Antes
de lançar a mão à pena --- como diziam os antigos --- perguntei-me num
frente-a-frente decisivo: a alguém (ou a quem) interessará o que tenho hoje
para contar? Mas lá vai este desabafo, a
um tempo, festivo e comprometedor.
É
que estamos em festa, a festa desta comunidade da Ribeira Seca. E como não há
festa sem perdão, também não deverá haver perdão sem festa. Fizemos hoje mais um exercício de propedêutica à nossa festa, através da chamada
“Missa do Perdão”, com uma celebração comunitária em que cada qual sabe que não
alcançará perdão e absolvição se já não as traz de casa. O perdão dá grande
trabalho, amassado dia-a-dia no relacionamento com os nossos companheiros desta viagem existencial. Ponderámos novas
variantes deste instrumento de bem estar social: estarmos de bem uns com os
outros.
Desta
vez, desdobrámos a toalha para
descortinar lampejos de Verdade ou parte dela, comparando os
arquétipos com que fomos formatados nesta área: O confessionário tem sido um
referencial incontornável de gerações e gerações. Para prestar contas. Para
ressarcir perdas e danos. Para absolver
ou condenar . Devo confessar que me causa espanto e mofo de riso quando se diz
que o confessionário tem sucursal no Além. E que o bispo ou o papa têm especial
jurisdição para absolver ou condenar.
Mas
que tipo de tribunal será este? Como funcionam as peças processuais, se não há
testemunhas, não há acusação nem defesa,
nem sequer o direito ao contraditório? Por estes fundamentos, seria acaso possível
que, na frágil justiça dos tribunais do mundo, o Constitucional por exemplo,
houvesse concordância ou sequer aceitação de uma instância judicial com tais
características tão aleatórias quanto absurdas?! Sem provas, sem testemunhas, sem direito ao
contraditório. Ora se isto se passa no falido orbe terráqueo, será o Constitucional
dos deuses --- o Constitucional da razão e da ética --- de nível inferior aos tribunais humanos?
A
conclusão da nossa “Festa do Perdão” reconduz-se sempre ao mesmo ideário de
sempre: só há perdão quando as partes em litígio se encontram, cara-a-cara, para
cerzir os rasgões, sarar as lesões, enfim, fazer a contabilidade da nossa vida
em relação. Tudo o resto é excedentário, redutor do nosso sentido de
responsabilidade individual e social e, daí, hipócrita, tremendamente
pernicioso para a educação, sobretudo das crianças e dos jovens. Basta ler, Mateus, cap.5, bem como a corajosa Carta de Tiago.
Para não tirar mais tempo à festa,
deixo aqui a expressão de um velho sábio da Ribeira Seca, ancião analfabeto mas possuidor daquela
transparente filosofia inata em todo o Homem crente, desde o início do mundo até ao
seu extremo: “Sabe, padre, o perdão é como o pão que se amassa no nosso forno.
Deve vir preparado, cozido e trazido de casa. E só depois, comido à mesa da igreja”.
Com
o perdão conquistado a pulso no tribunal da consciência e depois traduzido em
festa, viveremos três dias no abraço de regozijo comum e saúde física e mental que todos almejamos,
como consta do refrão que um dos grupos, o mais jovem, cantará no palco aberto das Ribeira Seca. Serão bem vindos
neste fim de semana. E sempre.
Festa
do Povo
É
a festa de toda a gente
Que
se abraça bem contente
Se
vier de bom agrado
11.Set.2015
Martins Júnior
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