No
prosseguimento do relato e respectiva análise dos factos vividos em terras de
Machico aquando do “25 de Abril/74”, passo hoje ao segundo posto estratégico
operacional da população local face à
conquista do poder. No entanto, ao deslizar, emocionado, os dedos sobre o
teclado do computador, paro e fico perplexo só em pensar no frémito e, ao mesmo
tempo, na contenção de ânimo dos gloriosos revolucionários de Abril, libertadores
de Portugal, durante estas vinte e quatro horas que os separavam do clímax médio nocturno em que havia de lançar-se a decisiva cartada
da Vitória através da “Grândola, Vila Morena”.
Interrompo
e continuo, volto a interromper e, de novo, sigo caminho na descoberta do tal
posto estratégico operacional: o Povo na centralidade da viragem do poder
político. Do fascismo para a Democracia.
É
da mais elementar constatação da realidade social que o poder económico vive
paredes meia com o poder político, coabitam em salões contíguos ou, no mínimo,
passeiam-se em corredores comuns, o que tem feito correr dilúvios de tinta e
dinheiro em processos judiciais e fugas de capital.
Ora,
em Machico, o Povo não precisou de ler as sebentas da ciência política para
chegar a essa conclusão: viu-a, a olho nu, diante dos olhos e debaixo dos pés.
A própria geografia física mostrou-lhe essa maquiavélica aliança: era a época
em que no edifício da Câmara Municipal concentravam-se os mais diversos
serviços públicos, desde o gabinete da PSP, o Registo e Notariado e outros
afins. Sucede que grande parte dos seus titulares eram e representavam o substrato
do poder económico local, patrões,
feitores, comerciantes e, sobretudo, senhorios, os arqui-inimigos dos caseiros
espalhados por todo concelho, os quais senhorios usavam e abusavam da
jurisdição municipal para amedrontar e espezinhar (é o termo exacto) os seus súbditos
e fregueses. Daí em diante estava aberto o mapa das operações: tomar a Câmara.
Seria, para os cronistas locais, a tomada da Bastilha. Foi em 14 de Junho de 1974,
com a vila de Machico abarrotando de cabeças a mais não poder.
De
registo memorável foi o gesto do então presidente, Manuel Rufino Teixeira, que
fora entregar ao brigadeiro Azeredo, governador civil e militar, as chaves do
edifício, logo após o 25 de Abril, ficando em seu lugar o vice-presidente.
Era
um coro entusiástico naquele largo côncavo da vila de Machico, entoando uma
canção que já circulava por entre as gentes do Caniçal e a trouxeram para
Machico:
Esta
é a primeira lição
Que
nós devemos saber
Sem
ter o poder na mão
Nada
podemos fazer
Seguiram-se,
nos dias e meses posteriores, muitos e acesos episódios entre populares e agentes, militares
inclusive, nas repetidas vezes em que as pessoas ocuparam o edifício camarário,
mas sem nunca causar quaisquer danos, seja nos funcionários, seja no
mobiliário, seja nos arquivos. O que o Povo queria era um presidente da sua
escolha. Nessa altura, o Centro de
Informação Popular, instalado num prédio da Juventude Agrária Católica, cedido
pelo Pároco, Manuel Severino de Andrade, promoveu uma eleição por todo o
concelho em cujo boletim figuravam cinco nomes de cidadãos credíveis e a
contento da população. Feito o
escrutínio ou prospecção (em termos simplistas e menos apertados que os das
actuais eleições, como é naturalmente compreensível) o nome mais “votado”
abdicou -- e fi-lo assim tendo em conta
a minha condição de padre --- e passou a dirigir a Câmara, com a anuência de
Carlos Azeredo, o segundo cidadão mais
votado. Mas , imponderáveis que se repetem, a população cedo verificou o logro em que tinha caído, pois o novo presidente, por manifesta inexperiência
política, aliou-se aos corifeus do antigo regime. A revolta redobrou de tom e
sem tréguas. O brigadeiro Azeredo mandou o seu lugar-tenente, o major Oliveira,
percorrer as freguesias e sítios do concelho para auscultar as populações, até
que, em Abril de 1975, me nomeou oficialmente
presidente da Comissão Administrativa do Concelho, o equivalente a presidente do
município.
Não
serei o narrador mais indicado, para discorrer sobre o alvorecer de Abril
naqueles dias exaltantes, uma saga que deixarei para outra mais publicação que
já me chamaram a atenção ser meu dever trazer a público.
No
entanto, é possível que amanhã, dia 24, na Quinta do Reboredo, Santa Cruz, venha a
abordar novos desenvolvimentos em “Távola Redonda” com notáveis conferencistas.
Ou então, na RTP/Madeira em encontro colegial sobre o “25 de Abril”.
Termino
com o sublinhado inicial com que me propus aproximar-me das comemorações da
Revolução dos Cravos, ou seja, a centralidade do Povo na concretização
pragmática da Revolta dos Capitães. Se o Povo não está lá, não há metamorfose
social que possa valer.
Nos
meus ouvidos ecoam ainda os versos que os populares fizeram e que, depois, tive
a honra de musicá-los, cujo refrão (“Festa do Povo/ O Povo é quem trabalha/E
faz o mundo novo”) precedia o anseio de
um poder, pelo Povo e para o Povo::
Viva
o Povo que trabalha
E
dá toda a produção
Ele
um dia há-de vencer
E
mandar toda a Nação
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Com este texto, perfaço os 100 “dias ímpares” em que nos acompanhámos, desde
Outubro de 2014. No meio da profusão de tanta informativa água corrente que nos
cerca, pergunto.me se terá valido a pena. Com ou sem “pena”, vamos continuar a encontrar-nos na ponte destes que, bem
desejaria, fossem “ímpares dias”.
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23.Abril.2015
Martins Júnior
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