As solenes datas oficiais
são como estátuas jacentes. “Estão prá
ali!”, dizem os transeuntes: insensíveis, mudas, olheiras sem brilho,
quanto mais vetustas e lodosas melhor. Na sua base poderia escrever-se: “Aqui
jaz 1385…Aqui jaz 1640…Aqui jaz o 10 de junho de 1580”… De vez em quanto
servem para pombos e gaivotas ali montarem
o seu trono real e delas fazer o que Maomé não fez ao toucinho.
Foi assim o glorioso Dia
de Portugal. Em Lamego, no Funchal e outros lugarejos. Muitos turistas
estrangeiros e poucos madeirenses, informava em directo o locutor de serviço.
Um Portugal mudo, amarrado ao mastro, tão lodoso e incerto, por onde filhos
seus vão escorregando num limbo de mágoas curtidas cá dentro, os jovens lá fora,
os velhos encostados a um canto, perguntando aos dedos se a mísera reforma
chega para pagar à farmácia. Sem ganas nem forças de cantar o “Esplendor” de
outrora.
No entanto --- para
ironia amarga e para revolta latente --- o Portugal empalidecido veste-se de gala, farda e gravata, clarim
metálico descido à terra e marcha contra canhões. Porque fazem do povo carne de
canhão, o povo foge e deixa-os, como gaivotas de arribação, no palanque do
Fala-Só, piando charadas e berlengas sem tradução para o povo. Por isso, o povo
deserta, porque esse ´não é o seu Dia, é a Hora deles, dos amos e comensais.
Então, “O Inteligente” (estou a lembrar-me de Fernando Tordo e Ary dos Santos)
completa a farsa, entaramelando umas coisas como esperança e optimismo mas com
uma máscara tal de mini-adamastor que mais parecia o semeador de maus agoiros.
Depois veio o desenterro das cruzes e das medalhas, com cheiro a naftalina. A poucos meses de
deixar a casa de 10 anos, o inquilino teve de esvaziar o baú dos tesourinhos
que ficaram e até foi buscar o último retalho ao fundo do guarda-fato de D. Maria para dá-lo ao estilista da primeira-dama. Poderia
inventar mais um ou dois para oferecer ao “menino” Jesus, ganhador do campeonato, e ao roupeiro do Gil Vicente que tanto suou e
desceu de divisão…
Com o devido respeito
para o mérito de quem as aceitou, manda a experiência desvendar o que pretende
o generoso doador: à cabeça de todo este
aparato cerimonioso está o puro
exibicionismo do juiz supremo e supremo benfeitor das lapelas ilustres.
É também o cinismo estratégico de quem quer dar a terceiros a bofetada de luva
negra com a mesma mão que enlaça o cordão ao pescoço do medalhado. E aqui na
ilha das rosas, os caloiros governantes não fazem por menos no 1 de Julho, a
Hora deles, que não o Dia dos madeirenses.
Poder-me-ão censurar o
estilo verrinoso deste escrito. Mas outra coisa não faço senão traduzir em
palavras o desprezo e o repúdio do povo por ver-se manipulado por aqueles que
montam em cima da pátria para espalhar perdigotos político-partidários a favor
de uns, num dia que deveria ser de todos. E ainda por cima, sem direito ao
contraditório.
Nada mais ofensivo que as condecorações, sobretudo quando o
anfitrião pretende limpar a cara com que
enxovalhou, cuspiu, retalhou aquele que
hipocritamente vem agora homenagear. Bem fizeram Zeca Afonso, Herberto
Helder e outros heróis que se recusaram a tão degradante humilhação!
Faço aqui o meu registo
de interesses, para justificar-me de não ter feito o mesmo, quando o então
Presidente da República, Dr. Mário Soares (já lá vão 21 anos) me concedeu
comenda em 10 de junho, na cidade do Porto. Recebi-a, não como o falacioso
golpe de misericórdia em fim de linha, mas no aceso da luta contra a bárbara
ditadura político-financeira que a governação regional moveu ao Município de Machico, então sob a minha
presidência. Os lutadores querem apoio é no campo e na hora da luta.
A propósito de
condecorações e sem referir-me aos galardoados (estaria eu no mesmo saco),
apraz-me terminar com aquele rasgo de eloquência do sermão do Padre António Vieira na Capela Real de Santo
António de Lisboa perante o Rei e os brasonados da corte: “Antigamente eram os
ladrões que pendiam do alto das cruzes. Hoje, são as cruzes que pendem do peito
dos ladrões”.
Foi a guia-de-marcha para o exílio no Nordeste Brasileiro!
Mas a ironia ficou. E o
“antecipado grito do Ipiranga” no
coração do Império!
Queremos um Dia de
Portugal, mas que seja o Dia do Povo --- nos parlamentos, nas praças públicas,,
nos tribunais, no conselho de ministros, nas empresas, nos hospitais. Todos os
dias, Dia de Portugal!
11.Jun.2015
Martins Júnior
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