Estamos em maré alta de
recordações daqueles dias marcados há trinta anos pelos atentados perpetrados
contra uma modesta igreja e um povo pacífico, cujo crime foi o de afirmar a sua
dignidade e a sua autonomia perante os invasores, os dois invasores tão
poderosos quanto escandalosos, o Governo e a Diocese. Foi dura a prova. Mas no meio da luta os
cristãos da Ribeira Seca contaram com amigos, de perto e de longe. Ontem os
administradores da página da Ribeira Seca mostraram a solidariedade de artistas
portugueses, os “Trovante”, Sérgio Godinho, Zeca Afonso, Pulido Valente.
Hoje vou dar a palavra
a um Homem sem medo, o Padre Mário Tavares Figueira, então pároco de São Tiago,
Estreito de Câmara de Lobos. que desde a primeira hora solidarizou-se com a
população da Ribeira Seca e deu a cara, publicamente, através de uma carta endereçada nessa altura ao bispo Teodoro Faria que tenho a honra de
transcrever:
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“PARÓQUIA DE SÃO
TIAGO 10 de Março de 1985
PARA ESTAR COM O BISPO
É PRECISO QUE O BISPO ESTEJA COM
CRISTO
Ex.mo
e Rev.mo Senhor D. TEODORO FARIA
BISPO
DO FUNCHAL
Com imensa
mágoa e depois de muita oração e de muito reflectir, eu, Padre da Diocese e com
responsabilidades de uma paróquia, escrevo para dizer que V.ª Rev.ma prestou um mau serviço à Igreja de Cristo, com
o seu proceder para com a Comunidade paroquial da Ribeira Seca.
Faço
de um modo público, porque o acto foi público e só publicamente se pode desagravá-lo.
É
verdade que o povo tinha como “seu pároco” o Padre Martins que perante a
Diocese estava em situação incorrecta e delicada, mas também é verdade que o povo o sabia e o queria. O Padre
Martins nunca esteve na Ribeira Seca contra o povo, nem usou qualquer poder,
imposição ou arte que coagissem os paroquianos ou roubassem a sua liberdade.
(…)
O
Senhor Bispo poderia reclamar o direito da Igreja e Casa Paroquial. Mas quem
construiu aqueles espaços senão o povo que reclama para si o direito de celebrar
o seu amor para com o Senhor e quer
responsabilizar-se por isso? Um Bispo que se apresenta como um proprietário
diante de uma comunidade destrói a sua figura de representante dos Apóstolos
que viveram sem bens, mas cheios de Verdade, Amor e Sacrifício.
Todos
sabemos que o problema se gerou com a actividade politica do Padre Martins. Mas
porventura a Ilha da Madeira conheceu algum politico mais activo do que o D.
Francisco Santana, enquanto Bispo do Funchal? (…) E V.ª Rev.ma conhece algum órgão
de comunicação social com maior informação político-partidária que o “Jornal da
Madeira”, órgão da Diocese, com um sacerdote à sua frente?
Sou
forçado também a reconhecer que este proceder na Ribeira Seca foi um acto político
oportunisticamente aproveitado por V.ª Rev.ma e muito bem explorado pelo
Partido Governante.
(…)
No
dia 27 de mês de Fevereiro a força policial “recuperou” a Igreja da Ribeira Seca
para entregá-la ao seu “proprietário”, conforme o pedido formulado pela
Diocese, na base do artigo II da Concordata entre o Estado “Santa Sé” e o Estado, “A República Portuguesa”.
Não
houve nem uma palavra de Evangelho!
Pareceram
dois ladrões que se juntaram para fazer um assalto e repartir os despojos.
Há
dois mil anos, o Sumo Sacerdote Caifás, com o apoio do Sinédrio e para repor a
Ordem, o Direito e Unidade, condenou JESUS à morte. Mandou-O para Pilatos, o
Governador da Judeia e este, com a sua força policial, crucificou JESUS.
Pela
Idade Média além, a Igreja, com o mandamento “Não matarás”, muita gente matou na fogueira e de outros modos para
a manutenção da sua Ordem, da Sua Unidade.
Nestas
coisas, a Autoridade Eclesiástica não gosta que se fale, porque a ignorância dos
crimes passados faz com que se não dê pelos presentes.
Fala-se
da não
violência, ataca-se a Teologia da Libertação. E no entanto,
Vª Rev.ma Senhor Bispo aparece “armado?... Que grande contra-testemunho?
Tantos
e tantos do meio do povo, convictos da VERDADE de CRISTO, pregam- nA entre os
irmãos e imprimem no seu viver uma doação extraordinária pela Sua Liberdade e
Amor. Se soubessem de tanto lixo que a Igreja transporta, como ficariam escandalizados!...
Estamos
em período quaresmal, celebramos o Calvário de JESUS e sabemos que o Calvário
continua no mundo.
Neste
mundo, para compreendermos o sacrifício de JESUS de Nazaré, temos como imagem a
História da Ribeira Seca.
Que
pelo menos, Senhor Bispo, surja o sinal da Redenção.
Submisso,
respeitador, mas muito triste
Padre
Mário Tavares Figueira”
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