Finou-se
o Natal e o calendário deu à luz o Ano Novo.Com o primeiro, lá se foram os
folguedos das missas do parto, do galo, a consoada do peru e os mascarados e os
cantares misturados de carne ‘de vinha d’alhos’. Com o segundo estrebucharam as
balonas exclusivas da baía e derreteram-se, fantasiosas, em cataratas de sonhos
e hemorragias de luz.
Falam os manuais da especialidade de
casos em que as parturientes, passado algum tempo após darem à luz, caem num
labirinto de abandono e masoquismo autista, a que chamam ‘depressão post-partum’.
Noutros registos, os que se seguem a situações de excessos, a esse estado de
prostração o linguajar comum dá-lhe outra conotação: a ‘ressaca’. Não se sabe – nem registam as Escrituras - se
a jovem donzela de Nazaré, também parturiente aos 16/17 anos, terá pago tal
tributo à maternidade. Mas o que já parece verosímil e até evidente nas peles
descaídas dos transeuntes é a ressaca do Natal e Ano Novo. Basta olhar para o
semblante abúlico daqueles que na euforia da ‘noite mais longa’ espumavam
cristalinos votos de Feliz Ano Novo, agora já nada têm para dizer, falta-lhes
assunto e, quando se cruzam na rua, esboçam apenas um cheiro a bolas de naftalina
guardadas no baú.
Paradoxo brutal! Há oito dias, todo o
mundo cabia numa taça de champagne e todas as estrelas brilhavam nas doze
passas da nossa mão aberta. Mas depois… Depois foi o ‘cair na real’, o prosaico
trabalho (ou a falta dele) de cada manhã, as carências diárias, as maleitas, os
centros de saúde, os hospitais, os ‘sem-abrigo’ pelas ruas, os migrantes
angustiados. E, ainda, as lides domésticas, os filhos, a corrida às aulas, as
convergentes divergências dentro das quatro paredes da casa. Tudo junto: o novo,
afinal, é velho e a fumaça de há dois minutos transformou-se na manta de
retalhos “déjá vue’ do ano anterior.
É assim a ressaca dos que foram levados
pelo narcótico rasteiro das comemorações, onde o álcool é rei e a anestesia rainha. Mas para aqueles que mergulharam na
essência do Natal, o apelo redivivo dos caminhos por desbravar, a epopeia
sempre inacabada de um mundo em construção – para esses não há amianto
depressivo no corpo e a ressaca é uma onda gigante que lhes transporta a alma para novos voos.
É aqui que queremos ficar. Porque não
estamos deprimidos nem ressacados com a prosa dos dias de Janeiro/18. Pelo
contrário, vamos fazer da prosa um poema quotidiano, cujo mote será o mesmo que
fizemos há um ano, em Janeiro de 2017: “Não perguntes o que é que o Ano Novo
poderá fazer por ti. Pergunta o que é que tu podes fazer pelo Ano Novo”. Para
que ele seja sempre novo.
Porque
Ano Novo é sempre e quando nós – tu e eu
– quisermos!
09.Jan.18
Martins
Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário