Da parte do
“Senso&Consenso” ainda não saiu nem ai nem pio sobre aquela monumental
estátua à mais supina ignorância aritmética de onde emergiu a maioria absoluta
da mesma tribo política de outrora, fazendo-nos lembrar as urnas do fascismo em
que a sempre velha União Nacional tinha de ficar nos “cornos da lua”, como bem
define a nossa gente.
Pois bem: vou tentar hoje
exumar, em tom jocoso, aquilo que na altura foi dramático, para ver-se, a olho
nu, como é que as tais urnas do salazarismo continuaram a parir maiorias gémeas
no regime da Madeira Nova, tradução do extinto Estado Novo.
Apenas dois casos:
Decorria o acto eleitoral
em determinada freguesia do meu concelho. Era aí o baluarte, o bunker
agrilhoado do PPD. Sabíamos quão difícil seria a presença da oposição, visto
que aos nativos incutiu-se-lhes um ódio visceral, fruto de uma catequização
cerrada: eles, a oposição de Machico, “comiam criancinhas ao pequeno almoço e
davam uma injecção na orelha para matar os velhinhos”. De onde, tornava-se
impossível fazer uma sessão de esclarecimento público, dificílimo formar uma
lista completa de residentes na área e, aqui é que é o cúmulo: não era
permitido aos delegados de lista permanecerem na sala para a contagem dos
votos, sob pena de não saírem vivos. Eram, deveras, assustadoras as ameaças e
os esgares gritantes que vinham do exterior, dos pobres populares da zona que o
PPD transformava em embriagados e tresloucados “jagunços”, capazes de tudo. Os
nossos delegados lá tinham de sair, injuriados e maltratados pelos tais, as
viaturas eram apedrejadas. Ou, em alternativa, tinham de fugir, na escuridão,
por atalhos e veredas que mal conheciam, até que, por mais de uma vez, surgia
um elemento do CDS (honra lhe seja feita!) figura grada e senhorio no sítio,
que, envergonhado com aquelas barbaridades, transportava os nossos delegados para Machico.
No dia seguinte, apareciam os resultados: maioria absolutíssima do PPD.
Este e outros humilhantes
cenários passaram-se como vos descrevo e tem nomes de lugares e pessoas. Só os
não menciono aqui para não as magoar e porque, sobretudo, a referida freguesia,
feudo enjaulado do PPD, libertou-se e infligiu a pior derrota ao partido tirano
nas últimas eleições autárquicas.
Outro episódio e noutra
freguesia:
Era presidente da Junta um sujeito,
comerciante endinheirado recém-chegado da Venezuela. Espadaúdo, bigodaças
tribais, transmitia a imagem inteira de que tinha a profissão de “boxeur”.
Apresentei-me na sala da assembleia de voto, mostrei ao presidente da mesa a
minha credencial como candidato à Câmara Municipal de Machico. Nessa altura,
alguém segredou uns sussurros ao ouvido do dito cujo. Estava lá também o
subchefe da PSP de Machico, comparsa da farsa. O “vilão”, coitado, levanta-se
como um leão endiabrado: “Ah, sim?.. Então põe-se-no já na rua”, bradou. E
avança, tudo sob os olhares cúmplices do subchefe, tenta manietar-me os braços
atrás das costas. Aí, levantei a voz: ”Sr. subchefe, vou participar de si ao
comando e ao tribunal!” Foi, então, que o homem, mais um que o PPD virou
“jagunço”, perdeu o fôlego, ao sinal da
polícia. E lá continuei, impávido e
atento, até ao fim da votação.
Para azar dele e sucesso
meu, foi o ano em que o PPD saiu derrotado e ganhei a presidência da Câmara.
Visitei-o, uma semana depois, no seu estabelecimento comercial e o homem
desfez-se em desculpas, tartamudo, alegando que fora enganado, pois nem sequer
me conhecia. Tornámo-nos amigos e, com grande surpresa minha, vi, uns anos mais
tarde, o seu filho na vanguarda da luta como sindicalista presidente. As voltas
que o mundo dá!
Não tenho qualquer dúvida
nem pestanejo se afirmar que as vitórias esmagadoras (que esmagaram, de
verdade, a honra desta Região) vitórias ebriamente festejadas pelo PPD, foram
forjadas nas oficinas enfumaradas do obscurantismo e da exploração do povo
crente destas ilhas.
Mas o que confrange e
revolta é a impunidade com que tudo isto se passa diante dos nossos olhos. Não
houve sanções, reprimendas, não houve nada. Por isso, respeitando, embora
“vencido”, a justiça formal do Tribunal Constitucional, entendo que deveria
apurar-se a verdade material dos factos, fosse qual fosse o vencedor.
continuamos com a sensação de que nesta terra tudo fica impune. Pior ainda:
este governo toma posse sob protesto abafado
da opinião pública.
9.Abr.2015
Martins Júnior
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