Cada um de nós é uma ilha
diferente de qualquer outra. Porque diversas são a fauna e a flora, o clima e
as constelações, os picos altos e as profundezas que povoam a ilha que mora dentro de cada um de nós: são
as memórias e as emoções que nos cercaram no largo arquipélago que nos coube
viver. E é precisamente essa nebulosa, umas vezes clara, outras vezes pardacenta,
que nos torna todos iguais e todos diferentes.
Peço desculpa, mas não me
deixa sossego nem posso ficar
insensível perante o relembrado cenário vivido e dorido de há três décadas na Ribeira Seca, aquando da ocupação
da igreja, adro e residência pela PSP às ordens da diocese e do governo
regional.
Percorrendo a página de facebook da Ribeira Seca (https://www.facebook.com/ribeirasecaterradeliberdade) , ficamos a saber que um contingente de 70 policiais, dia e
noites de plantão, impediam a entrada do povo na sua igreja, uma construção
feita exclusivamente pela mão do povo,
sem qualquer subsídio do governo ou da diocese.
Era aos domingos que mais
se notava o deserto daquilo que tinha sido sempre o cenáculo das celebrações e
o “fórum” dos nossos convívios semanais.
“Exilado” na casa dos
meus pais, vieram dizer-me que o povo queria a sua missa dominical. Na igreja
era impossível. Como fazer então?... Vamos para os poios e montados em que é
rica a nossa paisagem rural.
Aqui faço um intervalo
para abrir o álbum das recordações eucarísticas que vivi ao longo da vida.
Faço-o para vos transmitir a emoção que povoa esta ilha que sou. Que cada um é.
Antes de 1985, tinha eu
já celebrado nos ambientes mais desencontrados e inimagináveis: para a
marinhagem de um navio-escola francês atracado na velha “Pontinha” do
Funchal; no alto do Pico Castelo, Porto
Santo. Celebrei para oficiais, sargentos e praças, entre mar e céu ( o mar era
o chão e o céu a cúpula do templo) ao dobrar o (ali, com todo o aperto
semântico) Cabo das Tormentas, quando o “fatídico” navio Niassa nos transportava para a guerra
colonial em Moçambique;. E aqui, quantas vezes celebrei, lembro-me
especialmente de uma bem marcada noite
de Natal, sim, celebrei numa companhia do mato, Nambude, o altar era uma tábua entre dois
bidões, à luz mortiça de um candeeiro artesanal, não viessem os
injustiçadamente chamados “turras” atacar-nos à morteirada. Cheguei ainda a
celebrar trinta e dois baptizados de africanos macondes em Palma, junto ao rio
Rovuma de onde se avistava o território da Tanzânia, mesmo defronte.
Mas para que fiz eu esta
tão longa tão longínqua viagem?... Só
para ter convosco este desabafo: em nenhum desses locais me senti tão padre,
pastor e irmão, como quando em 1985 percorria os montados da Ribeira Seca nos
domingos da ocupação. Enquanto os polícias cercavam uma igreja fechada, o nosso
templo, andávamos nós pelos campos fazendo a nossa oração dominical e reflectindo
sobre o momento que então se vivia. Em todos os outros locais por onde andei,
sempre havia um altar. Aqui, em terra nossa, não. Porque temia-se que a toda a
hora viesse a polícia perseguir-nos.
O que então se dizia e
meditava poderá ficar para outro dia.. Pelo menos, até 18 de Março. Por hoje,
apenas e só um pensamento: tudo isto se passou no Portugal de Abril, na
Madeira, em Machico, Se não houvesse testemunhas, ninguém acreditaria.
1.Março/2015
Martins Júnior
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