“Muitos
padres e bispos e cardeais não gostariam do que hoje acontece nesta festa. Mas
o Papa Francisco se visse isto, de certeza, ficaria muito contente”. Logo de
seguida, o orador sacro justifica: “Uma festa transparente em que todos
participam, crianças, jovens, idosos… Uma missa alegre, fresca que nos dá saúde
e alegria”.
Trago
aqui as palavras com que, ontem, o Prof.
Doutor Padre Anselmo Borges iniciou a cerimónia comemorativa da Festa da
Senhora do Amparo, na Ribeira Seca. Com este testemunho de quem calcorreou
durante cinquenta anos a trajectória do sacerdócio – e, daí, a nossa homenagem
associada – encerro hoje os conteúdos que
o Senso&Consenso
apresentou durante mais de uma
semana.
E
agora aproveito o momento para concretizar alguns dos traços identificativos
que levaram Anselmo Borges a proferir tais declarações. Com efeito, quem nos
visitou neste fim-de-semana deve ter notado que não há nenhuma barreira
arquitectónica, nem sequer uma nesga de cortina entre o templo e o parque da
festa focalizado no palco aberto. Aqui a alegria é meridiana, sem tracejados de
espécie alguma, passeando-se entre o
adro e o altar, porque a brisa que o Povo respira tem o mesmo espírito
desinibido, franco, libertador. Assim acontece quando o Povo é o Autor e o
Actor das suas festas, como já referi ao longo destes dias ímpares. Sem lisonja
nem tiques narcisistas, a verdade é que os seis ‘sítios’ desta comunidade fizeram desfilar no palco o gracioso friso
coreográfico, onde mais de cem “artistas do Povo” cantaram o passado, o
presente e o futuro.
Julgo,
porém, que a motivação maior do testemunho do padre filósofo e teólogo
consistiu na forma e no estilo da cerimónia litúrgica. Não apenas, as vozes
espontâneas acompanhadas da tuna de bandolins, mas a transparência e a serena
liberdade expressas no olhar dos
participantes, a eliminação de rituais frios, maquinais, ininteligíveis para
quem assiste. As vestes talhadas pelos figurinos egípcios dos faraós, os
rendilhados de ‘lingerie’, os rostos hieráticos como estátuas – todo esse
ridículo artifício não pode coexistir naquele
recanto de espiritualidade e catarse global. Na hora da Comunhão, o
nosso Cristo e a Sua Memória não precisam de estafetas-diáconos nem
pombos-correios para entrar na boca e no coração das pessoas. Cada qual
obedece, se assim optar, por um impulso interior assumido e dirige-se
pessoalmente à Mesa da Igualdade e da Fraternidade, cantando desinibidamente que
“O Senhor ficou na Eucaristia para dar a todos pão e alegria”. O cortejo
processional ao longo das ruas principais reúne um ‘mar’ de gente, mas ninguém
comete o sacrílego gesto de comprar Deus ou a Senhora com um coto de vela a que
chamam “promessas”.
A
leitura de um texto bíblico feita por um dos presentes e por ele comentada, sem censura nem limitação do
pensamento livre, constitui um dos motivos de atenção e ponderação dos
participantes. É a palavra dada (melhor, restituída) ao cristão personalizado,
consciente do seu lugar na Igreja.
“Se
o Papa Francisco visse isto ficaria muito contente”. Razão tem o nosso pedagogo
Anselmo Borges. Porque é esse Homem, “vindo do fim do mundo” que outra missão
não tem senão o de injectar Vida nas veias de um cristianismo anémico,
esquálido como as estátuas de cera, de
‘pantalha’, que transforma o acto libertador da Eucaristia numa “camisa de onze
varas” onde se é obrigado a estar mudo e
quedo durante uma hora ou mais. Como aquele cardeal africano, de nome Sarah, travestido de pasteleiro (a afirmação é
da minha responsabilidade) para quem a validade da Comunhão depende de ter ou não ter glúten na hóstia!!!...
Ó Cristo, vem ver a que reduziram a Tua Entrega Total ao ser humano, nessa
noite de Quinta-Feira Santa! A um pó de glúten! Este é o mesmo cardeal, ‘Príncipe
da Igreja’, que enfrenta o Papa Francisco e exige que o Celebrante tem de
voltar a rezar a missa, de costas para os cristãos…
“Se
após este Papa vier um outro, de estilo dogmático-tradicionalista, a Igreja
afunda-se” – conclui o teólogo citado em epígrafe. Séria reflexão!
Escrevo e aperto a cabeça entre as mãos, ao
“rever” esse bárbaro ataque às Torres Gémeas, de Nova York. Faz hoje dezasseis anos! E intimamente, comovo-me e completo o cântico da Comunhão da nossa festa:
“Porque
o Senhor ficou na nossa terra
Gritamos
NÃO à fome, NÃO à guerra”.
11.Set.17
Martins Júnior
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