Ninguém
como Mestre Tempo para valorar pessoas e factos!
À
luz deste guião percorro os 86 anos daquela que foi a maior afirmação de Portugal
contra a ditadura nascente de Salazar: o “4 de Abril de 1931”. E à luz do mesmo
critério escrevo na primeira oitava das comemorações ontem celebradas na
Madeira.
O
contraste entre o registo fotográfico de ambos os acontecimentos não podia ser
mais eloquente: Em 31, foram as massas populares que abriram as hostilidades contra o monopólio da farinha (o “decreto da
fome” emanado do governo central) e a falência do banco madeirense “Henrique
Figueira”. Depois, os oficiais de Lisboa
deportados na ilha integraram-se no caudal revolucionário que inundava o
Funchal e deram-lhe uma expansão mais
incisiva, organizando-se contra a ditadura que começava a crescer no governo de
Salazar. Foi uma avalanche gritante que jorrava do coração das gentes da ilha, com
maior visibilidade no Funchal. Tal como, mais tarde, em 1936, na “Revolução do Leite”,
outra vez contra os monopólios decretados por Salazar. Os ditadores chegaram a
tremer perante a resistência do povo.
Ontem,
“autoridades civis, militares e religiosas”, obedecendo sem sangue nem alma a um ritual
anémico, ali para os lados do cemitério
de São Martinho, acompanharam um ofício de altos dignitários regionais, em rigorosa fatiota de cangalheiros oficiosos, que, à maneira dos seus progenitores políticos, fizeram o que se faz a
um morto: depositaram coroas de flores. E os rapazes audazes só souberam
perorar e bradar: “Mais Autonomia, mais Autonomia” eles que, nos alvores da Autonomia, ainda
estavam a sair da incubadora da adolescência, depressa aprenderam a cartilha
dos velhos!
E
aqui começa a mais atrevida desvirtuação do 4 de Abril de 31, o equívoco insuportável
que se foi propalando aos megafones da Quinta Vigia: “O 4 de Abril foi o princípio
da luta pelo separatismo contra Lisboa, pela nossa independência, pela
nossa autonomia”. Tudo baralhado para destroncar o cérebro do povo! Nada mais
errado e desonesto, sob o ponto de vista estritamente histórico. O “4 de Abril” não foi contra
Lisboa, pois os militares que o lideraram eram cidadãos vindos de Lisboa e aqui
deportados, entre eles, o general Sosa Dias, o capitão Freiria, o tenente
Camões. A Revolta foi contra a ditadura salazarista.
Vejamos
agora o truque de prestidigitação levado a cabo pelos corifeus do regime salazarista
que, logo na manhã de “25 de Abril de 74” mudara de pele. Sigamos as
semelhanças e as diferenças:
1)
Salazar mandou de Lisboa furibundos
efectivos militares que sufocaram a Revolta. Na Madeira, o primeiro governador
civil e militar pós-25 de Abril e, logo
depois, o presidente “vitalício” da Região não fizeram outra coisa: atiraram as
tropas madeirenses contra o seu próprio povo, nas justas lutas da hotelaria, nas
justas reivindicações dos produtores de cana sacarina. Os sucessivos ataques ao
povo de Machico são a mancha mais ignóbil dos autoproclamados donos açambarcadores
da Autonomia.
2) Salazar
vingou-se dos madeirenses cortando-lhes as verbas durante décadas. O autoproclamado
chefe da Autonomia fez exactamente o mesmo: “Para Machico nem um tostão. Machico
é do terceiro mundo” - “quarto mundo”, acrescentava-lhe
um decrépito secretário de todos os departamentos do governo de então). O
actual titular não faz por menos: “As populações dos concelhos da oposição vivem
pior que as dos concelhos do PSD” – como se não fossem os concelhos todos da responsabilidade do governo regional!... E
quanto a Machico, só agora o mesmo titular saiu da hibernação sonolenta, agora (vésperas de eleições) é que promete ressarcir as vítimas das intempéries, três anos
depois !
3) Se
mais dúvidas subsistissem sobre as semelhanças dos insaciáveis esfomeados da
autonomia ( só para eles!) e o regime ditatorial que esmagou a Revolta da
Madeira, basta este blasfemo, antidemocrático e despudorado arroto do protótipo
tentacular dessa Autonomia: “Eu bati o recorde do dr. Salazar no governo”.
Servem estes
apontamentos (mais que desabafos, são
constatações indesmentíveis) para ‘justificar’ os resíduos mortuários que
ostentam nas mãos os autómatos depositantes de flores no dia “4 de Abril” aos pés de uma Autonomia que parece cair em
cima deles. É que eles não são dignos dos militares de outrora, lídimos
exemplares do verdadeiro patriotismo contra o abuso dos ditadores. Nem dignos
são do Povo Madeirense que, em 1931, abriu caminho aos valorosos militares,
combatendo a exploração dos moageiros, os monopólios acobertados e protegidos por
governos populistas e seus comparsas, entre os quais. as hierarquias
eclesiásticas. Hoje como ontem. Lá estão todos, de braço dado.
Apraz-me retomar aqui o
que, muitas vezes e sob diversas formas, denunciei na minha passagem pelo
parlamento regional, numa altura em que a bela estátua, da autoria do nosso talentoso escultor Francisco Franco, estava
colocada à sua entrada: “A Autonomia ,
até agora, resume-se nesta breve e evidente axioma: O Terreiro do Paço mudou-se para o Terreiro do Semeador. O resto
é ilusão e ‘vã cobiça’ com que se engana
o Povo”.
Deixem Abril em paz!
05.Abr.17
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário