Por tratar-se do tema fulcral deste Domingo, transcrevo as considerações que nesta data o funchalnoticias.net fez a gentileza de mo publicar.
"Faz a tua escolha"
Escrita ao ritmo da estação – Primavera, Páscoa – esta minha reflexão ultrapassa-a e mete-se connosco, seja qual for o tempo e o lugar onde nos foi dado habitar enquanto caminheiros da história. Parto dela, a estação Páscoa, porque em todo o mundo ouve-se falar desse acontecimento que, aceite por uns e recusado por outros, fica a pairar numa névoa de indiferença crítica: a Ressurreição de J: Cristo.
Para uns e para outros, sobretudo para os crentes comuns, basta-lhes a sucessão dos episódios: esteve sepulto, a lousa tumular abriu-se e Ele saltou para uma nova edição da vida física. E é o próprio Paulo, exaltante de inelutável paixão, que coloca o acontecimento na pedra de alicerce do edifício cristão: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé”.
No entanto, não nos está vedado o direito de acesso à descoberta ou, pelo menos, ao debate essencial sobre as diversas segmentações semânticas do mesmo facto. De que falamos quando falamos em ressurreição? Será, no mínimo, uma aspiração inata a todo o vivente. Mas para quê e em que veste?... Os cultores da reincarnação exprimem o mesmo anseio, purificando a alma até alcançar o Nirvana: é uma interpretação empírica de ressuscitar. Para os cristãos trata-se de uma agregação de células que se animam no mesmo “continente” do mesmo corpo singular: é a ressurreição física. Mas há outra semântica rediviva: no conceito mais amplo e determinativo: a ressurreição ideológica.
Sem pretender agitar o enigmático núcleo da questão, cabe aqui formular uma outra incógnita: das duas concepções de ressurreição, qual a mais vívida e, por isso, a mais determinante, a física ou a ideológica?
Para quem se satisfaz com o enredo, a trama do acontecimento, de teor narrativo/novelístico, basta-lhe a ressurreição física. Mas para quem perscruta a profundidade renovadora dos factos, não tardará a descobrir que a ressurreição ideológica alcança o lugar cimeiro, precisamente porque é ela o íman propulsor do indivíduo na construção da História. De que serve um corpo vivo se apenas contém um espírito morto? Não será mais que um sepulcro ambulante, “cadáver adiado que procria”, diria Fernando Pessoa.
Vai nesta mesma direcção a mística da versão dâdupanthis do hinduísmo quando estabelece a dicotomia entre o vivo-morto e o morto-vivo e de que se faz eco o poeta religioso Dâdû, séc.XVI, quando proclama o bânu, as “palavras versificadas”, sucedâneas do estilo poético dos Salmos bíblicos:
“É só quando tu fores um morto-vivo que encontrarás o Bem-Amado…Os mortos-vivos caminham por Ele, o nome de Rama é o seu sinal…Tornado um morto-vivo é que estarás no verdadeiro caminho”.
Onde pretendes chegar? Perguntareis. Tão simplesmente à conclusão de que mais importante que a ressurreição física do J; Cristo é a sua ressurreição ideológica, aquela que dinamizou milhares de homens e mulheres nos três primeiros séculos do Cristianismo, sobretudo os escravos, até ao ponto de darem a própria vida pela Ideia crística, o pensamento intemporal e universal de que todos “nascem iguais” e que não é suportável o abismo social entre senhorios e colonos, entre suseranos e vassalos, entre o Império e a servidão. “De que serviu ó Cristo teres regado com o teu sangue as urzes do Calvário?” interpelava, angustiado, Antero de Quental. Direi de outra forma: De que serviria o corpo físico ressuscitado de J: Cristo se não fosse divulgada e assimilada a sua mensagem?
Há gente grada que se apresenta na primeira fila dos fariseus a mostrar que celebra o Domingo de Páscoa, sabendo-se que toda a encenação, chamada solene, é casco luzidio por fora e montão de ossadas por dentro: são vivos-mortos, porque neles não mora uma fagulha sequer da Ideia ressuscitante do Grande Libertador.
Uma sentida e eterna homenagem aos nossos pais, aos nossos mestres, aos combatentes patriotas madeirenses do 4 de Abril de 31, precursores do 25 de Abril de 74, aos heróis anónimos, recordando os que, há bem pouco tempo, levaram apenas consigo a efémera veste dos dias fugazes mas deixaram intacta e cada vez mais acesa a sua chama ressuscitadora.
Não posso terminar, sem associar-me à homenagem ao folósofo-poeta funchalense Octávio Marialva, hoje na Fundação Silvério Pires, citando-o e parafraseando-o: “Serás Jovem quanto a tua Ideia”.
Serás vivo quanto viva e longa for a tua Ideia
05/04/2015
Martins Júnior
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