Que
bom é saber que alguém nos escuta. E a melhor prova de que alguém nos escuta é ouvir o eco da sua
voz. Este SENSO &CONSENSO não teria senso nenhum se não provocasse o
debate, a discussão que é, ao fim e ao cabo, a nascente irradiante da luz.
Quero, com isto, referir-me ao comentário de Fernando Vouga quando, acerca do meu escrito, de
13/Set/15, sobre a Festa do Amparo, comentou: “ Com
todo o respeito e consideração que o senhor me
merece, como é quer que eu acredite nesse
"amor de mãe" celestial, do Amparo, quando um desgraçado, aparentemente fiel ao
culto mariano, em Vila Real transmontana, apanha com uma Sua imagem na cabeça e morre? Onde é
que estava o tal amor nessa altura? Eu sei que é tudo uma questão de fé e que esta é um dom de Deus.
Porém...”
Não
imagina quanto me inspirou este meu interlocutor, que doravante considerarei um
amigo, para poder reafirmar o ideário que
desde longa data professo sobre esta matéria. Vou apresenta-lo, em
aditamento a um outro blog de
17-18/Agosto/15.
Preso
que estava à (má) educação com que me
lavaram o cérebro sobre a intervenção das forças divinas nos fenómenos
meteorológicos, na rotação das galáxias, nas catástrofes naturais, decidi desbravar os antros do obscurantismo em que me atiraram desde a mais
tenra idade. E vi não apenas a luz ao fundo do túnel, mas todo o túnel inundado
de luz. Um momento decisivo foi quando tomei conhecimento dos ignorantes bispos e cardeais da Inquisição
Vaticana que condenaram Galileu Galilei,
(1564-1642), pelo “crime” de ter descoberto a teoria heliocêntrica, ou seja,
que era a terra que girava em torno do sol e não o sol à volta da terra, como erroneamente vem
escrito no Velho Testamento. Aí toquei o fundo mais fundo da cisterna pútrida em
que determinados “ministros” da mentira religiosa trazem encarcerado um
Povo crente e humilde.
Admira-se
o meu amigo de que uma pesada imagem da Senhora matasse um pobre homem, em
Guimarães, que ali estava ao serviço dela! Então vou dar-lhe outros casos:
aquelas duas irmãs de caridade que se dirigiam de automóvel para Fátima, quando
um enorme pedregulho salta do camião que ia à sua frente e esmaga-as
mortalmente. Ou aquele autocarro que regressava de uma peregrinação, cheio de
crentes, cai da Ponte Entre-Rios e afoga mais de 60 pessoas. Estremeci mais
tarde quando, no cemitério de Castelo de Paiva, contemplava a sepultura de várias vítimas que o pároco
local me ia explicando. E muitos outros malogrados “mártires” em idênticas circunstâncias
podia trazer à colação.
Mas não precisamos nós, madeirenses, de
ir tão longe para nos confrontarmos com a realidade. Sabem quando é que se deu
a maior catástrofe do século XX na Madeira? Em 20 de Fevereiro de 2010. Quem
estava, então, de visita solene a esta ilha? A Imagem Peregrina de Fátima. Em
vez de bênção, maldição! Não podia ela aguentar a voragem do furacão e poupar
dezenas de vítimas mortais? Recordo-me daquela reportagem televisiva, em que uma
esquelética velhinha, de contas na mão,
balbuciava diante do macabro espectáculo de casas e pessoas arrastadas na
torrente. “Ai, se não fosse Nossa Senhora estar aqui, a Madeira ia toda por aí abaixo”!... Sem comentários.
Mas quem foram os criminosos que
incutiram na pobre gente esta relação de causa e efeito entre Alguém que viveu
há dois mil anos e os pavorosos acidentes que ocorrem nos nossos dias, uns de
ordem atmosférica, outros por manifesta falha humana?
Eu já vos dou a resposta com este caso sacrílego. Todos
vimos a destruição diluviana ocorrida na freguesia do Monte. Vidas humanas barbaramente ceifadas, casas devoradas pelas
águas, crianças amortalhadas no berço do fatídico lamaçal. Eis senão quando,
puro acaso, aparece quase intacta a
imagem da capela das Babosas, esta também destruída pela aluvião. Acto contínuo, bispo e padre
entronizam no altar a estátua, de gesso ou de madeira, e têm a suprema
desvergonha de ultrajar a Mãe de Cristo, proclamando: ”Eis o milagre da Virgem,
salva da desgraça”! Oh, meus amigos, oh
gente de fé e de razão, quem pode suportar tamanha blasfémia? Qual é a mãe, por
mais cruel e desnaturada, que prefere salvar o seu “retrato” e deixa ir ribeira abaixo filhos seus,
crianças inocentes, desvalidas?!...
Vou tentar controlar a revolta interior
que me levaria a meter um pedregulho daqueles que se desprenderam da montanha e
tapar a boca de tais caluniadores sem escrúpulos. Tivesse eu bastante procuração e sentá-los-ia no banco dos réus
pelo crime da mais vil difamação.
Quando
é que este Povo abre os olhos? Quando é que sairá do tempo da pedra lascada, do
homem das cavernas que até nos relâmpagos via o olhar furibundo dos deuses?
Quando… quando… aprende a respirar o ar puro da razão e da verdade?
A
um conhecido meu, homem culto mas não crente, perguntei-lhe acerca da Imagem Peregrina
e dos fogaréus de velas em certas procissões e respondeu-me: “Para mim, tudo
isso não passa de paganismo e crassa idolatria”. E eu confirmo. Quando há anos
estive na Cova da Iria, por ocasião do almoço anual do nosso batalhão
regressado de Moçambique, abeirei-me das “Procissão do adeus” (era o dia 13 de
Maio) e ao observar o mar de lenços brancos a acenar por entre os braços da
multidão olhando, electrizada, para a Imagem Peregrina (há treze cópias da
mesma imagem correndo mundo) emocionei-me e segredei a quem estava junto de
mim: “Se Maria de Nazaré passasse por aqui a pé, trajando humildemente como uma
mulher da aldeia, que ela de facto foi, e aparecesse um anjo a dizer “esta é que é a verdadeira Mãe de Jesus”,
pois tenho a certeza de que ninguém lhe prestaria atenção e todos prefeririam
olhar, cantar, acenar em delírio para o
andor da estátua de gesso feita por um homem chamado José Tedim”. E ainda hoje tenho essa convicção.
Como
desiludida e triste não estará Maria de Nazaré perante as ofensas (inconscientes,
diga-se) que lhe atiram em rosto?...Sinto-lhe o amargo lamento: “Esta gente não me conhece. Fazem de mim um
objecto de culto vão! Um mercado de compra e venda”!
Ao
meu amigo interpelante apenas desabafo: também vivi, durante muito tempo, afundado
na cegueira da superstição vestida de devoção. Libertei-me. Descobri que não devem assacar-se a entidades
sobrenaturais aquilo que pertence à fenomenologia da natura ou à incúria dos
mortais. Pelo que de Maria historicamente reconheço, gosto dela, mesmo que
nunca me faça “milagre” algum. Por isso
eu digo-lhe: “Senhora, perdoai-lhes porque não sabem o que dizem, não sabem o
que fazem”.
17.Set.2015
Martins Júnior
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