Foi um espectáculo original
aquele que nos proporcionou a eleição de
domingo pp.. Desde logo, pelo cardápio de hipermercado com que se nos
apresentou o “lençol-boletim de voto”,
revelador da fome de participação dos concorrentes e por onde se dava a
volta ao mundo: cabia a social democracia ao lado do socialismo e do comunismo,
coabitava o “Podemos” espanhol encostado ao Syrisa grego, a direita próxima do
véu azul de Marine com o tique do “tiririca” brasileiro ou o Peppe Grillo
italiano, enfim, a fartura em traje
eleitoral.
Mas faltou assinalar em seu
alto cadeirão o grande Ausente, esse fantasma paradoxal, omnipresente em todos
os actos eleitorais: a “Rainha- Bruxa
Abstenção”.
Muitos têm sido os
estudos sobre este fenómeno que, tal como certos procedimentos que distorcem a
verdade desportiva, também este desvirtua a verdade do Estado. Desde o método
de Michigan e a sua análise psicológica até ao de Lister Milbrath e M.L. Goel que lhe atribuem um
carácter sociológico, quer seja ela presencial ou não presencial, técnica ou
real, a abstenção defrauda a genuína vontade decisória de um povo. Num país que
estatuiu o voto obrigatório, o ministro Marco Aurélio, presidente do STE
(Tribunal Superior Eleitoral) proclamou que
“é preferível pecar por acto comissivo do que pecar por um acto omissivo”.
E o sociólogo Paul Bourdieu sublinha que
o eleitor votante exprime um sentimento profundo em “discutir politicamente os
assuntos políticos que dizem respeito ao
próprio e ao país”.
Ora, os dados
estatísticos em Portugal e na Madeira acusam uma deprimente demissão do eleitorado.
A título de exemplo: nas eleições legislativas de 1975, a abstenção foi de 8,34%. Em 2011 atingiu a soma de 41,93%. Quanto às eleições reginais de domingo, informou
a imprensa que a abstenção bruta ( denominada abstenção técnica) foi de 50,3%, acabando por dizer
que, descontados os não residentes, ou seja, a abstenção real somou menos de 40%.
Sejam quais forem as atenuantes e dado o factor decisivo, consubstanciado no
acto eleitoral, apraz-me trazer ao debate duas vertentes essenciais à verdade
política, quer a nível nacional. quer a nível regional e local. E até europeu.
Primeira: Quando a votação não for superior a metade dos eleitores inscritos
no recenseamento deverá considerar-se
não vinculativa, portanto, sem efeitos jurídicos. Porquê? A CRP (Constituição da
República Portuguesa) ao legislar sobre o instituto do Referendo
assim o determina (Artº 115, nº11)
visto tratar-se de assuntos relevantes para o país. Ora,
por analogia e a fortiori deveria o
legislador constituinte conferir idêntico tratamento ao Voto. E sublinho: Que há,
numa nação, de maior e mais relevante do
que a eleição dos titulares dos órgãos
de soberania? É verdade que a CRP define
o acto eleitoral como um direito, mas logo a seguir qualifica-o de um dever
cívico. (Artº49, nº 1-2)- Exercer ou não
um direito é algo que permanece
na esfera do seu titular, o cidadão eleitor.
Entretanto, o dever cívico carece, no texto constitucional, da
consequente cominação punitiva.
A segunda vertente é o corolário da primeira: Deverá ou
não conferir-se o estatuto de obrigatoriedade
ao dever de votar?... É uma velha questão, objecto de estudos, teses de
doutoramento, manuais da ciência política. Mas é também uma questão necessariamente
indissociável do cidadão, pois é ele o último destinatário de todas as assembleias
de voto, cabendo-lhe, por isso, o direito de discutir, opinar e poder
transportar o seu juízo acerca desta questão até às instâncias decisórias do
seu país. Casos paradigmáticos há muitos, onde foi instaurado o Voto
Compulsório: Bélgica, Austrália, Brasil, Luxemburgo, México, entre outros.
É verdade que o Voto e o
seu oposto, a abstenção, apresentam-se de forma multidimensional, isto é, sob
diversas vestes e interpretações, muitas delas legítimas e válidas.. Mas, de entre os três modelos de eleitor ---
os “apáticos, os espectadores e os gladiadores”, como referem os supracitados
autores --- é possível, pela pedagogia
política de um povo, transformar os “apáticos” em “gladiadores”, enquanto participantes
activos e construtivos na evolução do seu país. É que o laxismo crescente e
impune, traduzido na ausência às urnas,
pode em toda a linha configurar uma fraude, uma vez que será uma minoria
votante que, por desleixo de uma maioria, ou ignorância ou distanciamento
territorial, determinará o rumo de toda a nação, ficando assim distorcida a sua
verdade político-social. Seria um humilhante retrocesso ao segregacionismo do “voto
censitário” dos regimes tendencialmente
totalitários de outros tempos.
À vossa consideração.
Na fronteira de dois dias ímpares, 31
de Março e 1 de Abril, semeio ao vento estas notas, afinadas ou não, mas
interpelantes, depois deste limbo-sobe-e- desce das contagens e recontagens eleitorais.
Comecei por aludir à “Rainha-Bruxa” da abstenção e depois fiquei suspenso entre
a noite do Halloween do Palácio de São Lourenço e o Dia das Petas. Faço votos
(este é um outro voto) de que não seja um mau presságio para os futuros
governadores das ilhas…
31.Mar/1,Abr.2015
Martins Júnior
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