Numa
altura em que a terra-parturiente sente chegarem
as dores do parto, que outra atenção maior se achará senão
falar do natal que nos bate à porta?.... Aqui e agora, esse natal tem
por nome “25 de Abril”!
Falar
de Abril é chamar à nossa mesa os militares de ontem e de anteontem. Quando
digo “ontem” digo os 240 homens que saíram de Santarém, comandados por
Salgueiro Maia. Digo também os 5.000 militares que em todos os quartéis de
Portugal garantiram, em postos de chefia, o corajoso plano de operações
delineado por esse estratega incontestável da Revolução dos Cravos - Otelo
Saraiva de Carvalho – e seus camaradas, oficiais, sargentos e praças. Todos
arriscaram a vida. Muitos, ao sair de casa, despediram-se de mulher e filhos,
sem carta de regresso. A intuição abriu-lhes caminhos nunca dantes imaginados e
o amor pátrio, a libertação do Povo
português, impeliu-os para a luta com uma
indomável resistência, igual à das ‘chaimites” que os transportavam. Sem hipótese de
comunicar com todo o país (os telefones eram fio de arame fatal, telemóveis nem
havia) os militares chegaram lá até onde “mais que permitia a força humana”.
Tudo
isto vimos hoje, na Casa do Povo da Camacha, contado na primeira pessoa pelo ‘alferes’
Clímaco Pereira e pelo ‘condutor-auto’ António Gonçalves, natural daquela vila.
Adelino Gomes, com toda a justiça titulado de ‘jornalista do 25 de Abril’, acompanhou todo o
processo e hoje pôs diante dos nossos olhos os vasos comunicantes que levaram
ao triunfo os perigosos canais da Revolução. A expectativa, a incógnita do
sucesso ou insucesso, os curto-circuitos iminentes que podiam ter aberto um mar
de sangue, as avarias da última hora, enfim, “o coração aos saltos”,
tudo
desfilou como um filme ao vivo naquele auditório. A “invenção” do cabo telefónico
entre os centros de decisão (os quartéis
da Graça e da Pontinha) é algo que nos
põe em sentido e faz irromper dentro de nós o magnânimo preito de gratidão e
homenagem.
No entanto, surgem também ciclicamente,
por estes dias, outras homenagens de fino protocolo, a que dão o nome de “monumento aos ex-combatentes”. Então lá se
perfilam os figurões aperaltados, medalhados. É vê-los com parangonas guturais
exaltando a “coragem heróica dos nossos combatentes do Ultramar”. Engomadinhos
e fardadinhos, os hipócritas oradores das feiras – nenhum deles foi talvez ao ‘tarrafal da guerra’ e outros meteram
cunhas aos maiorais para fugir à mobilização - hoje até
vão depositar coroas de flores. Devo dizer (certamente não terei o
consenso de quem me lê) mas digo em plena consciência que todas essas
encenações não são para promover os que lá foram parar como “carne
pra canhão”, condenados às galés, anónimos números mecanográficos à chamada na
parada. O programa dessas inaugurações mais não faz senão escrever no epitáfio: “Homenagem e glória à guerra colonial”.
Página
negra na história de Portugal e do mundo foi esse massacre terrorista que
obrigou milhares de jovens, desde o Minho às ilhas, a destruir populações
indefesas e a matar quem vivia pobremente na sua própria terra, a África. Pior ainda quando sabemos que cristãos e católicos de Portugal, os soldados,
eram forçados a abater cristãos e católicos africanos. Sei do que falo e do que
vi em terras de Moçambique, em 1967, faz agora 50 anos. Porque também
interiorizei, durante e depois, este sentimento de revolta contra os ‘donos da
guerra colonial’ e porque sofri, como
todos nós, os condenados à morte, a indescritível tragédia de ver cair mortalmente à minha frente onze
jovens meus amigos (e depois ter de sepultá-los em onze covas, diante dos meus
olhos) por tudo isso, confesso que repudio liminarmente tais
pseudo-homenagens. Lágrimas pelos mortos
e indignação pelos responsáveis dessa guerra vergonhosa – eis, na minha
opinião, o que deveria constituir motivo de inspiração para tais monumentos.
Melhor seria tratar com justiça os familiares dos ‘desgraçados’ que lá ficaram e os que
trouxeram, como prémio do Estado, braços e pernas partidas, traumas físicos e
psicológicos que carregam toda a vida.
É
a estes que eu chamo “os militares de anteontem”. Também eles contribuíram
indirectamente para a Liberdade do “25 de Abril”. Foi o cansaço da luta, o
depauperamento das finanças públicas e os consequentes impostos sobre o povo e,
sobretudo, o descontentamento de oficiais, sargentos e praças em guerra que
apressaram a implosão de um regime colonialista, obsoleto e tremendamente
injusto. Só que, para os “militares de anteontem” a factura foi por demais
pesada e amarga. Bem hajam! A estes, o Estado desprezou-os e aos bravos de
Abril, se acaso falhasse a Revolução, o seu destino seria a condenação, o
degredo e a deportação. Assim agia o Estado salazarista.
A
todos, Militares e Povo, o abraço de gratidão das gerações de agora, herdeiras
de tão nobre património!
23.Abr.17
Martins Júnior
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