terça-feira, 25 de outubro de 2022

NA HORA DO PÓDIO DE UM CORREDOR MAIOR ----------------------O TEMPO E O MODO --------------- O Tempo de Viver e o Modo de Estar

                                                                                        

     A campa rasa é uma alcatifa verde-moço e o caixão de pinho um mausoléu real. E enquanto desce à tumba, ergue-se o troféu invisível do herói centenário, filho genuíno da terra, enfim regressado ao seio da terra-mãe. Homenagem justa de um país – a minha também – ao Prof. Adriano José Alves Moreira1

         Para lá de todos os panegíricos ~  necessários mais em vida que  depois dela – a minha reflexão incide sobre as “sete vidas” (numeral bíblico que significa muitas e mais) do viajante-bandeirante que atingiu a meta só a poucos predestinada. “Em 100 anos ele foi tudo” – assim sintetizou Marcelo Rebelo de Sousa. E, para ser tudo, correm-se riscos, inclusive o de ser, dizer, fazer o mesmo e o seu contrário. Tudo depende das circunstâncias, já nos informou Ortega y Gasset. É a esta conjuntura que eu chamo o Tempo (de viver) e o Modo (de estar). Consoante o Tempo (o meio, o lugar, a envolvente) aí molda-se inevitavelmente o Modo (a resposta comportamental, o status, no limite, o carácter e a personalidade). Só os espíritos fortes são capazes de resistir.

O Prof. Adriano Moreira ”foi tudo”. É a sua marca distintiva, mais que um simbólico ex-libris,  constitui a sua identidade singular, o monumento com que ficará para a história. Fora de dúvida, poucas personalidades ganharam uma aura tão vasta, autêntica banda larga, omnímoda, versátil, quase contraditória.

Mas quem terá sido o grande obreiro desta tão rica simbiose personalista?... Mestre TEMPO, não duvido, assessorado pelo voluntarismo decidido do protagonista. E porque “100 Anos” é muito tempo, acompanhemos  pari passu o Tempo (os momentos) e o Modo (as respostas) ou os papéis sociais que Adriano Moreira foi chamado a desempenhar, monitorizando e catalogando-os numa escala cronológica correspondente:

1º - Se o Prof. Adriano Moreira morresse aos 26 anos, (1948), ficaria na história como o jovem advogado corajoso que ourou afrontar o Ministro da Guerra, do Gabinete de Salazar, quando patrocinou o  processo da família do general Marques Godinho condenados pela ditadura, valendo-lhe, por isso, a prisão no Aljube.

2º - Mas se morresse aos 40 anos (1961-1962), ministro do Ultramar, ficaria para sempre com o labéu de colaboracionista fascista que reabriu a hedionda colónia penal do Tarrafal.

3º - Se, acaso, deixasse o mundo no ano seguinte, (1963) em plena guerra de África, teria firmado lugar cimeiro na história política do país, porque rompeu com o ditador quando este recusou as propostas reformistas do seu ainda ministro do Ultramar, acerca da guerra colonial.

4º - Daí até 1974, fez a travessia do deserto, nunca mais foi reabilitado nem sequer pelo seu amigo (depois ex-amigo, arqui-inimigo) Marcelo Caetano. Ao tempo, o seu legado teria sido a cátedra como docente universitário. E assim terá ficado até ao fim se não fosse a Revolução dos Cravos, para a qual em nada contribuiu nem consta que a tivesse obstruído.

5º - Se, de 1974 a 1977, Adriano Moreira tivesse acabado os seus dias, no seu epitáfio constaria apenas um novo e intrigante estatuto: “Exilado de Portugal pelos revoltosos de Abril”.

6º - Mas o Tempo, que é imprevisivelmente inexorável e generoso, emendou o lance e, pela chave da Democracia nascente, reabriu-lhe as portas do país que ele sempre amara. Voltou e respondeu à chamada, não como ‘filho pródigo’, mas como simil inter pares, Deputado entre os Deputados, Mestre entre os Mestres, Senador entre os Senadores. Até que o Tempo catapultou-o para a galeria dos centenares laureados.

Em Adriano Moreira, o Tempo e o Modo deram-se as mãos. Com sucesso. E também com aquele espanto do vulgo que vê e desconfia de tão inusitada transição entre duas margens radicais,  a ditadura e a Democracia. Na mesma onda paira o historiador Ramada Curto quando afirma: “Existe um entusiasmo aparentemente consensual em torno de uma figura de quem a investigação histórica demonstrará o oportunismo e a irrelevância”.

Na mira do historiador distinguem-se, em contraponto, todos aqueles que, vivendo o mesmo Tempo cronológico, optaram por um outro Modo ideológico-interventivo e mantiveram-no até ao fim, mesmo à custa da própria liberdade. Mas esta é outra e magna saga a desbravar!

Enquanto ao plano zero habitável descem silenciosamente100 anos de altitude existencial assinalada, aqui deixo, com a minha homenagem, o legado de um Homem das “Sete Vidas” balanceadas entre o Tempo e o Modo.

Guardo com particular emoção o discurso de apresentação, em Lisboa,  do livro do Pe. Prof. Anselmo Borges, na presença de Ramalho Eanes e Marcelo Rebelo de Sousa, perante uma assembleia do melhor escol da intelectualidade do país. Uma lição de aprofundamento teo-filosófico sobre a realidade presente e futura do mundo que habitamos. Um transbordante sopro de juventude e optimismo. Aos 95 anos!

 

25.Out.22

Martins Júnior      


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