Quando
escrevo Machico quero significar
freguesia, a de outrora. E quando escrevo Cidade
leia-se o Funchal de ontem e de hoje. E foi o que se passou nesta noite:
Machico transportou-se até ao Teatro Baltazar Dias numa enorme fogueira de luz
e de história. Sob o título genérico de “OS FACHOS” projectou-se na tela nobre
da cidade o documentário de Eduardo Costa alusivo a uma secular tradição das
terras de Tristão Vaz. Secular e original
- talvez única – a tradição de iluminar as majestosas, (quais colunas de
Hércules) altas muralhas que sustentam a baía da primeira capitania da Madeira.
Já
pela qualidade da película, a sua arrebatadora fotografia, já pela tonalidade singularmente
telúrica do guião, não poderia eu, nado e criado neste rincão, ficar-lhe
indiferente, pois o seu filão inspirador despertou o subconsciente activo de
outras eras e fez-me calcorrear as encostas da infância perdida pelas
montanhas-berço das chamas que, hoje como ontem, se debruam em graciosas obras
de arte piro-rupestre.
Desde
tempos imemoriais (com origem nas invasões dos corsários) a tradição dos fachos
alia a beleza ao risco. Talvez e sobretudo por isso, a densificação galopante da
floresta nas últimas décadas fez cancelar a iniciativa dos fachos por todo o
perímetro orográfico do vale de Machico. Com efeito, a original tradição foi
interrompida nas zonas rurais mais profundas do vale precisamente para evitar o
flagelo dos incêndios, ficando pois confinada aos territórios mais a sul, onde
o basalto se sobrepõe à vegetação.
Parabéns
ao promotor da iniciativa, a Câmara Municipal de Machico, ali representada pelo
seu presidente Ricardo Franco. Valeu a pena! Longe vão os tempos (longe do tempo
civilizacional, mas não tanto do tempo cronológico) em que Machico e os seus
talentos eram barrados e ostracizados pelos todo-poderosos sediados no Funchal.
Eu lembro-me. A apresentação no Teatro Baltazar Dias pode assim configurar um luminoso
acto de democracia autonómica, no pleno sentido do termo. Como, de resto, já o
foi a exibição do impressivo filme “COLONIA
E VILÕES”, de Leonel de Brito com fotografia de Elso Roque, o qual ‘esperou’ 44 anos na Cinemateca
Nacional para só em Fevereiro de 2018 poder mostrar-se no mesmo Teatro!
Contamos revê-lo em Machico no próximo dia 5 de Outubro, integrado nas comemorações
do Dia do Concelho, visto ter sido
Machico o cenário escolhido para palco privilegiado da realização.
Voltando
aos “Fachos”, Eduardo Costa confessou a sua mágoa por ter suprimido muitas
cenas, dado que o próximo destino do documentário é o festival de Cannes. No
entanto, poderão constituir argumento para posteriores edições. Se assim for,
ousaria pedir-lhe que, à semelhança do procedimento com a caravela na baía, reproduzisse
em estúdio o soberbo anfiteatro de todo o vale de Machico simulando todos os
fachos de outrora. Os registos fotográficos, porventura ainda existentes, ajudariam
tão delicada tarefa. Se lá chegar, então ganharia maior autenticidade a canção “Os
Fachos na Serra”, composta, cantada e coreografada há 50 anos, a qual o
realizador fez a gentileza de incluir no histórico documentário. Bem haja!
19.Set.18
Martins Júnior
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