Não
será esta a estação adequada para mexer em ossos e ossadas nem também para
autopsiar a tão ventilada questão da eutanásia, razão pela qual ainda não a trouxe
à ementa da nossa mesa virtual. Por agora, é da vida, de berços cantantes, é do
inverno transformado em primavera que devem encher-se os caminhos e as folhas
em branco destas vésperas natalícias.
Mas algo é devido, na conta deste
SENSO&CONSENSO, devido porque
prometido – o entretenimento sobre as chamadas ‘sacras relíquias’, (para mim) desviado em conflito aberto entre
modernos pietistas medievais e os seus esclarecidos opositores. Desde logo, o
meu registo de interesses: sou estruturalmente solidário e conforme aos bem fundamentados
pareceres do Prof. Dr. Nelson Viríssimo e do Rev. Padre José Luís Rodrigues
sobre esta matéria, tal como foram
divulgados nas redes sociais.
Em poucas palavras sublinho
afirmativamente o seu conteúdo, acentuando a tese geral colhida da análise
histórica das civilizações: quanto mais retardatário é um povo, mais se lhe
revela a necessidade do toque, da vista, do olfacto, enfim, do empírico para avaliar
a “circunstância” e, nessa base, decidir-se sobre os acontecimentos e as pessoas. Assim,
apegam-se as sociedades rudimentares ao fácies,
aos cabelos, às mãos e aos dedos, àqueles contornos que a vista alcança e
os braços tocam.
Aí, pois, a devoção, melhor, a vertigem
dos pouco crentes perante o ‘abismo’ das ossadas, as relíquias – uma endemia
primária que na Idade Média se converteu em pandemia religiosa. Um dos factores
mais visíveis dessas patologias verifica-se no caso dos psicopatas que, segundo
informes dos media, chegam à extrema paranoia
de reterem clandestinamente em casa os corpos de familiares seus.
Quanto
à eficácia das relíquias na mente dos devotos, o autor do grande manual “L’Histoire
de l’Église”, Chanoine Le Poulet, faz este relato, não de todo isento de um subtil
humor negro: ”Na Idade Média, pelos caminhos de Roma e Compostela passam numerosos
cristãos, muitos doentes, que acreditam mais nas miraculosas relíquias do que
nos próprios físicos” (os médicos). (Volume
I, pág.550).
Permitam-me
esta quase provocação: Se Jesus nascido em Belém morresse ainda no berço, fosse
a manjedoura, fosse a casa paterna, qual de nós teria coragem de pedir (pior,
aceitar) um dedinho, uma perna, uma orelha do Menino?...
Pois,
leiam esta página da “História da Igreja em Portugal” do eminente e exigente
Fortunato de Almeida: “São Teotónio faleceu em 1162 e no ano seguinte fot
canonizado. A cidade de Viseu tomou-o para seu patrono. Afim de satisfazer a
devoção da catedral viseense, enviou-lhe o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra
(onde estava sepultado) uma relíquia do braço direito do santo, a qual foi ali
recebida com grandes festas e alvoroço”. (Volume
I, pág.259).
Em
1162, há 860 anos. Qualquer semelhança com certo culto local do século XXI é pura coincidência. Ou não…
Respeitando
a boa-fé dos crentes (na Índia, há até quem ainda acredite arraigadamente na
vaca sagrada), basta-me abrir o LIVRO e fixar o que o nosso Mestre e
Libertador, Jesus de Nazaré, afirmou num momento nefrálgico da sua evangelização
– a promessa de que a sua carne “seria uma verdadeira comida”. Perante a
contestação dos Judeus ali presentes, sentenciou e esclareceu de uma forma
lapidar, inequívoca: “A carne não serve para nada, o espírito é que dá vida. As
palavras que eu acabei de pronunciar são espírito e vida” (Jo.,6, 36).
Se
isto disse Jesus acerca da carne, que não diria ele dos ossos, das relíquias?!
Para
mim, dispenso quaisquer outros esclarecimentos supersticiosos e piedosas pregações.
Cantemos
a Vida. Proclamemos o Natal.
15.Dez.22
Martins Júnior
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