sábado, 29 de outubro de 2022

“UM PASSO ATRÁS PARA DAR DOIS PASSOS À FRENTE” --- A LIÇÃO BILENAR DO NAZARENO

 

         Voltar ao LIVRO é encher a semana e preencher todos os dias do ano. Porque dali emergem renovadas fontes de inspiração que se traduzem em maior visibilidade da estrada e novo fôlego para vencê-la.

         Hoje e amanhã, trata-se da economia de risco nas relações humanas, cujo activo incontornável chama-se capital-coragem. Ganha-se a ciência e cultiva-se a arte do correcto e oportuno investimento deste capital. É uma aprendizagem para toda a vida. E são muitos, talvez a maioria, os que nunca chegam a entendê-la. Há ainda os que a confundem com calculismo, artimanha, espionagem: são os peritos natos do maquiavelismo profissional, em que “o fim justifica os meios”. E aplicam-no, o capital-coragem, com fria audácia, persistente ou intermitente, ao serviço de causas duvidosas. É o ‘bunker’ privilegiado de uma certa casta de políticos,  das máfias, do crime organizado.

         Outro, porém, é o investimento do capital-coragem. No topo dos lucros a obter está prioritariamente a definição de um objectivo superior, o qual será sempre a dignificação da condição humana, pela saúde, pelo pão, pela educação, pela justiça. pela reabilitação do indivíduo e da sociedade. A prossecução ou a luta pelo objectivo proposto terá necessariamente duas alavancas, sem as quais tudo será debalde: a coerência e a persistência – coerência de acção e resiliência positiva que, em linguagem comum, toma o nome de paciência expectante, mas sempre dinâmica. A todo este compósito se resume o precioso capital-coragem e só os espíritos robustos conseguem obtê-lo e rentabilizá-lo.

         É-nos oferecido, hoje e amanhã, o protótipo perfeito do capital-coragem e do seu correcto investimento. Basta consultar o LIVRO e encontrá-lo-emos em Lucas 19, 1-10.

         O líder das multidões, dos excluídos, dos pecadores, dos pobres, das mulheres sinalizadas, tem contra si o poder religioso e os detentores do dinheiro: os fariseus e os quadros superiores das finanças públicas, entre os quais se conta Zaqueu, “príncipe dos publicanos”, o equivalente a director geral de Contribuições e Impostos. “Muito rico, mas ladrão”, odiado pelo povo. Em termos classistas e perante a opinião pública, um abismo os separa: Jesus, amado pelo povo; Zaqueu, odiado pelo mesmo povo.

     No entanto, o Nazareno não é fundamentalista e vê mais além, perscruta a profundeza da psicologia humana e não hesita em quebrar as barreiras que os ‘lobies’ sociais impedem de recuperar e reabilitar quem intimamente o deseja. Zaqueu situa-se nessa margem, quer restituir o que roubou. E aqui está o Nosso Mestre entre a espada e a parede, entre a transparência e a hipocrisia, no limite, entre a perda da popularidade e a recuperação de um ser humano. O povo não vai perdoar-lhe qualquer aproximação a Zaqueu.

Mas decide-se. Recorre ao capital-coragem que traz infinitamente consigo e, desassombradamente diante da grande multidão, interpela Zaqueu e diz-lhe: “Hoje, quero jantar em tua casa”. O povo desilude-se, nem quer acreditar, dispersa-se contrariado por esta traição do Mestre.

Mas Jesus não recua, entra em casa de Zaqueu e, à mesa, deu-se o grande sobressalto, terramoto de alma entre quatro paredes. Zaqueu abjurou os crimes perpetrados contra terceiros, jurou restituir “quatro vezes mais”, enfim, regressaram de novo  a saúde e a alegria onde já estavam mortas. E abriu-se o clarão de um novo dia no panorama social de toda a Jerusalém.

“Um passo atrás para dar muitos à frente” – já o fez o Filho do Carpinteiro de Nazaré. Há dois mil anos. Com o capital-coragem e duas alavancas, coerência e persistência, ao serviço de uma causa maior: o lugar cimeiro da Pessoa na construção da Felicidade Colectiva. A grande tarefa dos Estados, das Escolas, das Famílias!

 

29.Out.22

Martins Júnior  

Sem comentários:

Enviar um comentário