“Ei-los que partem”…
Assim começa a canção-sombra
que a minha geração aprendeu na voz doce e plangente de Manuel Freire,
descrevendo a dolorosa expectativa dos nossos emigrantes a caminho de França.
Mas hoje eu opto pelo seu contrário: Ei-los que chegam… Após as férias, ei-los que
chegam - os veraneantes que somos - cabisbaixos, ensonados, mais cansados que à
partida.
Agora, é o limpar o pó
das mobílias, ajeitar a sala, esquadrinhar a ordem mecânica das ferramentas
diárias, voltar à monotonia dos gestos iguais, o bater anti-alzheimer das horas
que nos chamam à pedra. São os petizes que treinam as costelas para carregar os
livros, são os professores que têm de andar cem e mais quilómetros para
encontrar a ‘sua’ escola, são os juízes cujos ombros voltam a vergar ao peso
das togas sancionatórias, são os eventuais condenados de delito comum obrigados
ao banco aos réus. Sem falar daqueles que agora comem o pão-de-cinza que o
diabo amassou. E são também os políticos-candidatos transpirando com as dores
de parto do 1º de Outubro, p.f.. Destes, porém, e da sua imensidade tão polifacetada
quanto monocórdica (senão mesmo indigesta) cassete, lembrar-me-ei em breve.
Adeus, Agosto claro e
benfazejo, tinto das tonalidades
estivais! Agora, é a bruma outonal de Setembro. Acabou-se o tempo da cigarra e
entrou-se na laboriosa oficina da formiga. Mas, alto e sonoro, impõe-se e cresce dentro de nós, como um espigão inquebrável,
o pensamento de Frederico Garcia Lorca: “Tudo quanto fazemos não é nosso, é
dos outros e para os outros, pertence ao
amanhã”. De outra forma, direi que o Agosto (todos os agostos) nós o capturámos
para o nosso prazer subjectivo, enquanto o Setembro (todos os setembros) já não
será nosso, é pertença de outros, desagua sempre no bem colectivo, dentro ou
fora das quatro paredes que habitamos.
Guiados por esta bússola interior,
descobrimos que afinal, não chegámos. Partimos. Estamos sempre de viagem.
Setembro entrado, o tictac dos ponteiros ganha o metal vibrante de um clarim soando a madrugada. “Esta é nossa hora”!
Ei-los que partem. E ei-los
que chegam para tornar a partir. É sempre bela e auspiciosa a nossa largada.
01.Set.17
Martins Júnior
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