quinta-feira, 13 de setembro de 2018

JÁ ATERRARAM NO AEROPORTO OS “CHARTERS” DAS FÉRIAS…


                                                   

Viajo no último ‘charter’ da estação e aperto o cinto para aterrar na pista que me abre as portas do real quotidiano. Aliás, comigo viaja toda a gente e cá desembarcamos todos no mesmo chão, nas mesmas ruas e nas mesmas portas que temporariamente abandonáramos. O ‘charter’ da estação chama-se “Férias” e a placa de aterragem está na casa, na rua, na fábrica, na escola, enfim, no nosso local de trabalho e produção.
É na vertente escolar que se torna mais visível e tangível este “regresso à vida”. A emoção ou a indiferença, o entusiamo ou o desconforto, um vasto emaranhado de pensares e sentires  toma conta de cada um. Surpreendeu-me, pela negativa, o desabafo de um jovem perante a próxima segunda-feira, reinício das aulas: “Ai, agora começa a prisão”. E é na sequência desta ‘deixa’ que vou monologando em voz-bloger, perfurando  a simbologia do binómio férias-trabalho, para daí alcançar conceitos e conclusões mais alargadas.
Tempo de Férias é evasão versus prisão. É  nirvana versus caminhada no solo pedregoso. É sonambulismo versus dinamismo iluminado. É, ainda, alienação versus compromisso.  Ou, em termos físicos, é um virar de costas versus dar a cara. No ritmo binário da vida – férias/trabalho – não é possível viver sempre evadidos, sonâmbulos, lunáticos, sempre alheios e passivos. Não dá felicidade nem descanso viver ‘eternamente’ de costas voltadas ao real quotidiano. Como também não é viável o seu contrário.
No entanto, há quem passe pela vida, levitando sempre e sempre suspenso, em constante fuga à atmosfera envolvente, ao ar que respiramos, às pessoas com quem tropeçamos todos os dias. Há quem nunca tenha coragem e personalidade de olhar de frente – “dar a cara” – aos problemas e dificuldades, remetendo-se estrategicamente a uma passividade que esconde tanto de  cobardia como de oportunismo. É na política, é na religião, na administração, no debate ideológico, nas lutas sindicais. Sempre “de férias”, como toupeiras hibernadas em subterrâneos calculados à espera do primeiro pingo de sangue que outros derramem no desbravar da floresta! Até nos recuados devocionários do hagiológio  medieval, muitos foram os cenobitas que fugiram do mundo, refugiaram-se uns nas montanhas, outros nos desertos, desejosos de alcançar mais depressa o ‘seu céu’…  Na hierarquia das mãos postas em ogiva, são perceptíveis a olho-nu os novos fariseus, hipócritas mudos, na mira de arrebatar o canonicato, o bispado, o arcebispado, o cardinalato e, se possível, o papado. Na selva sócio-partidária é interminável a caterva fedorenta, mas exemplar, dos candidatos-a-candidatos ao isco cimeiro de qualquer lugar…
Aqui chegados, resta trazer à luz da verdadeira ribalta da história todos aqueles e aquelas que não foram - nem são - refractários à chamada global da vida, os homens e mulheres “de um só rosto e de uma só fé, de antes quebrar que torcer” (Sá de Miranda). Quero construir o autêntico trono da honra e do mérito a todos quantos deram a cara pela humanidade, os que abraçaram (e ainda abraçam) as grades da sua  prisão quotidiana em prol da libertação de todos. Numa palavra, os que não ficaram a hibernar na enxerga, ainda que dourada, do seu oportunismo.
Melhor que todas estas palavras, aqui reproduzo com a maior gratidão, as  de Sophia:
……..
Porque os outros se calam, mas tu não
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo
Porque os outros são hábeis, mas tu não

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos
Porque os outros calculam, mas tu não!
                                     
Foi a este chão que chegou o nosso “charter”. Sejamos dignos de habitar o chão da vida! Despertos, vigilantes, dinâmicos, trabalhadores globais!  
  
13.Set.18
Martins Júnior
  

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