder e
pedagogo e explanando, ponto por ponto, o estado das finanças e os planos de acção,
os já vencidos e os vincendos.
Coube a Sérgio Marques, em nome do governo
regional, trazer a boa-nova do Funchal, anunciando obras no concelho, no valor
de 15 milhões, para o próximo ano. Sendo
pública e notória a reiterada retaliação dos governos da Quinta Vigia em
relação a Machico, as promessas douradas trazidas hoje à ribalta do “Dia do Concelho”
dificilmente escamoteavam objectivos eleitoralistas, o que, no fim da sessão e
em ambiente cordial, fez-me observar ao
orador: “Com que então, Senhor Secretário, para o ano o ‘Senhor dos Milagres’ vem
mais cedo: antes das eleições”…
A
encerrar, o Representante da República para a Madeira, Ireneu Barreto, muito
pertinentemente julgou, do alto da sua cátedra de juiz, o Povo de Machico, cognominando-o
de “gente rebelde” e porfiada na defesa
da sua dignidade, citando como paradigma das gerações vindouras o grande
Francisco Álvares de Nóbrega, “Camões Pequeno”, paladino dos ideais do seu e de
todos os tempos: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Enfim,
uma rara manhã de sol primaveril em pleno outono, que culminou com a entrega de
insígnias aos trabalhadores que, por limite de idade, terminaram funções. Neste
item, será justo relevar a oportuna homenagem à Banda Municipal de Machico, na
pessoa do seu director, professor Manuel Spínola, pela comemoração, em 1 de
Novembro p.f., dos 120 anos de serviço à cultura de Machico e da Madeira.
Merecido preito de louvor a uma colectividade que continua sempre segura da sua
missão e sempre revigorada com novos executantes! Esta aclamação da Banda
Municipal de Machico, por parte da
edilidade, ganha tanto mais brilho e sentido quanto se sabe da marginalização
(que eu considero tribal e criminosa) a que tem sido votada pela instituição eclesiástica
local e diocesana, numa outra mostra de “racismo” unilateral, arcaico e deseducativo para toda a população. Enfim, infantil e ridículo.
Impossível
esquecer a aragem musical, fresca e
matinal, do coro infantil das “Flores de Maio” do Porto da Cruz, a quem o nosso
exímio Grupo Coral de Machico deu lugar, na abertura e no encerramento da
sessão solene - prova inequívoca de descentralização e
abrangência cultural, onde todas as freguesias têm assento por direito próprio.
Longe
vai este apontamento de reportagem para memória futura. Entretanto, permitam-me
expressar um voto que me parece correcto e útil. Faço-o através de uma
pergunta: “Quando chegará o dia em que o ‘Dia do Concelho’ seja colocado no seu
pedestal autónomo e condigno? É que a
história de Machico é mais profunda e
antiga que os 213 anos da trágica aluvião de 1803, origem do “Dia dos Milagres”. Machico está à beira dos 600 anos de afirmação na
historiografia regional e nacional. É uma velha questão que, na metodologia
sociológica que vislumbro, bem poderia ser solucionada, para bem de todos. Por
motivos históricos e por outros considerandos que não cabem nesta já longa nota
evocativa.
Não
me apetecia terminar. Porque quem ama verdadeiramente não se cansa de amar: a sua terra, a sua história, a sua gente. Como
denominador comum de tudo o que foi condensado na sessão comemorativa de hoje,
ficou bem escrita, ao longo dos discursos, a melhor e mais bela investidura que
Machico merece: “Machico, Terra de Abril”!
09.Out.16
Martins
Júnior
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