Não
esperava uma tarde e uma noite de tanta levadia neste viçoso mês do São João.
E, pela mesma razão, não esperava tão cedo apontar o dedo a uma jovem que navega ainda na onda azul de
uma lua-de-mel em fim de prazo. Mas o certo é que, perante o caudal de
telefonemas e preocupações que me bateram à porta, sou obrigado a perguntar de
que laranja mágica (leia-se, cabeça do noneto governamental) surgiu a
peregrina ideia de colocar nas mãos do Senhor Secretário da Educação uma
granada de mão que, se for desencavilhada,
vai estilhaçar no próprio,
ferindo muita gente à sua volta, muitas famílias da ilha, sobretudo da
Ribeira Seca, algumas delas no estrangeiro, que em emotivas mensagens
SMS recordam ainda o quanto lhes custou a luta por uma escola condigna.
Quero
relevar, antes de tudo o mais, a gentileza do Senhor Secretário que, sem pedido
prévio de audiência, me recebeu no seu gabinete e, ele próprio,
inicialmente surpreendido com a notícia
que circulava de boca em boca, desvendou-me o enigma: “Não vamos fechar escola
nenhuma em Machico nem na Ribeira Seca”. Mas acrescentou: “O que vamos proceder
é a uma fusão de turmas, as que têm poucos alunos transitarão para a Escola do
centro da cidade, em transporte assegurado pela Câmara Municipal, ficando
sempre de pé a escola da Ribeira Seca como anexo”.
Não
vou terçar armas, como outrora, numa refrega que compete genuinamente aos pais
e à comunidade escolar. Mas, com o aditamento, o enigma transformou-se em
anátema: as crianças serão mesmo “transladadas para a vila”, embora não se sabendo ainda se do 1º, 2º, 3º
ou 4º anos. Propus também que, na reunião agendada para 6ª feira próxima com
pais e encarregados de educação, estivesse presente o Senhor Secretário, e não,
como está previsto, as directoras e a Câmara Municipal que acabam por ser o elo
mais fraco. Prometido ficou que viriam dois dos seus assessores.
Da
minha parte, como animador socio-cultural e religioso desta comunidade e
testemunha do quanto significou aquela construção, limito-me civicamente (e fi-lo presencialmente ao titular da pasta)
a estes quatro considerandos:
I
– A escola da Ribeira Seca tem uma população escolar estimada em 80 alunos. Está inserida num vasto
aglomerado populacional, o maior após o do núcleo central. Manda a boa
estratégia que se confira a envolvente escolar da zona rural e suburbana e só
depois levantar-se-á a grande incógnita:
Porquê a Ribeira Seca?
II
– Embora se saiba que a vida não é feita só de memórias, mas a verdade é que
aquela escola é um ícone, um monumento das gentes da Ribeira Seca e não só. Vem
de 1978 a luta porfiada de pais, professoras e até de catequistas para libertar
as crianças do pardieiro velho onde os alunos mais pareciam prisioneiros
forçados na sua própria terra: as manobras, as dilações, as promessas adiadas, as ameaças, as pancadas, os aleives que o
governo regional publicamente vociferava contra este Povo, desejoso de cultura
para os seus filhos. Mas ninguém
desistiu: greves às aulas, comunicados, manifestações, até culminar com a ida
das crianças ao prédio da Junta Geral, onde estava e está hoje instalada a
Secretaria da Educação. Mas no fim cantaram Vitória: começou a construção da nova escola. Tudo o
que a Ribeira Seca conseguiu foi a peso duro e a um alto preço de resistência. Aquela escola ficou como um “santuário” da luta de há quatro décadas. Não admira, pois, a
emoção revoltosa das pessoas perante a notícia.
III
– É verdade que governar é gerir a economia. Mas não, nunca o resvalar para o
economicismo! E aqui ninguém pode
esconder o argumento, a-olho-nu, que as pessoas repetem: “Há dinheiro para uma
escola privada, ali mesmo defronte, e só não há para a continuidade das escola
pública da Ribeira Seca?!”. À consideração de Vossas Excelências.
IV
– Em tempos de requalificação positiva e de reforço da “Autonomia regional face
ao centralismo do rectângulo”, como compreender
e admitir a absorção da autonomia funcional de uma escola modelar na massificação
do centralismo urbano? Respeitem os
corpos directivos da Escola e não os desqualifiquem como serventes
despromovidos. Que direito e que ousadia malsã será essa
de substituir por um nome qualquer o prestigioso nome de “Escola da
Ribeira Seca”! Eu sou daquele tempo em que o fascismo substituiu o Estádio dos
Barreiros por Estádio Marcelo Caetano. Mas bem depressa o tempo se encarregou de
restituir “o pai à criança”, voltando ao original Estádio dos Barreiros. Meus
senhores, acabem com essas “lamechices”, deixem ficar o nome da Escola da
Ribeira Seca e restituam o nome de “Machico” ou “Francisco Álvares de Nóbrega”
à Escola Principal. Sejam coerentes com a cultura e a educação, isto é, com a
verdade histórica e não com infantilismos ultrapassados.
Muitos
e mais inflamados considerandos andam na boca da população que esta noite não
dorme descansada. Deixo à atenção do Senhor Secretário da Tutela este meu
acervo argumentativo --- e faço-o publicamente --- porque já lho apresentei, em
síntese, na audiência que fez o favor de
me conceder. E pela verticalidade que lhe conheço, desde o tempo do seu propósito demissionária de Director Regional do Desporto
face à prepotência do seu antecessor, aguardo
e aguarda a população da Ribeira Seca a apurada sensibilidade e a melhor
aquiescência às legítimas expectativas da comunidade.
E
enquanto não chegar o dia de repor a serena racionalidade neste diferendo, deixo
o refrão da “Escola Nova”, inserto no CD “A Igreja é do Povo, o Povo é de
Deus”, originário da Ribeira Seca:
Viva a Escola Nova que
se alevantou
Parabéns ao Povo que foi quem lutou
Uma Escola Nova dá-nos alegria
O Pão da Cultura é uma Eucaristia
17.Jun.2015
Martins Júnior
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