Desde
há 1700 anos, anda ele de terra em terra e de boca em boca, montado não na sela
do cavalo imaginário mas no mito e, muito mais, na superstição saloia entre
lagares e pipas que levianamente atravessam fronteiras e gerações. Ele é o
cidadão de nobre linhagem que depois se fez voluntário servo e monge e, mais tarde, chamado à mitra da catedral de
Tours. Expurgado o seu culto dessas abusivas colagens (como se do Baco pagão se
tratasse) Martinho, o santo aberto e generoso para com os marginalizados da
cidade, bem merece condigna e secular homenagem.
Mas outros Martinhos houve, E a
história registou. Um deles, herói e irmão do massacrado povo de Timor, esteve
connosco. Aqui, na Madeira, Funchal. Aqui, em Machico, Ribeira Seca. De nome
inteiro, Martinho da Costa Lopes, a sua história e o seu drama
consubstanciam-se no drama e na glória
de Timor Lorosae. Era o tempo da anexação dessa ilha pelo governo da ditadura
de Jacarta, Face às ameaças e investidas do ditador Shuarto, impôs-se sempre o
administrador apostólico de Dili (bispo Martinho da Costa Lopes) defendendo e
incentivando os seus conterrâneos na luta pela sua identidade patriótica, recusando-se
mesmo a obedecer às directivas do episcopado indonésio, despudoradamente aliado
do usurpador ditador do regime.
Sofreu os ataques ao seu bom nome e à
própria integridade física, foi preso, sempres ostracizado e considerado “persona
non grata” pelo poder político anexante, cujo afã maquiavelicamente premeditado
visava expulsá-lo da Sé e do território de Timor. Mas o valoroso prelado nunca
se vergou nem se deixou seduzir pelas promissoras benesses dos invasores. O
mais degradante e repugnante, a todos os níveis, foi o Vaticano. Em vez de
tomar a defesa intransigente do seu “filho qualificado”, porque nomeado por Roma,
a Igreja dirigida pelo Papa João Paulo II aliou-se ao poder político de Jacarta
e tudo fez para expulsar o pastor da Igreja Timorense, recambiando-o para
Lisboa, terra de exílio do velho e patriótico lutador do povo. Ali viveu, numa
pobre casa, privado da família e de conforto mínimo, desprezado pelo
Patriarcado.
Foi nessa altura que a Junta de
Freguesia de Machico, então presidida pelo Dr. Bernardo Martins, convidou-o a
visitar a Madeira, onde foi friamente recebido pelas autoridades regionais,
tanto civis como religiosas. O escândalo maior veio da Igreja Diocesana, porque
mandou publicar no seu órgão oficial, o Jornal da Madeira, e em grandes
parangonas esta vergonhosa Nota
Episcopal”: O BISPO DE TIMOR NÃO É BISPO”. Indigno, blasfemo!
Como
a gravura em epígrafe documenta, o modesto mas heróico pastor timorense,
acompanhado pelo Padre Tavares Figueira e por mim, falou à multidão apinhada junto ao palco
aberto da Ribeira Seca, deixando no coração de todos os presentes a mais emotiva e comovente impressão, pois
disse-o com a autoridade de quem viveu e sofreu a dura repressão da ditadura indonésia.
Mais tarde, ouvimos dizer que o intrépido (para mim, o Santo e Mártir) bispo de
Timor falecera em Lisboa, exilado e só, sem que, ao menos, a Igreja lhe dedicasse a homenagem que
merecia. Veio-me então à memória o poema de Reinaldo Ferreira; “O Herói
serve-se morto”!
Machico
não o esqueceu, Aquando da minha gestão à frente do município, a Assembleia
Municipal, por proposta do executivo camarário, aprovou à então recém-construida
estrada que liga a Ribeira Seca ao Moinho da Serra, a designação toponímica de “RUA DOM MARTINHO DA COSTA
LOPES, BISPO DE TIMOR”. Quem o conheceu e escutou ‘ao
vivo’ a sua mensagem, o palpitar do coração do povo timorense e, com ele, dos oprimidos do mundo inteiro, não pode atravessar aquela
rua, sem primeiro perfilar-se em sentido, e saudar aquele Martinho Maior – São
Martinho do Século XX - e dizer-lhe que
ele está dentro de nós, na nossa ideia e na nossa acção.
Faz
hoje precisamente 100 anos o dia do seu nascimento: 11 de Novembro de 1918. No
dia do Armistício em que acaba a I Grande Guerra, aí outra guerra começava. E
outro herói, pacífico guerreiro, entrava em campo para libertar o seu povo, o
de Timor e o de todo o Mundo!
Salvè,
São Martinho do Século XX !!!
11.Nov.18
Martins Júnior
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