quinta-feira, 15 de novembro de 2018

VERTIGENS QUE COMANDAM A VIDA – “Abyssus abyssum invocat” (Sl.42,7)


                                                                 

             É da terra-prosa que hoje me apetece discorrer e em cima dela correr e correr de olhos vendados como quem já lhe conhece  de cor as passadas, Porque, mesmo sem nos darmos de conta, até as equações  aparentemente mais enigmáticas reduzem-se, afinal, a meras evidências do quotidiano, É o que vem descrito no título deste Senso&Consenso.
         Comecemos por aí: um abismo chama por outro abismo, um desejo breve  cria um desejo maior e a sede de um cigarro atrai o ‘fulgor’ de um haxixe, Não vale a pena ‘dourar a pílula’, porque a prosa da terra assim decreta. O “vulgar de Lineu” espanta-se, afunda-se ou enfurece-se perante certos escândalos criminais, quando, feita uma análise sem preconceitos, chega-se à conclusão mais evidente: por aquele caminho já se esperava.
         Casos abundam e o mais difícil é ver-se uma excepção. Quem diria que de um episódio festivo que é o desporto havia de sair um aborto de reacções, contradições, agressões, prisões, cauções e toda a série de traições que acabam em veementes confrontos judiciais?... E o alarde compulsivo da comunicação social, quem chegou mais cedo, quem perguntou primeiro, quantos quilómetros de fita, quanta gente destacada, a qualquer hora do dia ou da noite, quanto dinheiro em horas-extra, enfim, batedores de estrada, mendigos de mão estendido para apanhar em salvas de prata um bocejo disforme ou um traquejo ordinário de suas majestades trapaceiras! E fica meio-mundo pasmado de baba diante de tantas enormidades,
         Como foi possível chegar a tão degradante desconserto, tanto da parte dos figurantes como dos espectadores?
         Muito simples: o menino, antes de nascer, já era sócio, o papá começou a levá-lo às arenas de cifrões e palavrões contra o árbitro; o menino e a menina prestam-se à ridícula promoção de entrar em campo pela mão de um ‘batidão da bola’;  mais tarde, um amigo calha apertar-lhe os dedos com um charro inofensivo, passa à coca e, vai daí, toca a rebate, vamos em cima deles,  “vamos dar cabo deles”. Outra vez, tribunais, detenções, condenações.
E tudo começou sem dar por isso. Em tudo na vida. Os grandes criminosos por bagatelas ocasionais. Os gatunos por umas moedinhas deixadas em cima da mesa de casa. Os assassinos por divertidas cenas de bullying sem nexo. Sempre um abismo a chamar por outro abismo!
Daí que a grande pedagogia da humanidade, graúdos e miúdos, deveria consistir num crescimento sincrónico, vigilante e actuante, num sentido ascendente e continuado. Porque assim como o abismo puxa abismo, também a colina chama pela montanha mais alta, rumo ao cimo da perfeição, sempre inatingível, mas sempre desejada!
O jovem marinheiro iniciou a subida à gávea do navio e aos poucos  foi galgando até ao instante em que olhou para baixo e a vertigem quase fê-lo desistir. Mas o comandante, atento e vigilante, bradou-lhe: “Olha para a gávea do mastro, olha sempre para cima”. E alcançou o sonho!
Para vencer a vertigem dos abismos, nada mais belo e eficaz que a filia das alturas!
15.Nov.18
Martins Júnior

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