quinta-feira, 27 de outubro de 2022

DA “GREAT-BRITAN” À “SHORT-BRITAIN” --- ou --- A DECADÊNCIA DOS IMPÉRIOS

                                                                          


De Portugal em desagregação. Fernando Pessoa dizia:

Ninguém sabe que coisa quer

Ninguém conhece que alma tem

Nem o que é mal nem o que é bem

Tudo é incerto e derradeiro

Tudo é disperso, nada é inteiro

Ó Portugal, hoje és nevoeiro

Se a muitos países e estados, quase todos, se pode adequar o lamento pessoano, com maior evidência salta aos nossos olhos  o espectáculo decepcionante (de marionetes, diria, se se não tratasse da segunda maior economia europeia) que nos tem proporcionado o Reino (des)Unido, desde que optou pelo ‘Brexit’.

Não sendo esta a minha faixa de rodagem preferida, a verdade é que ninguém pode ficar indiferente à italianizante (e insustentável) leveza de um Estado que em seis anos conheceu cinco primeiros-ministros, todos do mesmo partido, canelando-se e revezando-se uns aos outros como num jogo de saltimbancos da feira, o que dará razão aos epítetos de que ninguém sabe que coisa quer, tudo é disperso, nada é inteiro.

Sem o mínimo propósito – seria supinamente ridículo – de interferir na política da Velha Álbion, apraz-me detectar a porosa fragilidade dos tronos e a estrondosa capacidade dos titulares da governação em minar e esboroar a solidez do poder que receberam dos seus constituintes, os eleitores, acrescendo ainda a, eticamente, abusiva teimosia de contrariar a vontade dos mesmos eleitores expressa publicamente, com manifesto prejuízo dos cidadãos. Passemos, pois, em revista determinados e recentes indicadores-chave demonstrativos do depauperamento político daquele que foi o Grande Império Britânico ou, por outras palavras e em termos actuais, a ironia  deslizante da Great-Britain para uma decadente e desfigurada Short Britain, onde tudo ficou mais curto, efémero, mais inseguro e com humilhante perda da hegemónica  identidade patriótica.

         Primeiro, o desfile dos cinco oficiais comandantes da esquadra conservadora: David Cameron, Theresa May, o inimitável Boris Johnson, a doce e vaporosa Lis Truss e desde ontem  - a amora rica em cima do bolo! -  o ‘estrangeirado’ Rishi Sunak. Ninguém duvidará que os cinco, colados todos juntos, não passariam de um enfezado espeto face à estatura política de um Tony Blair, de uma Margareth Thatcher ou do histórico Winston Churchill, concordemos ou não com o seu ideário governativo.

         Para a secular longevidade aristocrática da Great Britain não deixa de ser um auto-vexame o paradoxo de uma Rainha, de 96 anos de idade e 70 de reinado ter empossado uma nova primeira-ministra que durou apenas 45 dias no posto!... Dir-se-ia que a soberaníssima e  nonagenária Rainha deu à luz um nado-morto. Na imponente ‘maternidade’ chamada Commonwealth,  ex-Magno Império Britânico…

          Por outro lado, neste repetido ‘ping-pong’ a dez mãos (as dos cinco já citados), e perante o clamor da maioria das sondagens (até da opinião de alguns parlamentares conservadores) favoráveis a eleições gerais antecipadas, como solução única para sair deste ensarilhado marasmo governativo, que é que decidem os tories? Servindo-se da maioria no Parlamento, teimam em prolongar esta ficção agónica de nomear um primeiro-ministro ‘instantâneo’, pela diferença de 165 votos, uma aberração comparada com os 65 milhões de cidadãos do Reino Unido. Com razão, Miguel Esteves Cardoso observou: “A rapidez foi ditada pelo instinto de sobrevivência dos conservadores ingleses. A grande vítima dessas andanças não é este ou aquele político conservador - é o próprio Partido Conservador. É um partido despedaçado”.

           Mas, enfim,  no nº 10 da Dowing Street já se assentou Rishi Sunak, o imprevisível Super-Rei, porque mais rico que o próprio monarca Carlos III, o que indicia, desde logo, o teor programático preferencial da futura governação. Mas a maior originalidade – deprimente e vexatória para o ‘puro sangue’ da orgulhosa  nobreza britânica – o super-rei não lhe corre nas veias a génese  identitária do ‘puro sangue’  inglês. É asiático-hindu, fruto serôdio de uma  enorme farm lá dos confins do mundo, colonizada pelo senhorio e feitor inglês. Ai, quantas voltas estarão a dar na cova os heróis navegantes da temerária Armada Inglesa, descobridores e povoadores das Índias! E que ressalto vitorioso não terá dado Mahatma Gandhi! O escravo apeia o grande senhorio e toma-lhe o trono, o colonizado ocupa agora o palácio do colonizador!

          Mais delicado, porém, é o Nevoeiro que se acumula entre a esmerada cortesã tradição feminina e a nova ‘Primeira Dama’. Bye, Bye, olhos azuis,  louras madeixas, jóias genuínas da joelharia Rainha Vitória ou Princesa Diana.  Agora, as pedras preciosas são do metal sonante das libras em cachão transbordando de um tesouro oriental.  Doravante e enquanto durar este ‘arranjo’ conservador, os ingleses terão de rever-se num outro figurino de First-Lady, a indiana e capitalista de risco, Akshata Murty.

Malhas que o Império tece! – volto a Fernando Pessoa.

É verdade que o mundo debate-se hoje com dramas muito mais tormentosos que as vicissitudes intestinas do Reino Unido. Mas não deixa de ser um ‘sinal dos tempos’ a mudança de paradigmas tradicionais e a surpresa de opções inovadoras no cenário político internacional. E se, por um lado, é patente a fragilidade orgânica de uma Great-Britain em notório resvale para outra Short-Britain, por outro lado vislumbra-se uma nova era e uma nova ordem mundial em que os verdadeiros valores patrióticos já não assentam no heráldico património hereditário, nem na cor da pele, nem no credo dos seus titulares. Aconteceu com Barak Obama nos EUA. Mas este é outro caso.

Não obstante os pouco recomendáveis episódios da actual novela conservadora de Londres, fica-nos como espectadores um olhar crítico e conclusivo: Quando o monocolor poder da máquina partidária emperra e entrava o interesse público, tem de ser o povo eleitor a re\pôr o país, a região, a cidade em marcha.

 

27.Out.22

Martins Júnior  

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