De Portugal em
desagregação. Fernando Pessoa dizia:
Ninguém sabe que coisa quer
Ninguém conhece que alma tem
Nem o que é mal nem o que é bem
Tudo é incerto e
derradeiro
Tudo é disperso, nada é
inteiro
Ó Portugal, hoje és
nevoeiro
Se
a muitos países e estados, quase todos, se pode adequar o lamento pessoano, com
maior evidência salta aos nossos olhos o
espectáculo decepcionante (de marionetes,
diria, se se não tratasse da segunda maior economia europeia) que
nos tem proporcionado o Reino (des)Unido, desde que optou pelo ‘Brexit’.
Não
sendo esta a minha faixa de rodagem preferida, a verdade é que ninguém pode
ficar indiferente à italianizante (e insustentável) leveza de um Estado que em
seis anos conheceu cinco primeiros-ministros, todos do mesmo partido,
canelando-se e revezando-se uns aos outros como num jogo de saltimbancos da
feira, o que dará razão aos epítetos de que ninguém
sabe que coisa quer, tudo é disperso, nada é inteiro.
Sem
o mínimo propósito – seria supinamente ridículo – de interferir na política da Velha Álbion, apraz-me detectar a porosa
fragilidade dos tronos e a estrondosa capacidade dos titulares da governação em
minar e esboroar a solidez do poder que receberam dos seus constituintes, os
eleitores, acrescendo ainda a, eticamente, abusiva teimosia de contrariar a
vontade dos mesmos eleitores expressa publicamente, com manifesto prejuízo dos
cidadãos. Passemos, pois, em revista determinados e recentes indicadores-chave demonstrativos
do depauperamento político daquele que foi o Grande Império Britânico ou, por
outras palavras e em termos actuais, a ironia
deslizante da Great-Britain para
uma decadente e desfigurada Short Britain,
onde tudo ficou mais curto, efémero, mais inseguro e com humilhante perda
da hegemónica identidade patriótica.
Primeiro, o desfile dos cinco oficiais
comandantes da esquadra conservadora: David Cameron, Theresa May, o inimitável
Boris Johnson, a doce e vaporosa Lis Truss e desde ontem - a amora rica em cima do bolo! - o ‘estrangeirado’ Rishi Sunak. Ninguém
duvidará que os cinco, colados todos juntos, não passariam de um enfezado
espeto face à estatura política de um Tony Blair, de uma Margareth Thatcher ou
do histórico Winston Churchill, concordemos ou não com o seu ideário
governativo.
Para a secular longevidade
aristocrática da Great Britain não
deixa de ser um auto-vexame o paradoxo de uma Rainha, de 96 anos de idade e 70
de reinado ter empossado uma nova primeira-ministra que durou apenas 45 dias no
posto!... Dir-se-ia que a soberaníssima
e nonagenária Rainha deu à luz um
nado-morto. Na imponente ‘maternidade’ chamada Commonwealth, ex-Magno Império Britânico…
Por
outro lado, neste repetido ‘ping-pong’ a dez mãos (as dos cinco já citados), e
perante o clamor da maioria das sondagens (até da opinião de alguns
parlamentares conservadores) favoráveis a eleições gerais antecipadas, como
solução única para sair deste ensarilhado marasmo governativo, que é que
decidem os tories? Servindo-se da
maioria no Parlamento, teimam em prolongar esta ficção agónica de nomear um
primeiro-ministro ‘instantâneo’, pela diferença de 165 votos, uma aberração
comparada com os 65 milhões de cidadãos do Reino Unido. Com razão, Miguel
Esteves Cardoso observou: “A rapidez foi ditada pelo instinto de sobrevivência
dos conservadores ingleses. A grande vítima dessas andanças não é este ou
aquele político conservador - é o próprio Partido Conservador. É um partido
despedaçado”.
Mas, enfim,
no nº 10 da Dowing Street já se assentou Rishi Sunak, o imprevisível Super-Rei,
porque mais rico que o próprio monarca Carlos III, o que indicia, desde logo, o
teor programático preferencial da futura governação. Mas a maior originalidade
– deprimente e vexatória para o ‘puro sangue’ da orgulhosa nobreza britânica – o super-rei não lhe corre
nas veias a génese identitária do ‘puro sangue’
inglês. É asiático-hindu, fruto serôdio
de uma enorme farm lá dos confins do mundo, colonizada pelo senhorio e feitor
inglês. Ai, quantas voltas estarão a dar na cova os heróis navegantes da
temerária Armada Inglesa, descobridores e povoadores das Índias! E que ressalto
vitorioso não terá dado Mahatma Gandhi! O escravo apeia o grande senhorio e toma-lhe
o trono, o colonizado ocupa agora o palácio do colonizador!
Mais
delicado, porém, é o Nevoeiro que se
acumula entre a esmerada cortesã tradição feminina e a nova ‘Primeira Dama’. Bye, Bye, olhos azuis, louras madeixas, jóias genuínas da joelharia Rainha Vitória ou Princesa Diana. Agora, as
pedras preciosas são do metal sonante das libras em cachão transbordando de um
tesouro oriental. Doravante e enquanto
durar este ‘arranjo’ conservador, os ingleses terão de rever-se num outro
figurino de First-Lady, a indiana e
capitalista de risco, Akshata Murty.
Malhas que o Império tece!
– volto a Fernando Pessoa.
É
verdade que o mundo debate-se hoje com dramas muito mais tormentosos que as
vicissitudes intestinas do Reino Unido. Mas não deixa de ser um ‘sinal dos
tempos’ a mudança de paradigmas tradicionais e a surpresa de opções inovadoras
no cenário político internacional. E se, por um lado, é patente a fragilidade
orgânica de uma Great-Britain em
notório resvale para outra Short-Britain,
por outro lado vislumbra-se uma nova era e uma nova ordem mundial em que os verdadeiros
valores patrióticos já não assentam no heráldico património hereditário, nem na
cor da pele, nem no credo dos seus titulares. Aconteceu com Barak Obama nos
EUA. Mas este é outro caso.
Não
obstante os pouco recomendáveis episódios da actual novela conservadora de
Londres, fica-nos como espectadores um olhar crítico e conclusivo: Quando o
monocolor poder da máquina partidária emperra e entrava o interesse público,
tem de ser o povo eleitor a re\pôr o país, a região, a cidade em marcha.
27.Out.22
Martins Júnior
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