quarta-feira, 5 de outubro de 2022

QUEM IÇA O ‘ENGUIÇO’?...

                                                                          


Fizesse eu o discurso  do “112” – os anos da República, entenda-se – e em vez do grito  avassalador de José Relvas na varanda da Câmara de Lisboa - “VIVA A REPÚBLICA” – limitar-me-ia ao título desta mensagem; QUEM IÇA O ‘ENGUIÇO’?... E mais não diria. Ou então talvez transcrevesse do Dicionário da Língua Portuguesa os diversos sinónimos de ‘Enguiço”. Aí vão: quebranto, mau-olhado, mau-agoiro, empecilho, criança enfezada, mostrengo.

Era isso tudo e muito mais a bandeira da decrépita monarquia portuguesa, como agressivamente a retratou Guerra Junqueiro no poema dramático “Finis Patriae”.

Hoje a bandeira é outra, mas não deixa de esconder o medonho enguiço da ditadura (o mostrengo!), por mais alto que a içassem em todos os quarenta e oito “5 de Outubro” que durou o regime.

A bandeira não espelha apenas o património de um povo ou de um regime. Representa todos e cada um, sobremaneira quando é desfraldada em gloriosa hasta pública. Nela estão não só as mãos que a levantam, mas também os cérebros, os legisladores, os executivos, os bons ou maus serviços que prestam ao povo. É por isso que, para uns, o içar da bandeira é o orgulho da Mãe-Pátria, enquanto  para outros não passa de uma manta de retalhos, sudário fúnebre de um país amortalhado. De um país, de uma classe, de uma cidade ou de um tugúrio abandonado, Em casos extremos, a bandeira já foi o grande lençol de linho puído em que se enxugavam as lágrimas e se abafavam os soluços do seu povo. O enguiço, o mau-agoiro, o mostrengo.

É nessas circunstâncias que se pergunta: QUEM IÇA O ENGUIÇO?

Neste Ano da Graça, o meu içar da bandeira não tem hino, não tem fanfarra, não tem esporas, cavaleiros e plumas carnavalescas. Nem discursos. Pareceu-me ouvir da boca dos protagonistas falantes uma espécie quase-violenta de indignação contra a resignação. Ironia das ironias… Mas eles só têm boca  e auto-mutilaram as orelhas?! Não vêem nem ouvem que o  chão alcatifado e o palanque de onde peroram mais se assemelha a um vale de gritos que regurgitam de todos os lados: mais camas para os idosos paralíticos, mais médicos nos hospitais. Mais enfermeiros, mais dinheiro para o Superior, mais salários contra a inflação, a função pública, os ordenados mínimos e os médios, leite para as crianças, transportes gratuitos, ajuda aos migrantes, o grito das mulheres, não só as afegãs. Enfim, mais que um vale de lágrimas, um vulcão de gritos.

Tudo, porquê?

Por causa de uma outra bandeira, essa maior e mais decisiva: o ORÇAMENTO !!! Quando se esperava que o içar da bandeira republicana, leve e esvoaçante, fosse a cereja em cima do bolo das nossas vidas, eis que se apresenta com a ‘caixa-negra’ do Orçamento, pesada, inacessível, inexorável. Tempo houve, até,  em que o símbolo da Pátria virou-se ao contrário, talvez envergonhada de quem a levantara, em 5 de Outubro!

Sempre foi içada a bandeira. Hoje. Tremulante, indecisa, pesada do pranto dos seus procuradores, o povo detentor da soberania da Nação. As mãos que a erguiam lembravam o “Homem do Leme” (do ‘Mostrengo’ de Fernando Pessoa): “Aqui, ao leme sou mais do que eu. Sou um Povo…”.

Compete ao Povo exigir que a Bandeira Nacional seja o orgulho dos Portugueses!

 

05.Out.22

Martins Júnior

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