quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

O CRIME ORIGINAL NA ÁRVORE PROIBIDA

                                                                                   


É do acto de conceber – portanto, de concepção ou conceição – que vou aproveitar esta vigília e este dia, 7 e 8 de Dezembro, chamados da “Imaculada Conceição, para formular uma questão e muitas dúvidas aos liturgistas, teólogos e biblistas ou, por todos, ao próprio Magistério da Igreja e respectivos dicastérios.

         A questão é esta: estará a Igreja disposta a continuar intransigente na doutrina do ‘pecado original’, aquele acto de Adão e Eva se terem atrevido a comer do fruto da árvore proibida? Conexa com esta questão está a comemoração do 7/8 de Dezembro, a Festa da Imaculada Conceição, em cujo dogma, promulgado em 1854, está o facto/privilégio que Maria, quando foi concebida, ficou desde logo isenta do ‘pecado original’. Não é um mero desvio doutrinal o que está incluso nesta questão, nem tão-pouco uma blasfémia herética de circunstância. Dizem os tratados que grandes luminares da Igreja, entre os quais Santo Agostinho de Hipona, século V,  São Tomás de Aquino, século XIII e, já antes, São Bernardo, século XII, puseram reticências relativamente ao culto desta isenção de Maria – mais tarde transformado em dogma pontifício.

         Não poderá cabalmente responder-se a esta questão inicial sem desentranharmos o labirinto do que se convencionou designar por ‘pecado original’. Mais embaraçosa se torna esta dúvida quando se diz ou sempre se disse que uma criança nasce com essa culpa ou pecado que “vem das nossas origens”, isto é, do tempo e do ‘crime’ de Adão e Eva. E preceitua a Igreja Vaticana que essa mancha e esse ‘crime’ só se resgatam ou desaparecem com recurso à pia  baptismal. Daí o Baptismo das crianças.

         Ora, o que está em causa é a explicação da deficiência humana. Desde os primórdios da humanidade, está em hasta teo-filosófica esta tremenda incógnita: por que estranha sina nascem os humanos marcados por tendências negativas, vertigens inatas para o mal, para a perversão, para as mal-feitorias?

         Aqui entra a ciência em debate: os biólogos, os psicanalistas, os neurologistas, sobretudo na vertente da hereditariedade. Em virtude dos avanços da ciência e da tecnologia, são eles que têm a palavra. E informam que nós somos herdeiros dos cromossomas dos nossos antepassados. Com o sémen masculino depositado no ovário feminino, os nossos pais transmitem-nos o somatório de tendências positivas e/ou negativas que marcarão o nosso futuro psicossomático. A infância e as reações comportamentais das crianças fornecem-nos um laboratório perfeito dos reflexos hereditários acumulados.

Perante toda esta fenomenologia, que interpretação tem a vertente cultual religiosa?... A mesma que tiveram os  hebreus, a começar por Moisés, que escreveu ou ditou o Primeiro Livro da Bíblia - o Génesis - milhares, milhões de anos depois dos ‘factos’ (?)  por ele narrados.  A solução é atribuir a Deus e ao sistema teocrático aquilo que  o homem não consegue explicar. É o que Augusto Conte classificou como o “estádio teológico” da evolução antropológica. Em termos práticos: a deficiência humana, que se transmite de geração em geração até ao fim do mundo,  é o castigo da desobediência de Adão e Eva. É nesse crime (e na maldição divina contra a  pobre serpente enroscada na árvore) que os dicastérios vaticanos atribuem ou atribuíram a razoabilidade das maldades congénitas dos ‘degredados filhos de Eva’. O mesmo fez a Igreja no século XVI, quando pretendeu sentenciar à morte na fogueira Galileu Galilei, porque o famoso astrónomo renascentista descobriu que a terra é que anda à volta do sol, e não o contrário, como pretendia a Bíblia.  Só não se consumou a sentença porque Galilei achou mais conveniente retratar-se, estrategicamente.

Postas na mesa estas dúvidas e estes dados científicos, permanece de pé a questão primacial: Que valor ou que influência determinista tem nos nascidos no século XXI  a teoria do ‘pecado original’?… Dando um passo em frente, é lícito perguntar: seria plausível (por mera hipótese) que  actualmente viesse o Papa Francisco definir como Dogma infalível o exacto  conteúdo doutrinário promulgado  pelo Papa Pio IX  em 8 de Dezembro de 1854 ?!...

O assunto não se configura com uma especiosa tese académica, tipo escolástica medieval. É um caso muito sério que nos remete para a evolução civilizacional e, mais, pata a dignidade do voluntarismo consequente na demarcação do futuro da humanidade. Um tema que merecerá melhor atenção.

 

7-8.Dez.22

Martins Júnior

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