A
definição é do genial Fernando Pessoa. E, como é próprio dos génios, deixa ao
interlocutor as linhas tracejadas para que este possa completar o espaço que
coroa o pensamento. E o pensamento lógico e psicológico não pode ser outro:
deixa de ser visto, mão não fica esquecido. Entre o ver e o esquecer medeia a
capacidade interpretativa que define o olhar que condensa toda a realidade
envolvente.
O
“Jornal da Madeira” morreu. Deixou de ser visto, mas não esquecido. E aí,
chega-nos a sabedoria popular:” Quem não sente (ou não se sente) não é filho de
boa gente”. Se o colectivo da sociedade madeirense não tem suficiente sensibilidade
para entender o drama e a traição da Igreja Católica ao seu ideário
fundamental, entregando o veículo transmissor da doutrina ao mais
sectário poder político, então é
sinal de que estamos todos anestesiados, dopados até à medula, para não
vermos e sentirmos o “crime” que ali se
perpetrou. A prova é mais que toda: ninguém denunciou. Todos se enfiaram nas
suas tocas, nos antros do seu interesse e do seu comodismo.
Corrijo:
todos, não. Eu, também não! E por isso paguei uma considerável “facturinha ”, no tribunal do
jornal e no subconsciente da opinião pública. Como prometi na última edição do
SENSO&CONSENSO, vou contar em três Actos algo do muito que presenciei
frente a um monstrinho, cara de santinho e garras de satãzão..
I
ACTO
No
dia 1 de Julho de 1988, já lá vão 27
anos, coube-me fazer uma intervenção na sessão solene do Dia Da Região na
Assembleia Regional da Madeira, presidida pelo então Presidente da República,
Dr. Mário Soares. Entre outros temas, abordei frontalmente, como é meu ADN, o
problema do Jornal da Madeira. E disse:
“Não se engane mais a população católica
madeirense com um falso estatuto editorial, fazendo vender política em vez de
transmitir a crença religiosa… Se o governo regional é o patrão de 80% do Jornal da Madeira, por que permite o
estatuto editorial e a direcção da diocese?...Que preço custa, meus senhores,
esta coabitação? Só num país de terceiro mundo! Nunca a instituição
eclesiástica deveria permitir que, sob as alfaias pontificais, se atraiçoe a
população crente desta Região, transformando este órgão de comunicação social
num panfleto partidário. Porque assim, em termos evangélicos, é um
contra-testemunho e, politicamente, tornou-se uma barricada sem escrúpulos,
onde o patrão (é esse o nome exacto) ataca ignobilmente pessoas, instituições,
iniciativas, até enxovalha esta casa e
os próprios deputados do Parlamento Regional… Quando se ataca a imprensa estatizada
do continente português e se reclama a sua privatização, aqui na Madeira, o
governo estatiza aquilo que é privado. Pergunta-se: Que povo sairá desta autonomia, desta organizada
estratégia em fazer calar quem reclama o seu direito, em obscurecer a
mentalidade colectiva desta gente e cujo objectivo é apenas opar, fazer crescer
a máquina do poder?!... Sim, meus senhores, por mais paradoxal que pareça, a
verdade é esta: vivemos numa terra pobre de recursos, mas rica, opulenta de
poderes!”
Escusado
será dizer que a minha intervenção foi repetidamente interrompida com protestos
e “apupos por parte dos representantes das comunidades madeirenses” (refere o
Diário da Assembleia) os quais tinham vindo à Madeira, escolhidos pelo presidente
do governo regional.
II ACTO
A
edição seguinte do jornal não referiu nem uma das muitas passagens do meu
discurso. Em seu lugar, o senhor director, cónego Tomé Veloza ( Deus o tenha) escreve uma longa catilinária, de que vou
respigar alguns excertos mais expressivos:
“Vária pessoas, pelo
telefone ou mesmo pessoalmente, pediram-nos para manifestar publicamente a
repulsa pelo ascoroso discurso do padre suspenso… A deselegância, a grosseria,
a desvergonha fizeram daquele discurso um escarro imundo na face da Igreja
diocesana… O padre suspenso constitui uma anormalidade na vida da Igreja… e
antes de mais devia pedir a sua redução ao estado laical… padre infeliz O seu
discurso insultuoso é um gesto de ingratidão, Tudo quanto lhe foi dado para crescer
na vida recebeu-o da diocese… Esta comunidade, perante o discurso ignominioso
do padre suspenso lamenta o triste facto e todos queremos afirmar ao nosso
Bispo a maior admiração e respeito e com ele colaborar, mesmo com as borrasca e
ciladas do padre suspenso”.
Alguém
soube, pelo jornal, uma única palavra do meu discurso? Ninguém. E o sr. cónego-director deu-se ao
trabalho de contraditar alguma afirmação
minha? Também não. O que lhe deu na
gana? Aplicar mimos literários como estes: “rancoroso…grosseria…desvergonha…escarro
imundo…padre infeliz… uma anormalidade…ignominioso…padre suspenso (6 vezes). Leiam a “Palavra
de cada dia”, de 3.Julho.1988, pág.3).
É
esta uma pequena amostra da literatura do “Jornal da Madeira”, dirigido por um
cónego (Deus o tenha) às ordens do patrão governo regional.
Logo
compreendereis vós a razão pela qual eu
não podia faltar ao enterro do “catolicíssimo” Jornal da Madeira. Deixou de ser
visto, mas não esquecido. E vós, naturalmente, perguntareis em que ficou tão “interessante”
peça de teatro de província?
É
o que veremos no próximo Dia Ímpar. Será
o III Acto. Modéstia à parte, posso garantir o tal “clic” publicitário: “A não
perder!”
3.Set.2015
Martins Júnior
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