Baptizei
hoje a minha mensagem com a charada, em título de capa, de uma conhecida
revista portuguesa que há uns meses teve a ousadia de atirá-la para o inquilino dos jardins de Belém. Assim
pergunto eu: Onde não está Eça de Queirós? Razão directa: os últimos dias de
Novembro estão cheios do autor d’Os Maias:
em 25 (1845) é o seu nascimento e em 30 ( 1888) passam 130 anos sobre a
publicação do seu melhor romance.
O que trago para estes dias
poderosamente “ímpares” não é o elogio do prodigioso polígrafo – com apenas 55
anos de idade, deixou-nos uma incomensurável produção literária – mas o
sortilégio da sua presença viva no mundo actual, mais concretamente em Portugal
e na Madeira. E o que mais impressiona nesta ‘descoberta´ é, de um lado, a
versatilidade das diversas fases da história e, dentro dela, a imutabilidade
dos comportamentos humanos. Se em Gil Vicente deparamo-nos com a galeria das
várias tipologias comportamentais na viragem de século (XV-XVI), outrossim
verificamos em Eça na transição do século XIX para o século XX.
Tudo quanto relatam os historiadores
dessa época nós o encontramos nas imorredouras páginas d’Os Maias. Lembro-me aqui de Almeida Garrett e do velho aio Telmo
Pais, do Frei Luis de Sousa, quando confirmavam
que Camões, com um só olho, via mais que
os restantes mortais. Pois, podemos também afirmar que o monóculo de Eça, muito
mais que potentes telescópios, abarcava o passado, o presente e o futuro da
condição humana, a sua psicologia, as reacções sociológicas e o ridículo das
suas atitudes. Ontem como hoje e hoje como ontem.
Não acham por aí o negreiro Monforte, explorador sereno e frio do comércio de
escravos?... Basta percorrer os banqueiros (negreiros hodiernos) resguardados
numa sombria clandestinidade! E o Palma
Cavalão, de pena fácil, não os vemos em redacções de certos jornais,
virados, despudoradamente subservientes ao poder e ao capital organizado? E o
tal Dâmaso Salcede, sósia do anterior,
preguiçoso, calculista, camaleão invertebrado que babuja e rebola conforme a
onda do poder?!...Então ainda ninguém se cruzou com o intelectual João da Ega, o diletante escritor das
sempre prometidas e nunca iniciadas Memórias
de um Átomo. Eles aí andam e pavoneiam-se, impantes, enfatuados, com
canudos sem curso, como doutores ministros sem pasta?!...
Não
obstante a ocasional vigilância do escrutínio popular sobre as bancadas
parlamentares e a subsequente acção governativa, ainda hoje persistem focos de
insalubridade político-social, magistralmente descritos no hipódromo, do capítulo X, onde
o verniz e a hipocrisia não conseguem tapar a corrupção e a vilania das
sofisticadas classes burguesas. E quanto à doentia religiosidade da mulher de
Afonso da Maia, em que é que ela difere das intermináveis procissões, novenas e
incensos da maior parte dos nossos templos?!...
Quanto
a Carlos da Maia e à relação incestuosa
com Maria Eduarda, escandalosamente reiterada, apesar do conhecimento dos
factos, aí já se revela a aceitação do absurdo, a impotência de agir, o laissez
faire, laisser passer, na administração pública, nos tribunais, nos
negócios, nos desportos e até na religião. Felizmente, observa-se com simpatia a presença de
uma Oposição que deve permanecer sempre
vigilante e lúcida para não permitir os mesmos abusos, os mesmos incestos e
compadrios de outros tempos.
Serve
o presente texto de sugestão para quem sentir o bom senso e o bom gosto de ver
desfilar a polícroma galeria humana que nos doou Eça de Queirós. Porque ler Os Maias, 130 anos depois, é ver o
filme, a novela e, nalguns casos, a choldra
da hora que nos coube viver, seja a nível internacional, nacional ou regional.
Vale a pena refazer a trama e reescrever com figuras e factos de hoje a saga
real em que somos actores e espectadores, sem talvez darmos por isso. Como bem
observou José Rentes de Carvalho, “Eça põe-nos em frente de um espelho desagradavelmente
fiel”. Mas – acrescento eu – com outro dinamismo e outra combatividade que não
tiveram João da Ega e
Carlos da Maia, os românticos vencidos da vida.
23.Nov.18
Martins Júnior s
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