Se de cada vivente se
repete a clássica definição que nenhum deles é uma ilha, pela mesma razão
dir-se-á que nenhum acontecimento vegeta isolado de tudo quanto mexe e circula
nesta redoma planetária em que vivemos. Por muito longe que estejamos, tudo e
todos ficamos tão perto. Queiramos que não queiramos, lá vamos carambolando ao
ritmo das circunstâncias que nos embalam, que nos destroem ou, na melhor das
hipóteses, nos reabilitam para a vida.
Ontem e hoje, nesta
passagem de nível para o derradeiro mês de 2022, viveu-se em Machico a tríplice
erupção de acontecimentos - distantes no
tempo e no território, mas coincidentes no denominador comum activo, no
espírito que os anima. Com a mesma emoção que viveram os intervenientes em cada
um dos três factos históricos, quereria eu transmiti-los também, de alma aberta
e coração fremente, a todos os que me acompanham
neste veículo de comunicação virtual.
Primeiro de Dezembro – a
notícia libertadora de um país e de um povo que sacudiram o jugo estrangeiro a
que estavam condenados por via de calculistas alianças conjugais entre Portugal
e Espanha. Não obstante o despudorado aproveitamento político desta gloriosa
data por parte do fascista Estado Novo durante 48 anos, permanece intacta e
firme a vaga avassaladora de 1640, reeditada em 25 de Abril de 1974.
Para que tais vitórias se
alcançassem, muitos foram os que tombaram sob o ferrete inexorável de regimes
totalitários, - muitos deles autênticos ‘heróis desconhecidos’ – que deram
corpo e alma, talento e braços, enfim, a própria vida, para quebrar as amarras
que sufocavam o povo a que pertenciam.
Entre muitos, erguemos Francisco
Álvares de Nóbrega, o Poeta agrilhoado nas algemas da Inquisição, Cadeia do
Limoeiro em Lisboa, vítima dos instintos insaciáveis do bispo de então no
Funchal, José da Coata Torres e mais tarde libertado por diligências do novo
bispo Luís Rodrigues Vilares. Cumprindo o preito de homenagem e gratidão ao
talentoso vate de Machico, o Município, a Junta de Freguesia e a ‘EFAN-Estudos
Nobricenses’ evocaram a efeméride do seu nascimento, o “30 de Novembro de
1773”, com o anúncio dos galardoados no concurso anual alusivo à vida e obra de
Francisco Álvares de Nóbrega e a recitação de alguns sonetos, destacando-se
aquele que dedicou `A Pátria do Autor’
(Machico) – o Hino da Freguesia –
com fundo musical pela Tuna de Câmara de Machico.
Como sempre, a Tuna
encerrou a sua prestação artística com o Hino da Ucrânia, contributo anímico
deste Município ao Povo Ucraniano, tendo então sublinhado a vereadora da
Cultura, Dra.Mónica Vieira, que na Ucrânia e em muitos países haverá decerto
outros ‘Francisco Álvares de Nóbrega’ lutando encarcerados pela emancipação das
suas gentes.
E o insólito aconteceu.
Três jovens entraram imprevistamente na Sala onde decorriam – e já terminavam –
as comemorações. De momento, quiseram identificar-se. Eram ucranianas. E
explicaram o porquê da sua presença. “Estávamos passeando na alameda – disseram
em perfeito inglês – e ouvimos tocar o hino do nosso país. Entrámos logo, por
isso pedimos desculpa”.
Mais surpreendidos
ficámos nós, os participantes no evento. E de imediato, pedimos-lhes que fossem
elas próprias a cantar o Hino da Urânia, acompanhadas pela Tuna, o que logo
fizeram sem qualquer hesitação.
Foi uma apoteose, uma
emoção indescritível, deixando-nos a impressiva
certeza de que nenhum de nós é uma ilha. E a sensação planetária de que
nada acontece isoladamente. Mesmo longe, tudo está perto. E nós também.
01.Dez.22
Martins Júnior
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