Onde
se meteu o Papa Francisco?! Os sábios da Antiga Grécia responderiam sem
hesitar: o homem meteu-se entre “Cila e Caribdis”, duas divindades mitológicas,
personificadas em monstros, rochedos e sorvedouros das embarcações, tal como o
nosso “Adamastor” no Cabo das Tormentas, depois transformado em Cabo da Boa
Esperança.
Tudo
está acontecendo nesta corajosa viagem ao Chile e ao Peru. Aliás, o argentino
Bergoglio pisa um chão que é seu, que bem o conhece – a América Latina, um nó
de paradoxos - e, por isso, mediu bem os
riscos que corria. Facto insólito e único foi o protesto de uma multidão de
mulheres e homens, empunhando cartazes contra o Vaticano, directamente contra o
Papa, pela indiferença com que olhava para os escandalosos abusos de menores
por parte do clero. Mesmo após o comovente pedido de desculpas em plena
cerimónia litúrgica, diante de milhares de participantes, a população não se desmobilizou,
pelo contrário redobrou a sua raiva. Facto único entre todas os países que o
Papa visitou até hoje!
Mas
o mais enigmático e assustador é o seguinte: toda aquela faixa da América
Latina foi evangelizada, durante séculos, pelos missionários da Igreja Católica,
os espanhóis. E o paradoxo não é menos desconcertante: em todos os outros
países, de matriz constitucional não cristã nem católica – muçulmanos,
budistas, inclusive ateus confessos - o Papa foi sempre ovacionado. E,
pasme-se, é num território, secularmente
católico, que ele é protestado,
invectivado e verbalmente agredido!
Como
terá reagido Francisco a estes clamorosos protestos? Mal, dirão uns. Magoado,
segundo outros. Pessimamente, comentarão outros ainda, perante os gritos
ululantes dos manifestantes, “Ficou tão feio fazer aquilo” . opinarão os ‘piedosos’
beatos.
Desculpar-me-ão,
mas hoje estou contracorrente. Eu acho que o Papa ficou mil vezes agradecido, porque intimamente
e externamente reforçado nos seus planos de acção. Justificando: tenho
repetidamente afirmado que as transformações na Igreja não podem ser obra do
poder hierárquico. As hierarquias não querem ser incomodados nem, muito menos,
apeadas dos seus cadeirais de conforto e poder. Por isso que a sua iniciativa
inovadora é uma falácia, senão mesmo um perigoso embuste. A evolução das
sociedades, para ser perfeita e segura, tem de partir dos seus próprios constituintes,
o povo, a comunidade. Bastas vezes tenho aqui citado o pensamento de um grande
intelectual cristão: “A Igreja não precisa de um líder extraordinário, excepcionalmente
iluminado. Isso vai contra o plano de J.Cristo na história”. Para não tirar ao
Povo cristão o seu poder de iniciativa, interventivo e eficaz.
Não há sombra de dúvida de que este Papa tem
sido um acérrimo fautor de mudança no Vaticano, um autêntico revolucionário
nesta área, mormente quanto às estruturas caducas da Cúria Romana. Para uns –
os cardeais – ele tem de ser condenado por heresia. Para outros – os verdadeiros
obreiros do Evangelho – ele já deveria ter ido mais longe. É neste último
registo que se situa Francisco. Ele quer ir muito mais além. Mas com quem conta
ele nesta cruzada renovadora? Os cardeais, os bispos, os clérigos? Nem pensar.
Ele só pode contar com as bases, o Povo que constitui a massa e o fermento da Vida. Sem o apoio das comunidades
de base, ele não pode sozinho abrir caminho. Precisa da nossa palavra e da
nossa
acção. No último número da revista Philosophie, razão tinha o editor em
formular a pergunta: “Porquoi est-il si diffile de changer”?
Da
presente nota justificativa, concluo que os protestos da multidão –“Entregue à
Justiça os pastores, bispos e padres, abusadores das crianças” – terão desagradado
à ala dos velhos cardeais de cruzes de ouro ao peito, mas agradaram fortemente
ao Papa Francisco que, no seu íntimo, decerto sentia e quereria dizer,
emocionado; “Gritai, gritai mais forte, dai-me estímulo para agir”. Aliás, ele
acaba de dizê-lo, agora à noite, na missa para os jovens: “ O vosso país, o mundo, a Igreja precisa que
vocês a interpelem”!
Em
jeito de resposta à pergunta da revista citada, a analista Catherine Malabou,
após monitorizar as três causas do fenómeno – o hábito, o medo, a dificuldade –
aconselha assim o filho e, nele, a todos nós “É preciso perder o medo de partir.
E porque somos plásticos, ágeis, nada nos há-de quebrar, saberemos adaptar-nos
e estar à altura do momento”.
Para
aí o Papa nos convida e nos convoca!
17.Ja.18
Martins Júnior
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