domingo, 23 de outubro de 2022

CARTA ABERTA AO PADRE JOSÉ LUIS RODRIGUES

                                                                       


       

           Colega e Amigo

         Não são os crimes de guerra perpetrados contra o massacrado povo ucraniano que me levam a escrever estas letras que de há muito trago dentro de mim, nem mesmo o tenebroso apagão causado pela destruição das centrais eléctricas que deixaram às escuras cidades inteiras.

         É de um outro apagão que venho questionar o meu amigo. Eu só queria saber  qual a .mão criminosa e que obscuras forças levaram a sangrar de negro esse inspirador mural de sol e saúde que todos os dias JLR desdobrava perante o mundo, via redes sociais.

“Não dizes, eu adivinho” – faço minhas as palavras de Carlos do Carmo. Mas, permite, colega e amigo: mais alta que as sombras viscosas atiradas sem direcção e mais poderosa é a luz vertical, galvanizadora, que emana do teu talento e da tua criatividade, expressa em áreas tão diversificadas, desde a poesia ao conto e ao romance, à incursão teológica e à análise social, através de artigos, ensaios, homilias, conferências.

Não precisas que to diga, mas esta é a verdade: no panorama intelectual regional, a tua voz assoma como trombeta brilhante e vigilante, sempre em cima dos acontecimentos, com um tacto jornalístico de primeira água e um olhar prospectivo sobre a realidade envolvente, sem te deixares  ficar cativo dos apertados arames insulares, mas, pelo contrário, agregando ideias, personagens, iniciativas, enfim, caudais inovadores vindos de fora.

Se não agora, tenho a certeza que os dias do amanhã hão.de render-te graças pela visão estruturalmente profética que tens da Igreja de Jesus, o Nazareno. O que mais notório e eloquente há em ti é a coerência entre a visão e a palavra. No magro universo da instituição eclesiástica regional – um deserto de cultura e aprofundamento teológico e, em contrapartida, um espectáculo barroco de feira vistosa – é sempre a tua voz, a única, que tem a coragem de sinalizar os desvios tortuosos de dois mil anos de cristianismo e seiscentos anos de regionalismo católico-apostólico-romano, agravado nos tempos que correm. Não só para mim, mas para muitos, tu és a extensão mais fidedigna da estatura ideo-teo-sociológica do Papa Francisco na Madeira.. 

Colega e Amigo

Contra esta força holística, espiritual e humana, “não há machado que corte a raiz ao pensamento”. E contra este caudal de energia e acção, não há mão nem braço capazes de apagar o mural luminoso que todos os dias tens trazido ao mundo.

Há o bournot viral, é certo,  há os drones Kamikase furtivos, uns telecomandados pelas hierarquias, outros anónimos, acéfalos. E há, ainda, o reino dos roedores do esgoto, as toupeiras do charco, as rémoras parasitas que só sobrevivem à custa das migalhas que caem da mesa da gente limpa e que eles transformam em esterco. Desses dizia já desde o século XVIII o nosso grande Álvares de Nóbrega, são aqueles que “convertem em peste a chuva de ouro que sobre o mundo entorna Júpiter Sagrado”. Em nome da causa animal, dêmos-lhes ração de entretenimento. E sigamos em frente. Porque “os cães ladram e a caravana passa”.

Colega e Amigo

A vida é breve e o que há-de ficar não é a folha que as mãos daninhas quiseram apagar, mas aquelas que escrevemos, algumas, as mais duradouras, com o sangue das nossas veias, os murais  de escrita franca que todos os dias colocas dentro das nossas casas e das nossas vidas. E se, para algo servir, dedico-te quase meio século de ostracismo, exilado na própria terra. Mas estou vivo e muitos detractores não. Lamento que já não me possa ver.

Devo também ao meu amigo uma partilha dessa vida.

VALE !

 

23.Out.22

Martins Júnior      

1 comentário:

  1. Estimado Padre Martins ! Esta missiva de Amigo para o Amigo foi bálsamo para a minha inquietação do quanto as palavras do P. José Luís nos fazem falta. É a alma dolorida dele que sofre... mas o desejo de muitos é que a sua voz de Profeta continue a ser ouvida! O Sr.P. Martins sabe muito bem avaliar !... Um abraço fraterno.

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