quarta-feira, 19 de setembro de 2018

“MACHICO DESCEU À CIDADE”


                                                         
      
Quando escrevo Machico quero significar freguesia, a de outrora. E quando escrevo Cidade leia-se o Funchal de ontem e de hoje. E foi o que se passou nesta noite: Machico transportou-se até ao Teatro Baltazar Dias numa enorme fogueira de luz e de história. Sob o título genérico de “OS FACHOS” projectou-se na tela nobre da cidade o documentário de Eduardo Costa alusivo a uma secular tradição das terras de Tristão Vaz. Secular e original  - talvez única – a tradição de iluminar as majestosas, (quais colunas de Hércules) altas muralhas que sustentam a baía da primeira capitania da Madeira.
Já pela qualidade da película, a sua arrebatadora fotografia, já pela tonalidade singularmente telúrica do guião, não poderia eu, nado e criado neste rincão, ficar-lhe indiferente, pois o seu filão inspirador despertou o subconsciente activo de outras eras e fez-me calcorrear as encostas da infância perdida pelas montanhas-berço das chamas que, hoje como ontem, se debruam em graciosas obras de arte piro-rupestre.
Desde tempos imemoriais (com origem nas invasões dos corsários) a tradição dos fachos alia a beleza ao risco. Talvez e sobretudo por isso, a densificação galopante da floresta nas últimas décadas fez cancelar a iniciativa dos fachos por todo o perímetro orográfico do vale de Machico. Com efeito, a original tradição foi interrompida nas zonas rurais mais profundas do vale precisamente para evitar o flagelo dos incêndios, ficando pois confinada aos territórios mais a sul, onde o basalto se sobrepõe à vegetação.
Parabéns ao promotor da iniciativa, a Câmara Municipal de Machico, ali representada pelo seu presidente Ricardo Franco. Valeu a pena! Longe vão os tempos (longe do tempo civilizacional, mas não tanto do tempo cronológico) em que Machico e os seus talentos eram barrados e ostracizados pelos todo-poderosos sediados no Funchal. Eu lembro-me. A apresentação no Teatro Baltazar Dias pode assim configurar um luminoso acto de democracia autonómica, no pleno sentido do termo. Como, de resto, já o foi a exibição do impressivo filme  “COLONIA E VILÕES”, de Leonel de Brito com fotografia de Elso Roque,  o qual ‘esperou’ 44 anos na Cinemateca Nacional para só em Fevereiro de 2018 poder mostrar-se no mesmo Teatro! Contamos revê-lo em Machico no próximo dia 5 de Outubro, integrado nas comemorações do Dia do Concelho, visto ter sido  Machico o cenário escolhido para palco privilegiado da realização.
Voltando aos “Fachos”, Eduardo Costa confessou a sua mágoa por ter suprimido muitas cenas, dado que o próximo destino do documentário é o festival de Cannes. No entanto, poderão constituir argumento para posteriores edições. Se assim for, ousaria pedir-lhe que, à semelhança do procedimento com a caravela na baía, reproduzisse em estúdio o soberbo anfiteatro de todo o vale de Machico simulando todos os fachos de outrora. Os registos fotográficos, porventura ainda existentes, ajudariam tão delicada tarefa. Se lá chegar, então ganharia maior autenticidade a canção “Os Fachos na Serra”, composta, cantada e coreografada há 50 anos, a qual o realizador fez a gentileza de incluir no histórico documentário. Bem haja!

19.Set.18
Martins Júnior        



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