É
da terra-prosa que hoje me apetece discorrer e em cima dela correr e correr de
olhos vendados como quem já lhe conhece de cor as passadas, Porque, mesmo sem nos
darmos de conta, até as equações aparentemente mais enigmáticas reduzem-se,
afinal, a meras evidências do quotidiano, É o que vem descrito no título deste Senso&Consenso.
Comecemos
por aí: um abismo chama por outro abismo, um desejo breve cria um desejo maior e a sede de um cigarro
atrai o ‘fulgor’ de um haxixe, Não vale a pena ‘dourar a pílula’, porque a
prosa da terra assim decreta. O “vulgar de Lineu” espanta-se, afunda-se ou
enfurece-se perante certos escândalos criminais, quando, feita uma análise sem preconceitos,
chega-se à conclusão mais evidente: por aquele caminho já se esperava.
Casos abundam e o mais difícil é ver-se
uma excepção. Quem diria que de um episódio festivo que é o desporto havia de
sair um aborto de reacções, contradições, agressões, prisões, cauções e toda a
série de traições que acabam em veementes confrontos judiciais?... E o alarde
compulsivo da comunicação social, quem chegou mais cedo, quem perguntou primeiro,
quantos quilómetros de fita, quanta gente destacada, a qualquer hora do dia ou
da noite, quanto dinheiro em horas-extra, enfim, batedores de estrada, mendigos
de mão estendido para apanhar em salvas de prata um bocejo disforme ou um
traquejo ordinário de suas majestades trapaceiras! E fica meio-mundo pasmado de
baba diante de tantas enormidades,
Como foi possível chegar a tão
degradante desconserto, tanto da parte dos figurantes como dos espectadores?
Muito simples: o menino, antes de
nascer, já era sócio, o papá começou a levá-lo às arenas de cifrões e palavrões
contra o árbitro; o menino e a menina prestam-se à ridícula promoção de entrar
em campo pela mão de um ‘batidão da bola’; mais tarde, um amigo calha apertar-lhe os
dedos com um charro inofensivo, passa à coca e, vai daí, toca a rebate, vamos
em cima deles, “vamos dar cabo deles”.
Outra vez, tribunais, detenções, condenações.
E
tudo começou sem dar por isso. Em tudo na vida. Os grandes criminosos por bagatelas
ocasionais. Os gatunos por umas moedinhas deixadas em cima da mesa de casa. Os
assassinos por divertidas cenas de bullying sem nexo. Sempre um abismo a chamar
por outro abismo!
Daí
que a grande pedagogia da humanidade, graúdos e miúdos, deveria consistir num
crescimento sincrónico, vigilante e actuante, num sentido ascendente e
continuado. Porque assim como o abismo puxa abismo, também a colina chama pela
montanha mais alta, rumo ao cimo da perfeição, sempre inatingível, mas sempre
desejada!
O
jovem marinheiro iniciou a subida à gávea do navio e aos poucos foi galgando até ao instante em que olhou para
baixo e a vertigem quase fê-lo desistir. Mas o comandante, atento e vigilante,
bradou-lhe: “Olha para a gávea do mastro, olha sempre para cima”. E alcançou o
sonho!
Para
vencer a vertigem dos abismos, nada mais belo e eficaz que a filia das
alturas!
15.Nov.18
Martins Júnior
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