sábado, 29 de setembro de 2018

PESO DE OURO SEM PERFUME


Hoje, fim de semana, último de Setembro, visto o traje regionalista e meto-me no meio da multidão que acorre aos imponentes cortejos processionais em louvor das Senhoras Padroeiras de cada burgo, do maior ao mais pequeno. Como não podia deixar de ser, a protagonista é a imagem da Senhora, alçada no andor. Mas, quer no andor quer na Senhora, ‘outro valor mais alto se alevanta’ – é o ouro, os anéis, as filigranas, os cordões tamanhos que começam no pescoço da santa e escorrem-lhe até aos pés. E tão pesados que a escultura miniatural parece ajoujada não com o peso do Menino, mas com a carga desproporcional do ouro que transporta.
O espectáculo é deveras fascinante. E, paradoxalmente, inquietante. Testemunho de ex-votos pios, situações aflitivas, profundas dores sofridas, aquela montra de ourivesaria garbosamente ostentada no peito da estatueta da Padroeira reluz ao sol de verão e comove, encanta, seduz os olhos que nela posam. Não tenho dúvida alguma que subjectivamente cada precioso fio que ali vai reflecte um acto de fé. Entretanto, resta saber o como e o porquê desse particular figurino da fé.
Os breves parágrafos que se seguem não têm outro objectivo senão o de abrir necessárias pistas de pensamento e debate.
Puxando para trás a fita do tempo, verificamos que desde sempre o ser humano entendeu o ouro como o dom mais precioso que alguém pode oferecer a quem ama. A expressão ‘coração de ouro’ sintetiza a beleza personificada, a dádiva total.  Assim se revestiam os deuses da mitologia pagã. Assim se adornava Júpiter, o Deus-dos-deuses. Assim fez o povo hebreu no deserto quando as mulheres e donzelas arrancaram os adornos dourados que traziam colados ao corpo e, com eles, mandaram fundir na famosa e blasfema imagem do “Bezerro de Ouro”. Os reis, os príncipes, os aristocratas tinham no ouro as principais credenciais do seu poder e da sua supremacia classista.

Se era este o protocolo de homenagem aos mortais, como não havia de sê-lo para com a divindade e a sua corte. Aí, os templos disseram adeus à `’humilhação’ das catacumbas e alcandoraram-se na opulência ostentatória, horizontalmente  no mesmo trono imperial de Constantino Magno. Desde então, deu-se ao povo crente a cartilha aristocrática do devocionismo anti-evangélico: se queres honrar a Deus, entrega-lhe ouro, em espécie ou equivalente. E assim começou o sacro império romano-católico, ‘com toda a pompa e circunstância que a Deus se devem’. E em se tratando de uma deusa-mulher, redobrados deveriam ser os requintes de galantaria no protocolo do santuário.
Estava consumado em letra de lei factual e tangível  o estilo da homenagem às Santas Padroeiras. Questiona-se, porém, (e é legítimo fazê-lo)  se será assim  a mais digna e sensata homenagem a essa Grande Mulher e Senhora, a jovem nazarena, irmanada com o povo modesto da sua terra?... Terá sentido algum que uma mãe se vista de gala e se cubra de ouro fino para receber nos braços um filho assassinado pelos poderosos?... Não assim a Pietá de Miguel Ângelo. Como reagiriam o nosso pai e a nossa mãe se, com o mesmo estilo, pretendêssemos honrar a sua memória?...Não será ridículo ver uma imagem amarrada, afogada de ouro, a Mãe e o Menino?...
Duas outras perguntas que cavam mais fundo: Não significará um ultraje a um povo pobre e explorado apresentar-lhe como “modelo de passerelle” aquela que sente e sofre as dores e carências da sua gente?... Finalmente, não serão resquícios de religião pagã e idolátrica todas estas encenações antropomórficas de vaidade, em aberta contradição com a idiossincrasia ideológica e existencial de Maria de Nazaré?...

Enquanto voam perto ou longe estas legítimas inquietações, abro a carta de Tiago, Educador da Fé, naquele texto que será lido, sábado e domingo,   em todos os templos: “Ai de vós, ricos. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se  e a ferrugem deles dará testemunho contra vós e devorará a vossa carne como um fogo! (Tiag.5,3). O ouro-ferrugem devoradora não será, decididamente, a melhor homenagem à Santa Patrona.
Expressão maior e mais belo que todo o ouro e toda a prata foram aquelas centenas, talvez milhares, de açucenas-rosa, cheirando a perfume silvestre, que crianças, jovens, homens, mulheres em cortejo festivo depositaram ontem diante da imagem miniatural da Senhora do Bom Despacho. Bem hajam!
29.Set.18
Martins Júnior




quinta-feira, 27 de setembro de 2018

MALDITO PETRÓLEO QUE ENCHARCA ELEITOS E ELEITORES!


                                                         

Ninguém duvidará que no próximo  dia 7 de Outubro  os 147 milhões de boletins de voto espalhados por todo o Brasil intoxicarão outros tantos milhões de brasileiros que acercar-se-ão das urnas, cor do crude. É sob o signo do petróleo e seus derivados que será eleito o próximo presidente daquela que tem tudo para ser a maior potência económica da América Latina. Derivados do petróleo são, ali, os efeitos da operação Lavajato, com toda a série de corruptos e corruptores, traidores e traídos, populares e populistas, falsários sobre falsários, enfim, imundos e contraditórios poços de podridão, que levam uns para a cadeia, outros para o trono e quase todos à passadeira de espasmos que se estende frente ao Planalto.  Não será exagero chegar a esta conclusão: se noutros tempos e noutras circunstâncias, o mágico clic eleitoral estava no empresário, no actor de novela, na estrela do samba ou no herói do Maracanã, hoje (aliás, no próximo dia 7) quem vai pegar na caneta para marcar o poderoso X é o rei-fantasma chamado petróleo e seus derivados.
Terá sido outro o cenário político brasileiro se não fora o furacão provocado pelo petróleo e (insisto) seus derivados!
Mas não se confina às terras de Vera Cruz a maldição do ‘precioso’ líquido. Tal como a cobiçada e prendada maçã do paraíso terreal que, sendo um bem, tornou-se o veneno fatal para toda  a humanidade judaica,  assim também o petróleo, fonte de todas as riquezas, degenerou no pomo  letal de todas as desgraças.  
Os casos aí estão, patentes e gritantes.  Desde a  Petrobras que abriu as comportas a esse turbilhão desaguado no processo Lavajato até ao desmantelamento da economia venezuelana, a partir do ‘superavit’ de produção  petrolífera!´ Quem diria que o maior produtor do mundo  estaria hoje afogado nas abissais, inesgotáveis jazidas perdidas no seu próprio seio?... Também não será surpresa para ninguém o subreptício quanto escandaloso negócio das armas carreadas pela Arábia Saudita e o despudorado apoio a organizações terroristas, pagas em tenças de ouro líquido. E como esquecer a “mãe de todas as guerras” dos tempos recentes? Quem duvida que foi a sede insaciável de petróleo o móbil que fez o lunático e pálido  George W, Bush provocar o monstro adormecido  da guerra  no Iraque e, daí, a todo o Oriente, alastrando-o para toda a  Europa?!...
Emendando a mão, reconheço que maldito não o petróleo mas quem faz dele instrumento de maldição – o que bem pode suceder com qualquer outro produto manipulado pelo engenho humano. Mas o que se nos aparece com agressivo aparato é a apetência do enriquecimento fácil que o  petróleo exerce sobre indivíduos, instituições e nações. Numa altura em que os mares do Algarve se confrontam com o hipotético fantasma da exploração petrolífera, aqui deixo o meu apoio solidário a todos os que lutam contra a entrada da maldição no nosso território.
Saúdo também os avanços tecnológicos que cada vez mais vão cativando as cidades, quando os condutores-auto optam pela ‘frescura’ da energia  eléctrica como novo e saudável combustível dos seus automóveis. Chega de exaurir, até ao esgotamento total, o ventre da natura e procurar novas pistas e novas pontes que definam a supremacia do século XXI.
Votos de que os 147 milhões brasileiros não permitam que os vírus do petróleo lhes toldem a vista!

27.Set.18
Martins Júnior


terça-feira, 25 de setembro de 2018

NO DIA MUNDIAL DO SONHO EM NOITE DE LUA CHEIA


             

Quanto mais longo o sono
Mais breve é o sonho

Sonhe eu longe
E durma perto
Que a lua cheia de outono
Nunca tem ocaso certo

25.Set.18
Martins Júnior

domingo, 23 de setembro de 2018

CORRUPÇÃO DE MINISTRO


                                                                      

       Antes que o domingo se fine, há-de sobrar um sopro de  brisa outonal que nos traga um recado longínquo, mas tão vivo e actual como o ar que respiramos. O recado mexe connosco, remexe as folhas do dicionário que nos deixaram os mestres da língua de Camões e vai radicar-se nos primórdios da nossa ancestralidade falante.
         Concretamente, dirijo-me às fontes do nosso idioma e lá descubro algo de tão surpreendente quanto contraditório: o vocábulo servo (criado, assalariado, servente ou servidor) provém da nossa matriz latina e é designado ou traduzido pelo substantivo comum minister=ministro. Por onde se conclui que só merece o título de ministro  ou, por maioria de razão, de primeiro-ministro aquele que melhor serve o seu patrão, o seu dono e senhor.
         O longo e sinuoso iter de um simples vocábulo! Como foi possível uma tão distorcida corruptela da linguagem corrente, a deturpação dos conteúdos funcionais originários, ao ponto de arvorar-se em juba de leão aquilo que era entrega humilde das mãos, da mente e do corpo de um servidor escravo ?!... A cerviz curvada à relha do arado deu lugar ao cadeirão palaciano do ministério altivo. As mãos calejadas, mal cheirosas no arreio das cavalariças do amo armaram-se em plumas de ganância escoltadas por baionetas feitas do vil metal que compra as consciências!
         Almeida Garrett, já em 1845, interrogava-se sobre quantos pobres seriam necessários para fazer um rico, subentendendo, ainda, o aguerrido desafio acerca de quantos embustes, falácias, traições precisaria um candidato para alcançar a poltrona de ministro, governador, presidente, “chefe da manada”. Mas o que mais confrange e revolta é ver o incompetente, o ignaro, o sabujo, em lá chegando, nomear outros tantos incompetentes, ignaros e corcundas de carácter para ocupar os centros de decisão de uma comunidade!
         Atravessa todas as coutadas e quadrantes, nacionais, regionais, locais, este vírus corrosivo. Até as próprias instituições, ditas espiritualistas, sacras e afins.. Quanta hipocrisia, quanto calculismo ao serviço do oportunismo eclesiástico, para ‘ascender’ ao barrete episcopal ou travestir-se da púrpura cardinalícia! Até se vangloriam e  exigem ser chamados ministros de um deus fundido e moldado à sua maneira! Posso afirmá-lo pelo experienciar dos dias e confirmo-o com o texto deste domingo, o de Marcos, 9, 30-34. Quando os Doze discutiam entre si qual deles seria o maior, o Mestre – Pedagogo e severamente crítico – cominou-os com esta solene reprimenda: Aquele, de entre vós, que quiser ser o primeiro seja o último e aquele que pretender ser o maior seja o vosso servo, o vosso ‘minister’.
         Um Voto, o único que interessa ao país e ao mundo: Que o Ministro, o Presidente, o Secretário, enfim, o Chefe regressem às origens da sua identidade e assumam-se, de corpo e alma, como verdadeiros Servos do Povo! Assim faz  Francisco Papa: a autoridade mostra-se no serviço.

         23.Set.18
Martins Júnior
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sexta-feira, 21 de setembro de 2018

O MAIOR “TIRO” DA SEMANA… DO MÊS… DO ANO!


                                                             
 
       Ocupe-se quem queira com os badalos macroeconómicos do PIB, preocupe-se quem entenda com as quezílias da nomeação das Procuradora Geral da República ou entretenha-se, nas franjas domésticas do burgo, com o “Armas” cargueiro todo o ano. Hoje não vou por aí. Nem tão-pouco me comovem os abraços norte-sul coreanos nem me abalam as bombas pneumáticas que saem da bocarra ‘russa’ da Casa Branca.
      Desde a última segunda-feira, ocupa-me e preocupa-me, transcende-me e galvaniza-me o “tiro” que assinala a partida para um Outono que  traz consigo todo o fulgor da Primavera. É do regresso às aulas que hoje escrevo, para completar a emoção expressa em  A Criança de Mochila (17.IX.18). Não imaginam quanto me enternece e, paradoxalmente, me transtorna a imagem de uma criança posicionada no mini-rectângulo da sua mesa de aula! Vejo-a ali, dona da sua pista, atleta no seu estádio, soberana do seu trono.
         Diante dela, o Mestre, os Mestres, mãos cheias do ouro da ciência, braços de todas as latitudes, enfim, o mundo todo pré-fabricado para enchê-la, vesti-la, calçá-la e armá-la na visão estratégica dos embates futuros. Magnânimo, inexcedível o caudal de quem ensina para quem  recebe!
         Para quem recebe!... É aqui, na foz, no destinatário último da sua acção que o Magister descobre a nascente da sua intuição. Porque o “pequeno-grande ser” que tem à sua frente “não é uma massa disforme (ou informe) a ser moldada pelo Professor” (Jean Piaget). Não é o Livro em Branco nem a praia virgem de uma Ilha Encantada.
Ousarei dizer, sem  hipérbole alguma, que se o Pedagogo traz o manual na mão, o aluno (criança ou jovem) traz uma biblioteca no coração. Se o Docente oferece um dicionário, o Discente tem a sua enciclopédia. Recorro a Fernando Pessoa: “O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo. O que há é pouca gente a dar por isso”. No regresso às aulas, dentro da própria sala, diante do petiz (tenha ele o tamanho que tiver) o que é preciso é “dar por isso”.
Alvíssaras, cânticos e poemas aos Professores que intuem o ADN dos seus pupilos, que os transfiguram descobrindo-lhes a sua real dimensão, o seu olhar, o seu sentir, o seu pulsar. Quantas vezes na penumbra de um silêncio de criança se esconde e se reprime um vendaval de traumas e convulsões! E outras tantas vezes, num lampejo aparentemente intempestivo se anuncia uma onda de optimismo construtivo! “O que há é pouca gente a dar por isso”. Na vida quotidiana e no currículo escolar.
É este o “tiro” da semana, do mês, do ano, da vida. Porque dos bancos da escola sairão os caminhos do futuro. Os trabalhadores oficinais, os servidores públicos, os orçamentos, as engenharias nucleares, os presidenciáveis, os magistrados, os santos e os demónios. Agora, penso Louis Pasteur: “Diante de uma criança (um aluno) sinto-me cheio de ternura por aquilo que ela é, mas cheio de respeito por aquilo que poderá vir a ser”.
A minha efusiva e entusiástica saudação aos Homens e Mulheres, mediadores entre dois mundos: o da Ciência e o da Inocência, querendo com isto significar o Mestre Emissor e o Discípulo Receptor. Sejam quais a idade, o lugar e  o volume de teres e saberes.
Por isso também é que me consola olhar e ver que hoje,  no “21 de Outono”  recomeça a Primavera de Abril!

21.Set.18
Martins Júnior     
   

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

“MACHICO DESCEU À CIDADE”


                                                         
      
Quando escrevo Machico quero significar freguesia, a de outrora. E quando escrevo Cidade leia-se o Funchal de ontem e de hoje. E foi o que se passou nesta noite: Machico transportou-se até ao Teatro Baltazar Dias numa enorme fogueira de luz e de história. Sob o título genérico de “OS FACHOS” projectou-se na tela nobre da cidade o documentário de Eduardo Costa alusivo a uma secular tradição das terras de Tristão Vaz. Secular e original  - talvez única – a tradição de iluminar as majestosas, (quais colunas de Hércules) altas muralhas que sustentam a baía da primeira capitania da Madeira.
Já pela qualidade da película, a sua arrebatadora fotografia, já pela tonalidade singularmente telúrica do guião, não poderia eu, nado e criado neste rincão, ficar-lhe indiferente, pois o seu filão inspirador despertou o subconsciente activo de outras eras e fez-me calcorrear as encostas da infância perdida pelas montanhas-berço das chamas que, hoje como ontem, se debruam em graciosas obras de arte piro-rupestre.
Desde tempos imemoriais (com origem nas invasões dos corsários) a tradição dos fachos alia a beleza ao risco. Talvez e sobretudo por isso, a densificação galopante da floresta nas últimas décadas fez cancelar a iniciativa dos fachos por todo o perímetro orográfico do vale de Machico. Com efeito, a original tradição foi interrompida nas zonas rurais mais profundas do vale precisamente para evitar o flagelo dos incêndios, ficando pois confinada aos territórios mais a sul, onde o basalto se sobrepõe à vegetação.
Parabéns ao promotor da iniciativa, a Câmara Municipal de Machico, ali representada pelo seu presidente Ricardo Franco. Valeu a pena! Longe vão os tempos (longe do tempo civilizacional, mas não tanto do tempo cronológico) em que Machico e os seus talentos eram barrados e ostracizados pelos todo-poderosos sediados no Funchal. Eu lembro-me. A apresentação no Teatro Baltazar Dias pode assim configurar um luminoso acto de democracia autonómica, no pleno sentido do termo. Como, de resto, já o foi a exibição do impressivo filme  “COLONIA E VILÕES”, de Leonel de Brito com fotografia de Elso Roque,  o qual ‘esperou’ 44 anos na Cinemateca Nacional para só em Fevereiro de 2018 poder mostrar-se no mesmo Teatro! Contamos revê-lo em Machico no próximo dia 5 de Outubro, integrado nas comemorações do Dia do Concelho, visto ter sido  Machico o cenário escolhido para palco privilegiado da realização.
Voltando aos “Fachos”, Eduardo Costa confessou a sua mágoa por ter suprimido muitas cenas, dado que o próximo destino do documentário é o festival de Cannes. No entanto, poderão constituir argumento para posteriores edições. Se assim for, ousaria pedir-lhe que, à semelhança do procedimento com a caravela na baía, reproduzisse em estúdio o soberbo anfiteatro de todo o vale de Machico simulando todos os fachos de outrora. Os registos fotográficos, porventura ainda existentes, ajudariam tão delicada tarefa. Se lá chegar, então ganharia maior autenticidade a canção “Os Fachos na Serra”, composta, cantada e coreografada há 50 anos, a qual o realizador fez a gentileza de incluir no histórico documentário. Bem haja!

19.Set.18
Martins Júnior        



segunda-feira, 17 de setembro de 2018

A TODA A CRIANÇA DE MOCHILA E A TODOS OS DOCENTES QUE A RECEBEM

                                                                                                           

A mochila é que a leva
 Mas não a leva toda

Maior e mais funda que a roda
Que abraça o planeta
É aquela mochila preta
Onde cabem gerações
Mergulham genes
Aninham-se canções
E estalam  infrenes
Ritmos ancestrais

No forro dela tanto virão ainda quentes
Os lençóis de seda das alcovas matinais
Como virão sufocadas impotentes
As fomes e o gelo das madrugadas sem pão

Sentou-se a criança da mochila negra
Puxou os livros aliviou-lhe o peso
Mas lá dentro na cinza de cada prega
Ficou o lume aceso
De Alguém-Pessoa
Passado e Presente na demanda do Futuro

Feliz de quem espera o portador da mochila
Épico gigante se conseguir abri-la
E nela descobrir
Novos mundos que o mundo não ensina
Demiurgo de um tempo novo
Cavaleiro Parsifal
De um outro e nobre Graal

17.Set.18
Martins Júnior

sábado, 15 de setembro de 2018

SÁBADO LÚCIDO, DOMINGO FORTE, “DE ANTES QUEBRAR QUE TORCER”: DOIS CASOS!


                                                   

Expirante o sábado, nascente o domingo, batem à nossa porta asas de luz envoltas nas entrelinhas dos velhos textos bíblicos. Os de hoje têm tudo a ver com a mensagem de fim-de-férias que o último ‘correio-bloger’ apresentou. Puxando para trás, viu-se que o tempo ferial é evasão, fuga premeditada, alheamento, deliberado laxismo. Viu-se também que muita e “boa gente” faz profissão deste estatuto sazonal, isto é, faz todas as piruetas para evadir-se da realidade, alhear-se dos problemas que lhe dizem respeito e à sociedade, enfim, faz que anda e não anda. Até chega a fabricar argumentos e artimanhas aparentemente cordeais e razoáveis para “sacudir a água do seu capote” e “ficar bem na fotografia”. São os cobardes, os hipócritas. Os oportunistas.
E se há  habitat’s visceralmente propícios a tais manobras e equilibrismos, um deles está no modus operandi das religiões. É aí que a hipocrisia e o “faz de conta” serpenteiam, como eirós em passeio aquático, por entre seixos e rochedos. Vale tudo ou quase tudo para fugir às questões mais candentes, tornear piamente os problemas, numa palavra, vale tudo para “virar o bico ao prego” e, claro está, “ficar bem na fotografia” dos crentes devotos à doutrina. Basta ouvir amanhã as prédicas do protocolo dominical…
Mas há sempre alguém que diz não!
Hoje é o apóstolo Tiago (dizem que primo de Jesus) quem desmonta o dourado castelo de todo o farisaísmo - o de ontem, o de hoje, o de sempre – através desta veredicto lapidar: Se o teu irmão ou a tua irmã não tiverem que comer ou que vestir, serás capaz de lhes dizer ‘ide em paz, abafai-vos bem, comei o que vos der na vontade´?... Se não lhes dardes o necessário para o corpo, de que servem as vossas palavras?!... E remata com esta inapelável sentença: A fé sem obras está pura e simplesmente morta!  Vai mais adiante e, em jeito de prova factual, passa ao desafio concreto: Dizes que tens fé, então mostra-me a tua fé e eu mostro-te as minhas obras. (Tiago, 2, 15-18)
Mas não fica por aqui a mensagem vertical, inequívoca, deste fim de semana. Num outro texto, o primo de Tiago parece ter perdido a compostura e o bom senso quando, ao anunciar a subida até à cidade de Jerusalém, prepara os seus amigos para o pior: que o Filho do Homem (Ele próprio) ia ser mal recebido pelas autoridades e que até os Sumo-Sacerdotes iriam matá-lO.
Aí, Pedro, o amigo inseparável, fogoso, ajuda o Mestre a evadir-se: Se é assim, desiste de lá ir. Vamos para outro lado. Mas a reacção do ‘doce’ Nazareno foi mais fogosa, incontrolada: “Sai já de ao pé de mim, seu diabo. Retira-te da minha frente, Satanás. Tu só defendes os teus interesses, os interesses mundanos. (Mc.8,33).  Pela aragem do que trazem os textos, Pedro deve ter ficado com as orelhas a chiar, envergonhado, perante outros eventuais termos sinónimos: desaparece, homem fraco, cobarde, egoísta…
Contra os que  voltam as costas - dar a cara e marchar, marchar!
Sem mais comentários. Cada qual traduza em termos realistas, actuais, a coerência e a intrepidez destes dois lutadores. Apetece repetir o velho ditado; “Já não há gente desta”. Mas há, felizmente há! Até pode ser um de nós. Tu também. E à frente de todos, como bandeirante e referencial, vai o corajoso, inquebrável Francisco Papa.
Os malabarismos, as encenações, o laxismo, deixemo-los hibernar em férias definitivas. Sejam a fortaleza e a verticalidade a nossa opção! 

15.Set.18
Martins Júnior
    

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

JÁ ATERRARAM NO AEROPORTO OS “CHARTERS” DAS FÉRIAS…


                                                   

Viajo no último ‘charter’ da estação e aperto o cinto para aterrar na pista que me abre as portas do real quotidiano. Aliás, comigo viaja toda a gente e cá desembarcamos todos no mesmo chão, nas mesmas ruas e nas mesmas portas que temporariamente abandonáramos. O ‘charter’ da estação chama-se “Férias” e a placa de aterragem está na casa, na rua, na fábrica, na escola, enfim, no nosso local de trabalho e produção.
É na vertente escolar que se torna mais visível e tangível este “regresso à vida”. A emoção ou a indiferença, o entusiamo ou o desconforto, um vasto emaranhado de pensares e sentires  toma conta de cada um. Surpreendeu-me, pela negativa, o desabafo de um jovem perante a próxima segunda-feira, reinício das aulas: “Ai, agora começa a prisão”. E é na sequência desta ‘deixa’ que vou monologando em voz-bloger, perfurando  a simbologia do binómio férias-trabalho, para daí alcançar conceitos e conclusões mais alargadas.
Tempo de Férias é evasão versus prisão. É  nirvana versus caminhada no solo pedregoso. É sonambulismo versus dinamismo iluminado. É, ainda, alienação versus compromisso.  Ou, em termos físicos, é um virar de costas versus dar a cara. No ritmo binário da vida – férias/trabalho – não é possível viver sempre evadidos, sonâmbulos, lunáticos, sempre alheios e passivos. Não dá felicidade nem descanso viver ‘eternamente’ de costas voltadas ao real quotidiano. Como também não é viável o seu contrário.
No entanto, há quem passe pela vida, levitando sempre e sempre suspenso, em constante fuga à atmosfera envolvente, ao ar que respiramos, às pessoas com quem tropeçamos todos os dias. Há quem nunca tenha coragem e personalidade de olhar de frente – “dar a cara” – aos problemas e dificuldades, remetendo-se estrategicamente a uma passividade que esconde tanto de  cobardia como de oportunismo. É na política, é na religião, na administração, no debate ideológico, nas lutas sindicais. Sempre “de férias”, como toupeiras hibernadas em subterrâneos calculados à espera do primeiro pingo de sangue que outros derramem no desbravar da floresta! Até nos recuados devocionários do hagiológio  medieval, muitos foram os cenobitas que fugiram do mundo, refugiaram-se uns nas montanhas, outros nos desertos, desejosos de alcançar mais depressa o ‘seu céu’…  Na hierarquia das mãos postas em ogiva, são perceptíveis a olho-nu os novos fariseus, hipócritas mudos, na mira de arrebatar o canonicato, o bispado, o arcebispado, o cardinalato e, se possível, o papado. Na selva sócio-partidária é interminável a caterva fedorenta, mas exemplar, dos candidatos-a-candidatos ao isco cimeiro de qualquer lugar…
Aqui chegados, resta trazer à luz da verdadeira ribalta da história todos aqueles e aquelas que não foram - nem são - refractários à chamada global da vida, os homens e mulheres “de um só rosto e de uma só fé, de antes quebrar que torcer” (Sá de Miranda). Quero construir o autêntico trono da honra e do mérito a todos quantos deram a cara pela humanidade, os que abraçaram (e ainda abraçam) as grades da sua  prisão quotidiana em prol da libertação de todos. Numa palavra, os que não ficaram a hibernar na enxerga, ainda que dourada, do seu oportunismo.
Melhor que todas estas palavras, aqui reproduzo com a maior gratidão, as  de Sophia:
……..
Porque os outros se calam, mas tu não
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo
Porque os outros são hábeis, mas tu não

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos
Porque os outros calculam, mas tu não!
                                     
Foi a este chão que chegou o nosso “charter”. Sejamos dignos de habitar o chão da vida! Despertos, vigilantes, dinâmicos, trabalhadores globais!  
  
13.Set.18
Martins Júnior
  

terça-feira, 11 de setembro de 2018

11 DE SETEMBRO – ‘REQUIEM’ PARA UM MONSTRO - ONDE SE FALA DAS TORRES GÉMEAS E DO DESFILE DE ARMAMENTO EM MOSCOVO


                                                           


o monstro unicórnio perfura
o ventre das torres
tritura a espessa e dura
ciclópica armadura
das muralhas que ergueu

cidades templos impérios
o monstro fez deles cemitérios

depois esventrou-se
crânio artérias pútridas entranhas
e expôs-se
obsceno e nu
desvairado suicida
em todas as praças vermelhas de sangue cru
ostentando os falos da morte
que estrangulam a vida

venha depressa de Marte ou de  Saturno
furacão maior ou avejão nocturno
harvey cindy irma florence
e arrase
paradas paióis petardos e porões
funda
toda a imunda base
onde medra o monstro unicórnio

traga o Homem Novo  
torne-o
terra  clara e sã
onde floresça transfigurado e belo
um outro Amanhã

 11.Set.18
Martins Júnior





domingo, 9 de setembro de 2018

UMA ANIVERSARIANTE COM MAIS DE DOIS MIL ANOS


                                                          

Enquanto escrevo, entram-me pela janela os acordes esfusiantes dos jovens rodopiando na sala de visitas da sua terra matriz. É Festa, desde o dia de ontem. Festa estrutural e mobilizadora. E porque sei de muitos que seguiram atentamente a abertura do palco da festa através do último texto, eis-me agora a confirmar por este meio que foi o Povo quem ocupou a centralidade executiva, estrutural do acontecimento, desde os contributos financeiros, não tabelados, mas espontâneos, até ao núcleo programático  fundamental.
Esclareço que se trata de uma efeméride alusiva a Maria de Nazaré, sob o signo de ‘Senhora do Amparo’, diferenciando-se, por isso, das festas tendencialmente profano-pagãs em que a espiritualidade fica à espera da segunda-feira. Neste preciso alinhamento, constituiu um momento alto, quando,  alternamente,  um homem e uma mulher se levantaram do seu lugar para ler e comentar na tribuna os dois textos litúrgicos, o primeiro de Isaías e o segundo de Tiago, ambos adaptados à realidade sócio-cultural desta comunidade.  Que beleza e  que originalidade reveladas na interpretação da Escritura, por parte de cristãos-de-base! Por não ser académica ou estereotipada, a interpretação é mais transparente e ganha mais autenticidade e vigor.
A tuna jovem e os diversos grupos representativos das zonas demarcadas da comunidade descreveram em coreografia, canto e verso, todos originais, os capítulos mais impressivos da história da Ribeira Seca, “Povo de diamante/Brilhante/Nas montanhas de basalto e de ternura”! Houve ainda espaço para os chamados “conjuntos electrónicos”, mas os protagonistas foram, já por tradição, os habitantes do lugar.  
Enfim, cumpriu-se o 8 de Setembro –  aniversário convencional da Natividade de Maria de Nazaré – e, com Ela, encheu-se de luz solidária a paisagem humana de quem aqui vive. Parabéns ao Povo!

09.Set.18
Martins Júnior                                      

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

O POVO – PROTAGONISTA DA SUA FESTA




Quais os chapéus, tais as festas. Há muitas e para todos os paladares. E, mesmo que o não sejam os chapéus, são elas que definem os sabores, as preferências, a cultura, enfim, a idiossincrasia de um povo. Por isso, são tão diversificados os cardápios e as cartilhas por onde cada sociedade molda os programas das suas festas. Há-as ruidosas, em que o estalo é rei desde a sola do chão até aos cabelos das nuvens. Há-as sofisticadas, supostamente refinadas, rivalizando no timbre e na performance dos artistas importados. Passo em claro aquelas em que o álcool a rodos marca o GPS a caminho das urgências.
No entanto, para mim há uma linha vermelha que, como a linha do equador,  define os dois hemisférios distintivos de uma festa: de um lado, aquela em que o Povo ocupa a centralidade do evento e uma outra, aquela  em que o suposto Autor e Pagante da festa é relegado para a periferia, limitando-se ao papel de mero espectador, agente passivo de todo o cenário.
Precisamente no cerne desta opção – estar no dentro ou ficar de fora – é que reside a tal cultura de uma comunidade. Para quem tem acompanhado ciclicamente este Senso&Consenso, deve ter verificado a predilecção que nutro por esta temática. Porque pretender preencher literalmente a festa com produtos aleatórios, por mais exaltantes que se apresentem, pode significar um vazio indisfarçado, estrutural, por parte de determinado núcleo populacional, sobretudo nas zonas marcadas pela ruralidade. Em contraponto, as comunidades que fazem da sua festa uma oportunidade soberana para afirmar “Eu estou, nós estamos no coração da festa” – por mais singelo e ingénuo que seja o respectivo programa – isso demonstra o alto grau de autenticidade de um Povo, a sua capacidade autonómica e, sobretudo, a afirmação da sua centralidade na construção cívica e solidária do lugar que habitam.
Falo assim porque estamos no portal da nossa festa. Inspirada embora num motivo religioso – a Festa da Senhora do Amparo – ela surge como um convite à participação popular em diversos quadrantes, nomeadamente na vertente histórica. Sem prejuízo da presença dos artistas já convidados, amanhã e depois serão os habitantes/construtores da Ribeira Seca os verdadeiros protagonistas, legitimamente ocupantes do seu palco. Em figurino de um musical adaptado ao momento, desfilarão os episódios mais determinativos da história das suas gentes. Letras, músicas, coreografias e luminotécnica serão um livro aberto para quem assistir ao espectáculo e quiser informar-se sobre o passado de um “Povo que trabalha e faz o mundo novo”.
Até na própria Eucaristia Solene de Domingo próximo, será dada a vez  a dois cristãos leigos, um homem e mulher, que comentarão os textos bíblicos do dia, Porque, dentro e fora do templo, a festa é do Povo, pelo Povo e para o Povo. É preciso que os cristãos não sejam apenas consumidores, mas também produtores da Palavra.
Ao menos numa ´Pousada´da Paz, em 8 e 9 de Setembro, a Festa da Mãe será também a Festa dos Filhos. E, de novo, será Protagonista  da Festa o Povo da Ribeira Seca.
09.Ago.18
Martins Júnior       

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

O TEMPO NOVO JÁ CHEGOU


                                                

A Igreja está em moda. Para o bem e para o mal.
No corpo do último “Senso&Consenso” detectei a crise por que passa a instituição, qualificando-a de “dias tempestuosos”. Hoje (goste-se ou não) apraz-me saudá-la. a crise na Igreja, como a alvorada de um Tempo Novo.
Sinal desse almejado Tempo Novo, o mesmo que dizer, desse genuíno Tempo de Outrora?
Apenas isto:
Os príncipes do Vaticano e a “cristianíssima” Sociedade – mais uma! – denominada de S. Pio X sentenciaram que Francisco Papa é um herético, destruidor da Fé e tem de ser imediatamente suspenso e expulso da Igreja! Nem mais nem menos.
É por isso que chegámos ao Tempo Novo, Tempo de Outrora.
Os evangelistas coincidem na narrativa, segundo a qual, os fariseus, os escribas, os sumo-sacerdotes de Jerusalém chamaram a Cristo um demónio, possesso por Lúcifer, um hereje e expulsaram-no do Templo.
É por isso que eu digo: Chegou a Hora!
Os velhos fariseus e os donos da religião estão de volta, depois de uma longa letargia em que dormiam refastelados no Santuário. E dos anátemas lançados em rosto do Papa Francisco, eu concluo à evidência que também o Homem Novo chegou. Será cuspido, alvejado, assassinado pelos seus, mas um dia – o terceiro, haverá sempre um dia terceiro  – há-de vencer.
Ditoso privilégio me foi dado (a mim a todos) o de ver reincarnar o Libertador num Tempo que é sempre novo!
         05.Set.18
Martins Júnior