“O
arco sempre tenso perde a elasticidade” – já o descobriram os filósofos
epicuristas da velha Grécia. Por isso e para que ele não perca a
capacidade propulsora que lhe é
intrínseca, torna-se necessário descomedi-lo, destemperá-lo de vez em quando
para que, ao retesá-lo de novo, ganhe a energia de uma flecha afiada. Traduzindo em linguagem nossa, de animais
sensitivos, é saudável descontrairmo-nos, dar largas à ‘insustentável leveza’ da
brisa que povoa o nosso crânio, enfim, soltarmos uma gargalhada vadia. Porque a
rir também se aprende.
É
o caso. Devo confidenciar que uma das mais subtis formas do talento humano vou encontrá-las,
imaginem, nos chamados cartoon’s dispersos
em jornais e revistas. Acontece, até, comprar uma publicação só pela imaginação criadora
do cartoonista de serviço. Se uma imagem vale mil palavras, posso afiançar que,
em certos traços de génio, uma caricatura vale mil imagens.
É
o que transcrevo, hoje, do El País,
com o mesmo título que lhe deu o jornalista.
Tudo por causa de uma vela. “O prazer de ver Trump a derreter-se”.
As
voltas e retortas que uma vela pode dar. Símbolo da fé, velório de saudade,
canção felicitante de aniversário natalício, chama de amor romântico na mesa de
namorados – tudo isso, tudo, reduzido a uma escancarada gargalhada de caserna…
A metamorfose semântica de um nobre significante e o verrinoso sarcasmo do seu significado!
Aí está o talento de Curro Chozas e Juan
Oubina, criativos publicitários, ao espalharem por milhões de americanos,
milhões por todo o mundo, o busto de Trump, moldado em cera maciça, ostentando
na cabeça o pavio cerebral, símbolo da esquizofrenia megalómana e da sua mais
requintada auto-destruição. Enfim, um
bobo, nada devendo à boçalidade de Nero.
Para ‘iluminar’ a cena e a sua mensagem, uma ingénua legenda: “É só uma questão
de tempo”!
O
poder da ironia! Esse toque de estética e virulência que imortalizou o ‘nosso’
Eça! “Sete gargalhadas e meia à volta da muralha da cidade bastam para deitá-la ao chão”… Quando trabalhada com mestria, a sátira é mais poderosa que um exército.
Tenho
para mim que a “vela de Trump” fez mais estragos que as tentativas de empechment já ensaiadas, sem êxito, do Senado americano.
Ouso mais: o “Trump de cera” já o destruiu mais que os ameaçadores mísseis do
atarracado norte-coreano. Aquele pavio
erecto tem a potência de uma implosão silenciosa, em que o protagonista é autor
e vítima de si próprio.
Resta
saber se, enquanto duram as 170 horas de lenta combustão do ‘bolo’ encerado, o homem
terá tempo de vingar-se de Curro Chozas, cartoonista espanhol, residente em Los
AngelEs… Risadas à parte, não deixa de
ser deprimente para o nosso mundo a vela – e, mais que a vela astuta, o
perigoso vexame do país mais poderoso do
planeta.
“É
só uma questão de tempo” – oxalá seja
assim. Para a salvaguarda civilizacional do século XXI.
25.Jan.18
Martins Júnior.
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