Antes de completar a razão de ter escolhido ontem a capicua
“22” para meu
“Dia Ímpar”, devo confessar que não esperava tamanha receptividade
àquela mensagem por parte de amigos e amigas
de dentro e de fora, inclusive do estrangeiro. É esse o objectivo nobre
das redes comunicacionais: compartilharmos com os outros e, em troca, que os
outros compartilhem connosco. E mesmo quanto às saudações endereçadas para mim,
quero definir, sem sombra de modéstia, que elas só fazem sentido enquanto me
assumo como sócio de uma colectividade, designadamente a Ribeira Seca.
Mas, precisamente neste
particular, falta um esclarecimento essencial: “Porquê 46 anos? No mesmo lugar?
E tanto tempo? Que interesses estarás tu a defender? Dinheiro? Poder? Palco?
Orgulho? --- terão todo o direito a indagar, sejam os de fora, os de dentro, os
estranhos, sejam os cépticos, os críticos.
Sei da veleidade e do ridículo que
significa a quem quer que seja falar de si mesmo. Mas hoje impõe-se. Até para
desvanecer dúvidas ou aleives de quem, ingenuamente ou malevolamente, pretenda
equiparar o caso em apreço à sepulta longevidade de certos políticos
fora-de-prazo.
Sintetizo este dever
cívico em três item’s:
1º - Porque sempre me repugnou a tremenda ambição
de clérigos que, após a ordenação, renegaram a classe de onde vieram, passando
de filhos de proletários a “príncipes da Igreja” e candidatos à passadeira
vermelha dos que exploraram os seus próprios pais e avós. Sempre
pertenci aos que habitaram os subterrâneos da opressão e da repressão e,
como tal, achei indigno, em nome de uma vocação crística, ascender ao fastígio
mundano dos hodiernos comparsas do assassinato do J:Cristo. Foi uma opção de
vida. E mesmo quando me foi proposta a tribuna parlamentar, aceitei-a para
puxar para cima os incontáveis “mineiros anónimos”, sofridos e amordaçados, com
cujo estatuto quero identificar-me até
à morte. Dou graças por me terem enviado para o mesmo sub-mundo, onde a dureza
dos trabalhadores do campo se cruza com a rudeza dos trabalhadores do mar.
2º - E como toda a lógica
tem seu rumo marcado, a militância também tem a sua inesgotável consequência.
Era preciso escutar o bater da alma dos que, dobrados sobre a terra, eram os
“sem-terra” e tendo ganas na garganta, eram os sem-voz no céu da boca. Pregava-se
do alto dos púlpitos o lucro no
além-túmulo com a paciência e a resignação neste mundo. Mas --- sentindo subir
dentro do peito a chama de Vinícius de Morais “Um dia, o operário disse: Não!”
--- também aqui o “NÂO” foi
estremecedor. Ao ponto de se virarem contra a Ribeira Seca as cegas baionetas
do Funchal e os torturantes chicotes do templo episcopal. Alguns episódios breves dessa guerrilha
institucional já ficaram na I PARTE editada ontem. Aprendemos então que a
fraqueza dos pequenos é a força dos grandes. E quando os pequenos formam
maioria invertem-se os factores. À ofensiva sem tréguas dos poderes inimigos
(são mesmo inimigos da condição humana!) é preciso responder com a firmeza sem
tréguas dos humilhados e ofendidos. Até que saiam derrotados e avisados a não
repetir os mesmos ataques. Foi esta a história da Ribeira Seca! Aqui, a
ditadura política e a inquisição eclesiástica fugiram, cobertas de vergonha sem
retorno. Valeu a pena resistir. Como é possível permitir que a Verdade seja
sempre esmagada pela mentira?... Por que razão só há mártires (vítimas) entre
os que procuram a luz e não os há nos semeadores das trevas? Basta de vitórias
“morais”, porque fictícias. Tem de haver vitórias efectivas da Verdade e do
Bem! Regozijo-me de ter sido um soldado básico nesta luta. O Povo é que esteve
na vanguarda. Sempre!
3º - Há mais de quarenta
anos, prisioneiro (voluntário!) da periferia canónica, aguardo pacientemente
aquilo que tantas vezes, por escrito e por palavra, formulei aos bispos
madeirenses do pós-25 de Abril, com redobrada insistência ao actual titular da
diocese: Que abra o processo de julgamento da minha suspensão “a divinis!!!”
Não querem fazê-lo. Preferiram em surdina pedir ao governo regional para
processar-me em tribunal, mas perderam, já em 2008. Tenho dito e redito: A
Justiça de Deus (dando de barato que seja a justiça da Igreja) não pode ser
menos perfeita que a justiça dos homens, isto é, respeitando o direito ao
contraditório. Nunca fui ouvido nem achado em processo do foro eclesiástico.
Abram o processo: se ganhar, ganhei; se perder, perdi. Tenho muito que contar… Se
possível, antes de partir definitivamente para o Além. Santo Agostinho definia
a Igreja-Instituição como casta
meretrix”, prostituta casta, prostituta fina. É um Santo, Bispo e Doutor da
Igreja, quem o disse, no século V. Que diria ele hoje desta Igreja-Instituição
madeirense, contra-testemunho da liberdade e da transparência evangélicas?
Imagino que ressalta da
mente de muita gente de boa-fé a matéria de acusação: “É porque foste político,
deputado, presidente de Câmara”. Dêem-me licença que explique, primeiro, com um
argumento ex absurdo: O Vigário Geral
da Dioceses, meu professor no Seminário, Padre Dr. Agostinho Gonçalves Gomes,
foi deputado à Assembleia Nacional pelo partido de Salazar, juntamente com o
Dr. Agostinho Cardoso, presidente-delegado da União Nacional na Madeira. E não
foi suspenso “a divinis”. E agora pergunto, como lho perguntei face a face: “Por
que é o senhor padre pôde ser deputado pelo fascismo e eu não poderei sê-lo
pela Democracia?”
Segundo
esclarecimento: eu só optei pelo serviço público na Assembleia Regional da
Madeira, sempre como independente, depois que o bispo F. Santana me suspendeu,
sem processo formado, repito. Mas, ainda que fosse esse o entendimento do
julgador, já estou fora de toda a actividade política há oito anos, desde
2007. Quid juris ?...Agora questiono
eu os doutores em cânones, os juristas.
Mas que overdose (desculpem o estrangeirismo)
ofereci hoje a quem me endereçou parabéns! É verdade, mas 21-22-23 de junho
perfazem para mim a tríade perfeita do meu “Dia Ímpar”. E posso garantir-vos
que isto é apenas a ponta do véu que nunca me deixariam abrir na Madeira se não
fosse a portentosa invenção das redes sociais. Fá-lo-ei um dia em formato mais
alargado.
Para fechar, a minha
incomensurável gratidão ao Povo da Ribeira Seca. Foi ele o obreiro destes 46
anos continuados. E, para mim, felicíssimos. Lembro-me de tantos colegas,
eruditos e exemplares sacerdotes, perseguidos pela Igreja diocesana e, daí,
malsinados pelo governo, que não aguentaram a tormenta. Vi-os partir e
desistir, com grande mágoa minha. Não tiveram o Povo que eu tive.
Agradeço a todos os
ilustres sacerdotes madeirenses que tiveram a nobilíssima ousadia de vir
oficiar e falar à comunidade da Ribeira Seca. Entre outros: O saudoso humanista,
meu professor de literatura, Pe. Alfredo Vieira de Freitas, o cientista
botânico Pe. Manuel de Nóbrega, o poliglota Pe. Rafael Andrade e, mais perto de
nós, os monumentais arautos do Evangelho, Pe. Mário Tavares e José Luís Rodrigues. De
Portugal Continental, o abraço desta comunidade para os teólogos Frei Bento
Domingues e Pe. Prof. Anselmo Borges, o
presidente de Rede Europeia contra a Pobreza, Pe. Jardim Moreira, o missionário
redentorista Pe. Henri Leboursicaud, o pregador Pe. Manuel Couto e o Prof. Pe.
Armando Marques, estes dois últimos colegas de curso do actual bispo do
Funchal. Chamei de “nobilíssima” a sua
ousadia, porque a Diocese ameaçava suspender “a divinis” todo e qualquer
sacerdote que fosse à igreja da Ribeira Seca.
Para atenuar o cansaço
dos que tiveram a paciência de acompanhar-me até ao fim desta II PARTE,
reproduzo aquela primorosa saudação de um dos últimos sacerdotes, que acabei de
citar, ao seu colega Carrilho: “António, vim à Madeira e não te pedi licença
para falar ao Povo de Deus da igreja da Ribeira Seca”. E, apontando para o
brasão episcopal desenhado em azulejo na parede exterior do Paço, rematou: “Vim
aqui cumprir o que tens ali escrito: Caritas
Christi urget nos. “A amor de Cristo
chama-nos, com urgência” (S. Paulo).
Reiterando o meu pedido
de desculpa, cito a perífrase daquele amigo que escreveu ao outro uma longa, longa,
longa carta: “Desculpa, porque não tive tempo de fazê-la mais curta”.
E garanto nunca mais
voltar ao assunto neste “blog”, por muitos que venham a ser os “46 anos” do
Ímpar Dia 22 de Junho.
23.Jun.2015
Martins Júnior
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