terça-feira, 27 de dezembro de 2022

O ”25” NO “27” – SAUDADE, SILÊNCIO, EXULTAÇÃO

                                                                   


    

Ficou branca a folha 25. E muda. E por ser branca e muda ficou plena.

         Deixem a Parturiente em paz, esse  despojo maior de todos os partos, após a peleja interior de conceber e pôr no mundo um novo ser. É o silêncio contemplativo o mais doce prazer e a mais bela homenagem à Mãe e ao Filho.

 Por isso ficou branca a folha 25!  Por isso basta-me ficar sentado à porta da furna para onde a cidade atirou o Nascituro iminente. Sentado, como Platão, de costas para essa sociedade que hoje faz da furna um trono onde se respaldam os magnatas “em berço dourado” cantando a “Vós, meu Menino, em palhas deitado”. E do trono bocejam mensagens de Natal urbi et orbi. Sarcasmo intragável é o panegírico que fumega das mitras, também douradas encimando libré, também dourada (vulgo dicto, paramentos) exaltando o Menino nuzinho e a sua “Mãe a chorar por não ter sequer  uns panos com que o possa abafar”.

Por favor, poupem-nos os ouvidos, descarbonizem-nos a mente, parem de poluir o ar branco e puro do 25! Dêem uma oportunidade…

                                                      


Por coincidência, o silêncio cobriu o céu chuvoso de Machico quando, na manhã do 25, se espalhou a notícia da morte do “Grande Irmão”, o Padre António da Silva Ramos, pároco de Piquinho e Preces. Meu Colega no Seminário, meu Camarada-Capelão Militar, meu Confrade e Vizinho, ‘porta com porta’ entre Ribeira Seca, Caramanchão e Ribeira Grande. Do muito que conversávamos sobre o futuro incerto da Igreja na Madeira, tudo quanto do meu apreço e amizade já lho disse em vida.

                                                          


Mas o manto diáfano da Grande Nau que transporta todos os mortais estendeu-se a todo o país quando o talentoso e superdotado António Mega Ferreira fez, ele também, a viagem sem retorno. A obra e as cartas - os livros – que nos deixou falam por si. Dispensa, pois, aquele automático desfiar de litanias repetidas, (para mim, brigada do reumático de serviço) para endeusar quem está reduzido às humanas cinzas mortuárias. Mega Ferreira já não os ouve. Tudo o que dizem ao morto deviam tê-lo dito em vida. Em horas e circunstâncias,  talvez, em que ele mais precisava. Dele e dos grandes “que da lei da morte se vão libertando”, poderíamos parafrasear a velha e bela canção coimbrã:

         Quando eu morrer, rosas brancas

         Para mi ninguém as corte

         Quem delas prescinde na vida

         De que lhes servem na morte

 

         Se, porém, a folha 25 fica branca e muda pelos fundamentos enunciados, a folha 27 exalta de júbilo transbordante por um ‘novo renascimeno’: no Brasil, o imenso e intemerato coração do Padre Júlio Lancellotti bate hoje a septuagésima quarta pulsação anual de uma partitura gizada ao ritmo de um renovado “Grito do Ipiranga” em defesa do direito e da justiça no seu país e no mundo. Cada qual no seu lugar e no seu tempo, Lancellotti entra na galeria tormentosa e gloriosa de um Helder Câmara, António Fragoso, Calheiros, Boff no Brasil e António Ferreira Gomes, José Felicidade Alves, Mário Tavares Figueira, em Portugal.

Júlio, estamos contigo: a tua voz é a nossa voz!

À Paz Branca e à Saudade silente do 25

E ao clamor felicitante do 27

O ABRAÇO QUE NOS UNE E  FORTALECE !

 

27.Dez.22

Martins Júnior

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