Antes
que o domingo se fine, há-de sobrar um sopro de brisa outonal que nos traga um recado
longínquo, mas tão vivo e actual como o ar que respiramos. O recado mexe
connosco, remexe as folhas do dicionário que nos deixaram os mestres da língua de
Camões e vai radicar-se nos primórdios da nossa ancestralidade falante.
Concretamente, dirijo-me às fontes do
nosso idioma e lá descubro algo de tão surpreendente quanto contraditório: o
vocábulo servo (criado, assalariado,
servente ou servidor) provém da nossa matriz latina e é designado ou
traduzido pelo substantivo comum minister=ministro.
Por onde se conclui que só merece o título de ministro ou, por maioria de
razão, de primeiro-ministro aquele que
melhor serve o seu patrão, o seu dono e senhor.
O longo e sinuoso iter de um simples vocábulo! Como foi possível uma tão distorcida
corruptela da linguagem corrente, a deturpação dos conteúdos funcionais
originários, ao ponto de arvorar-se em juba de leão aquilo que era entrega humilde
das mãos, da mente e do corpo de um servidor escravo ?!... A cerviz curvada à
relha do arado deu lugar ao cadeirão palaciano do ministério altivo. As mãos
calejadas, mal cheirosas no arreio das cavalariças do amo armaram-se em plumas de
ganância escoltadas por baionetas feitas do vil metal que compra as
consciências!
Almeida Garrett, já em 1845,
interrogava-se sobre quantos pobres seriam necessários para fazer um rico,
subentendendo, ainda, o aguerrido desafio acerca de quantos embustes, falácias,
traições precisaria um candidato para alcançar a poltrona de ministro,
governador, presidente, “chefe da manada”. Mas o que mais confrange e revolta é
ver o incompetente, o ignaro, o sabujo, em lá chegando, nomear outros tantos
incompetentes, ignaros e corcundas de carácter para ocupar os centros de
decisão de uma comunidade!
Atravessa todas as coutadas e
quadrantes, nacionais, regionais, locais, este vírus corrosivo. Até as próprias
instituições, ditas espiritualistas, sacras e afins.. Quanta hipocrisia, quanto
calculismo ao serviço do oportunismo eclesiástico, para ‘ascender’ ao barrete
episcopal ou travestir-se da púrpura cardinalícia! Até se vangloriam e exigem ser chamados ministros de um deus fundido e moldado à sua maneira! Posso afirmá-lo pelo experienciar dos dias e confirmo-o com o texto deste domingo, o de Marcos, 9, 30-34. Quando os Doze
discutiam entre si qual deles seria o maior, o Mestre – Pedagogo e severamente crítico
– cominou-os com esta solene reprimenda: Aquele,
de entre vós, que quiser ser o primeiro seja o último e aquele que pretender
ser o maior seja o vosso servo, o vosso ‘minister’.
Um Voto, o único que interessa ao país
e ao mundo: Que o Ministro, o Presidente, o Secretário, enfim, o Chefe
regressem às origens da sua identidade e assumam-se, de corpo e alma, como
verdadeiros Servos do Povo! Assim faz Francisco
Papa: a autoridade mostra-se no serviço.
23.Set.18
Martins Júnior
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