A
campa rasa é uma alcatifa verde-moço e o caixão de pinho um mausoléu real. E
enquanto desce à tumba, ergue-se o troféu invisível do herói centenário, filho
genuíno da terra, enfim regressado ao seio da terra-mãe. Homenagem justa de um
país – a minha também – ao Prof. Adriano José Alves Moreira1
Para lá de todos os panegíricos ~ necessários mais em vida que depois dela – a minha reflexão incide sobre as
“sete vidas” (numeral bíblico que significa muitas e mais) do
viajante-bandeirante que atingiu a meta só a poucos predestinada. “Em 100 anos
ele foi tudo” – assim sintetizou Marcelo Rebelo de Sousa. E, para ser tudo,
correm-se riscos, inclusive o de ser, dizer, fazer o mesmo e o seu contrário.
Tudo depende das circunstâncias, já nos informou Ortega y Gasset. É a esta
conjuntura que eu chamo o Tempo (de viver) e o Modo (de estar). Consoante o Tempo
(o meio, o lugar, a envolvente) aí molda-se inevitavelmente o Modo (a resposta
comportamental, o status, no limite,
o carácter e a personalidade). Só os espíritos fortes são capazes de resistir.
O
Prof. Adriano Moreira ”foi tudo”. É a sua marca distintiva, mais que um
simbólico ex-libris, constitui a sua identidade singular, o
monumento com que ficará para a história. Fora de dúvida, poucas personalidades
ganharam uma aura tão vasta, autêntica banda larga, omnímoda, versátil, quase
contraditória.
Mas
quem terá sido o grande obreiro desta tão rica simbiose personalista?... Mestre
TEMPO, não duvido, assessorado pelo voluntarismo decidido do protagonista. E porque
“100 Anos” é muito tempo, acompanhemos pari passu o Tempo (os momentos) e o
Modo (as respostas) ou os papéis sociais
que Adriano Moreira foi chamado a desempenhar, monitorizando e catalogando-os
numa escala cronológica correspondente:
1º
- Se o Prof. Adriano Moreira morresse aos 26 anos, (1948), ficaria na história
como o jovem advogado corajoso que ourou afrontar o Ministro da Guerra, do
Gabinete de Salazar, quando patrocinou o
processo da família do general Marques Godinho condenados pela ditadura,
valendo-lhe, por isso, a prisão no Aljube.
2º
- Mas se morresse aos 40 anos (1961-1962), ministro do Ultramar, ficaria para
sempre com o labéu de colaboracionista fascista que reabriu a hedionda colónia
penal do Tarrafal.
3º
- Se, acaso, deixasse o mundo no ano seguinte, (1963) em plena guerra de
África, teria firmado lugar cimeiro na história política do país, porque rompeu
com o ditador quando este recusou as propostas reformistas do seu ainda
ministro do Ultramar, acerca da guerra colonial.
4º
- Daí até 1974, fez a travessia do deserto, nunca mais foi reabilitado nem sequer
pelo seu amigo (depois ex-amigo, arqui-inimigo) Marcelo Caetano. Ao tempo, o
seu legado teria sido a cátedra como docente universitário. E assim terá ficado
até ao fim se não fosse a Revolução dos Cravos, para a qual em nada contribuiu
nem consta que a tivesse obstruído.
5º
- Se, de 1974 a 1977, Adriano Moreira tivesse acabado os seus dias, no seu epitáfio
constaria apenas um novo e intrigante estatuto: “Exilado de Portugal pelos
revoltosos de Abril”.
6º
- Mas o Tempo, que é imprevisivelmente inexorável e generoso, emendou o lance
e, pela chave da Democracia nascente, reabriu-lhe as portas do país que ele
sempre amara. Voltou e respondeu à chamada, não como ‘filho pródigo’, mas como simil inter pares, Deputado entre os
Deputados, Mestre entre os Mestres, Senador entre os Senadores. Até que o Tempo
catapultou-o para a galeria dos centenares laureados.
Em
Adriano Moreira, o Tempo e o Modo deram-se as mãos. Com sucesso. E também com
aquele espanto do vulgo que vê e desconfia de tão inusitada transição entre
duas margens radicais, a ditadura e a
Democracia. Na mesma onda paira o historiador Ramada Curto quando afirma:
“Existe um entusiasmo aparentemente consensual em torno de uma figura de quem a
investigação histórica demonstrará o oportunismo e a irrelevância”.
Na
mira do historiador distinguem-se, em contraponto, todos aqueles que, vivendo o
mesmo Tempo cronológico, optaram por um outro Modo ideológico-interventivo e
mantiveram-no até ao fim, mesmo à custa da própria liberdade. Mas esta é outra
e magna saga a desbravar!
Enquanto
ao plano zero habitável descem silenciosamente100 anos de altitude existencial
assinalada, aqui deixo, com a minha homenagem, o legado de um Homem das “Sete
Vidas” balanceadas entre o Tempo e o Modo.
Guardo
com particular emoção o discurso de apresentação, em Lisboa, do livro do Pe. Prof. Anselmo Borges, na
presença de Ramalho Eanes e Marcelo Rebelo de Sousa, perante uma assembleia do
melhor escol da intelectualidade do país. Uma lição de aprofundamento
teo-filosófico sobre a realidade presente e futura do mundo que habitamos. Um
transbordante sopro de juventude e optimismo. Aos 95 anos!
25.Out.22
Martins Júnior
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