Caminhamos
para lá, guiados os nossos passos pelas pedras da calçada, a calçada do átrio
da Ribeira Seca. Olhar os Natais de outrora, cantados e vividos pelos nossos
antepassados - aqueles que pisaram este mesmo solo que hoje pisamos – é como subir
à montanha e fruir da visão global da paisagem, neste caso, do Natal.
V
No chão de onde vos falo, o adro, vem
logo a seguir a inscrição, em godos ou pedra roliça, da gloriosa efeméride de
1974. Além do histórico derrube da ditadura, os rurais da Ilha, sobretudo de
Machico, viveram intensamente a abolição do “leonino contrato da colonia”. Foi
Natal do Povo Português mas mui soberanamente para os colonos ou caseiros ilhéus,
também os da Ribeira Seca, que lutaram acerrimamente paras que se cumprissem na
Madeira os ideais de Abril. Interpretámos o “25 de Abril de 1974” como a realização
dos vaticínios de Isaías Profeta, lidos e proclamados em todo este ritual propedêutico
do Natal. Parca, ainda e em gestação essa realização, mas experiencial e
credível. Basta ler os textos do Profeta para nos apercebermos de que as promessas
ligadas ao Nascimento de Jesus são as mesmas ardentemente desejadas pelo Povo
Português em 1974. Daí, a presença efectiva desta data nas ‘pedras que falam’
durante a caminhada para o Natal desta terra.
VI
Mas não é só de magia e cânticos que se
faz Natal. A todo o parto está associada a sombra – e mais que sombra – a realidade
do sofrimento. A Maria disse o velho Simeão no Templo de Jerusalém: “Este teu
filho nasceu para ser sinal de contradição. E prepara-te, porque uma espada de
dor trespassar teu coração”. Duro, cruel, crudelíssimo!
Mas são os factos que o confirmam. “Quem
quiser passar além do Bojador/ Tem de passar além da dor”. Já nos prevenira
Pessoa. O Povo, nado e criado neste modesto burgo rural, sentiu que o seu Natal
tinha uma factura anexa ao seu cartão de cidadão: a campanha organizada na
sombra pelos magnatas locais, donos do poder civil e religioso. Conluiaram-se
secretamente em 1985. E em 27 de Fevereiro, 70 agentes policiais, às 7 horas da
manhã, assaltaram o templo e a casa da paroquial da Ribeira, saquearam-na,
levando consigo o que quiseram. Durou 18 dias e 18 noites o cerco , após os quais
retiraram-se efectivos policiais, ali destacados. Dores do parto de um Povo!
VII
A
dupla governo-diocese esperou mais 25 anos. Não satisfeita com a derrota de
1985, tentou novo ataque, mais sofisticado e capcioso. Daí que, em 8 de Maio de
2010, usou da Imagem Peregrina, então de visita a todas as paróquias da Madeira,
passou pela estrada contígua à igreja. A autoridade eclesiástica, escoltada por
muitos polícias, não deixou que a Imagem entrasse. Cenas degradantes, dignas de
uma qualquer novela mexicana herói-cómica!
O
Povo perdoa, mas não esquece. E viu nestes dois atentados ao renascimento de um
Povo uma prova de que o parto para uma vida social justa tem um custo a pagar.
E deixou. outra vez, inscrita em pedra dura e alva de neve as duas datas da sua
história como degraus evolutivos da sua redescoberta de Natal. O percurso
continua.
21.Dez.22
Martins Júnior
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