Começo
hoje a abrir a estreita vereda que há-de
levar-me à estrada ampla que culmina no alto daquela montanha cimeira chamada “25
de Abril” ou, mais precisamente, da sua incontornável celebração. Quem me dera
a mim e a todos meus conterrâneos sentir um pingo, ao menos, da emoção, da
acção e da incógnita expectativa, entre a coragem e o risco, daqueles valorosos
militares nas vésperas da grande reconquista da dignidade de um povo
amordaçado. Mas não, não é possível reconstituir dentro de nós a pulsação, a um
tempo fogosa mas vigilante desses heróis.
Porque
não sentimos o subir da seiva de Abril debaixo dos nossos pés, não sofremos as
dores parturientes do Dia Novo: vieram servir-nos, de bandeja, à cama e ao sofá
as romãs vermelhas de um Portugal livre, saído das prisões, dos corpos
curtidos, dos silêncios estranguladores. Deram-no-lo de graça, por isso nem lhe
saboreámos o sumo nem sequer o recebemos em casa como uma jóia preciosa ; para
muitos até não foi mais que uma oferta de desconfiar. Por isso que pode
afiançar-se que a Madeira nem soube o que foi Abril. E tão certo é o que afirmo
que até deixámos a beleza pura de Abril
nas mãos manchadas dos inimigos de Abril, os herdeiros do fascismo, os que
comeram, beberam e cantaram as glórias de Salazar, refastelados à mesa do velho
regime. Não estarei longe da verdade histórica se disser que nós, os
madeirenses, fomos obrigados a viver sob um regime totalitário durante, não
apenas 50 como os continentais, mas 90 anos, se somarmos estas quatro décadas
de musculada e tenaz garra da governação. Na Madeira, o salazarismo, naquilo
que tem de mais identitário, perdurou até hoje. Ninguém se iluda com o negrume
dos longos tapetes betuminosos, com as galerias subterrâneas, com as marinas
manhosas ou com a consentida, mas castigada, liberdade de falar e escrever.
Tudo isso veio de lá.
O
madeirense médio conheceu o refeitório de Abril, mas nunca se interessou pelos
caminhos e veredas, os socalcos dolorosos para lá chegar. Por isso não amou e
pouco se afadiga para conservá-lo e replantá-lo. Já aqui afirmei que as
vitórias gratuitas e as benesses de borla são sempre falaciosas e, por isso
mesmo, efémeras. Daí, a aceitação passiva dos abusos, dos escárnios, dos
esbanjamentos perdulários, a que tem sido sujeito este povo.
É
preciso, pois, que as comemorações não se apresentem encadernadas em velhos alfarrábios
nem se pareçam com as coroas funerárias que os velhos combatentes oferecem ao
soldado desconhecido. Não! Relembrar Abril é mais que cantar, É agir, é estar
na centralidade dos acontecimentos e nos areópagos dos decisores.
Enquanto o Povo não ocupar essa inultrapassável
centralidade nunca verá a manhã de Abril. É esta constatação que procurarei
demonstrar nestes cinco “Dias Ímpares” que nos separam do “25 de Abril”, a que
dou o já conhecido mas sempre inspirador
subtítulo. “Cinco Dias, Cinco Noites”.
A
mensagem será, sobretudo, das vivências
de Abril em Machico, onde a população esteve, desde a primeira hora, no centro
operacional da acção, merecendo por isso o gostoso título de “MACHICO-TERRA DE
ABRIL”.
17. Abr. 2015
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