Viajo
no último ‘charter’ da estação e aperto o cinto para aterrar na pista que me
abre as portas do real quotidiano. Aliás, comigo viaja toda a gente e cá
desembarcamos todos no mesmo chão, nas mesmas ruas e nas mesmas portas que
temporariamente abandonáramos. O ‘charter’ da estação chama-se “Férias” e a
placa de aterragem está na casa, na rua, na fábrica, na escola, enfim, no nosso
local de trabalho e produção.
É
na vertente escolar que se torna mais visível e tangível este “regresso à vida”.
A emoção ou a indiferença, o entusiamo ou o desconforto, um vasto emaranhado de
pensares e sentires toma conta de cada
um. Surpreendeu-me, pela negativa, o desabafo de um jovem perante a próxima segunda-feira, reinício das aulas: “Ai, agora começa a prisão”. E é na sequência
desta ‘deixa’ que vou monologando em voz-bloger, perfurando a simbologia do binómio férias-trabalho, para
daí alcançar conceitos e conclusões mais alargadas.
Tempo
de Férias é evasão versus prisão. É nirvana versus
caminhada no solo pedregoso. É sonambulismo versus dinamismo iluminado. É, ainda, alienação versus compromisso. Ou, em termos físicos, é um virar de costas versus dar a cara. No ritmo binário da
vida – férias/trabalho – não é possível viver sempre evadidos, sonâmbulos,
lunáticos, sempre alheios e passivos. Não dá felicidade nem descanso viver ‘eternamente’
de costas voltadas ao real quotidiano. Como também não é viável o seu
contrário.
No
entanto, há quem passe pela vida, levitando sempre e sempre suspenso, em
constante fuga à atmosfera envolvente, ao ar que respiramos, às pessoas com
quem tropeçamos todos os dias. Há quem nunca tenha coragem e personalidade de
olhar de frente – “dar a cara” – aos problemas e dificuldades, remetendo-se
estrategicamente a uma passividade que esconde tanto de cobardia como de oportunismo. É na política,
é na religião, na administração, no debate ideológico, nas lutas sindicais. Sempre
“de férias”, como toupeiras hibernadas em subterrâneos calculados à espera do
primeiro pingo de sangue que outros derramem no desbravar da floresta! Até nos
recuados devocionários do hagiológio
medieval, muitos foram os cenobitas que fugiram do mundo, refugiaram-se
uns nas montanhas, outros nos desertos, desejosos de alcançar mais depressa o ‘seu
céu’… Na hierarquia das mãos postas em
ogiva, são perceptíveis a olho-nu os novos fariseus, hipócritas mudos, na mira
de arrebatar o canonicato, o bispado, o arcebispado, o cardinalato e, se
possível, o papado. Na selva sócio-partidária é interminável a caterva fedorenta,
mas exemplar, dos candidatos-a-candidatos ao isco cimeiro de qualquer lugar…
Aqui
chegados, resta trazer à luz da verdadeira ribalta da história todos aqueles e
aquelas que não foram - nem são - refractários à chamada global da vida, os
homens e mulheres “de um só rosto e de uma só fé, de antes quebrar que torcer”
(Sá de Miranda). Quero construir o autêntico trono da honra e do mérito a todos
quantos deram a cara pela humanidade, os que abraçaram (e ainda abraçam) as
grades da sua prisão quotidiana em prol
da libertação de todos. Numa palavra, os que não ficaram a hibernar na enxerga,
ainda que dourada, do seu oportunismo.
Melhor
que todas estas palavras, aqui reproduzo com a maior gratidão, as de Sophia:
……..
Porque os outros se
calam, mas tu não
Porque os outros se
compram e se vendem
E os seus gestos dão
sempre dividendo
Porque os outros são
hábeis, mas tu não
Porque os outros vão à
sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas
com os perigos
Porque os outros
calculam, mas tu não!
Foi
a este chão que chegou o nosso “charter”. Sejamos dignos de habitar o chão da
vida! Despertos, vigilantes, dinâmicos, trabalhadores globais!
13.Set.18
Martins Júnior
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