É
recorrente, quase banal. Mas nem por isso deixa de ser um caso sério, essencial
e determinativo, em todos os tempos, particularmente numa época como a nossa,
em que certas movimentações auto-designadas como religiosas, espiritualistas e
afins aparecem geminadas com interesses político-financeiros, a ponto de
influenciarem e alterarem os destinos de um país, como aconteceu com as
recentes eleições no Brasil.
‘Porque hoje é Sábado, amanhã Domingo’,
serve o presente parágrafo para introduzir os dois textos bíblicos da praxe litúrgica
oficial, os quais definem duas concepções e duas vivências diametralmente
opostas. Remeto a leitura para o Livro do Deuteronómio (6,2-6) e para o texto
de Mateus (12, 28-36). Cotejando, lado a lado, os dois textos, descobre-se que
no primeiro, o ideário religioso tem como horizonte único o culto da Divindade.
É a visão exclusivamente vertical da religião de Moisés. No segundo, à dimensão vertical alia-se a horizontalidade
cultual. Concretizando: Na resposta à questão formulada pelo escriba (Qual é o primeiro mandamento da Lei?) o Mestre responde que ´consiste em “Amar a
Deus sobre todas as coisas”, literalmente como preceituou Moisés, mas
acrescenta-lhe sem mais pontos nem parágrafos: “O segundo é idêntico ao
primeiro, “Amar o próximo como a ti mesmo”. Seja qual a amplitude que se dê à
expressão “amar o próximo”, o que importa é reter a sua polivalência
existencial e moral. Não se é religioso só por fixar o sol da Suprema Deidade,
cantando-lhe glórias e hossanas por entre névoas de incenso ou alumiá-lo num
cortejo ciríaco de pavios inflamados. Para o nosso Mestre, não é aí que reside o
estandarte da Religião. Pelo contrário: é quando o olhar humano se debruça
sobre a terra e os braços solidários se
abrem na horizontalidade perfeita, então é que brota e cresce a flor - o
arbusto, a árvore, o hasteio, a ara, o monumento vivo – da verdadeira Religião.
Foi
esta a notícia – a grande ‘Boa Nova’ - que o Mestre legou à Humanidade. E por
isso os sacro-velhos imperadores do Templo de Jerusalém odiaram-no tanto! Com
efeito, percorrendo a didáctica do Mestre, verifica-se que durante toda a sua
vida são mais expressivas e incisivas as referências ao Ser Humano do que ao
culto do deus Ihaveh. “Vim para salvar o que estava perdido” . É também esta a
pedagogia do actual Papa Francisco. Paradoxalmente, quem folheia ou quem ouve
com atenção os livros litúrgicos topa a olho-nu que 99% das preces e rituais estão
cheios de conteúdos opostos.
Longe,
muito longe levar-nos-iam as torrentes inspiradoras desta viragem que o nosso
Líder-Cristo doou ao mundo e pela qual entregou a própria vida! Nem foi para instaurar no Vaticano uma segunda
edição do faustoso Templo de Salomão nem
para lhe queimarem nas ‘barbas do Pai Eterno’ as vítimas da idolatria, do medo
e da ignorância religiosa. Não foi para isto, não.
Felizmente,
têm surgido das raízes das verdadeiras igrejas (não importa qual o credo
originário) frutos promissores de mentalidades amadurecidas na visão holística
da promoção humana, na solidariedade sócio-cultural, enfim, na divina
horizontalidade que atravessa o grito vertical do Espírito. Porque é neste
clima que viaja a Salvação do Homem Total. Por outro lado, quão penoso e
detestável é ver igrejas-instituições que para parecerem grandes se acoitam ao quintal
dos poderosos. A Igreja de Cristo só será grande e autêntica quando for
autónoma e livre.
03.Nov.18
Martins Júnior
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