quinta-feira, 3 de setembro de 2015

“MORRER É DEIXAR DE SER VISTO”

A definição é do genial Fernando Pessoa. E, como é próprio dos génios, deixa ao interlocutor as linhas tracejadas para que este possa completar o espaço que coroa o pensamento. E o pensamento lógico e psicológico não pode ser outro: deixa de ser visto, mão não fica esquecido. Entre o ver e o esquecer medeia a capacidade interpretativa que define o olhar que condensa toda a realidade envolvente.
O “Jornal da Madeira” morreu. Deixou de ser visto, mas não esquecido. E aí, chega-nos a sabedoria popular:” Quem não sente (ou não se sente) não é filho de boa gente”. Se o colectivo da sociedade madeirense não tem suficiente sensibilidade para entender o drama e a traição da Igreja Católica ao seu ideário fundamental,  entregando  o veículo transmissor da doutrina ao mais sectário poder político,   então  é sinal de que  estamos todos  anestesiados, dopados até à medula, para não vermos e  sentirmos o “crime” que ali se perpetrou. A prova é mais que toda: ninguém denunciou. Todos se enfiaram nas suas tocas, nos antros do seu interesse e do seu comodismo.
Corrijo: todos, não. Eu, também não! E por isso paguei uma  considerável “facturinha ”, no tribunal do jornal e no subconsciente da opinião pública. Como prometi na última edição do SENSO&CONSENSO, vou contar em três Actos algo do muito que presenciei frente a um monstrinho, cara de santinho e garras de satãzão..
         I ACTO
No dia 1 de Julho de 1988,  já lá vão 27 anos, coube-me fazer uma intervenção na sessão solene do Dia Da Região na Assembleia Regional da Madeira, presidida pelo então Presidente da República, Dr. Mário Soares. Entre outros temas, abordei frontalmente, como é meu ADN, o problema do Jornal da Madeira. E disse:
Não se engane mais a população católica madeirense com um falso estatuto editorial, fazendo vender política em vez de transmitir a crença religiosa… Se o governo regional é o patrão de 80%  do Jornal da Madeira, por que permite o estatuto editorial e a direcção da diocese?...Que preço custa, meus senhores, esta coabitação? Só num país de terceiro mundo! Nunca a instituição eclesiástica deveria permitir que, sob as alfaias pontificais, se atraiçoe a população crente desta Região, transformando este órgão de comunicação social num panfleto partidário. Porque assim, em termos evangélicos, é um contra-testemunho e, politicamente, tornou-se uma barricada sem escrúpulos, onde o patrão (é esse o nome exacto) ataca ignobilmente pessoas, instituições, iniciativas,  até enxovalha esta casa e os próprios deputados do Parlamento Regional… Quando se ataca a imprensa estatizada do continente português e se reclama a sua privatização, aqui na Madeira, o governo estatiza aquilo que é privado. Pergunta-se: Que povo  sairá desta autonomia, desta organizada estratégia em fazer calar quem reclama o seu direito, em obscurecer a mentalidade colectiva desta gente e cujo objectivo é apenas opar, fazer crescer a máquina do poder?!... Sim, meus senhores, por mais paradoxal que pareça, a verdade é esta: vivemos numa terra pobre de recursos, mas rica, opulenta de poderes!”
Escusado será dizer que a minha intervenção foi repetidamente interrompida com protestos e “apupos por parte dos representantes das comunidades madeirenses” (refere o Diário da Assembleia) os quais tinham vindo à Madeira, escolhidos pelo presidente do governo regional.
II ACTO
A edição seguinte do jornal não referiu nem uma das muitas passagens do meu discurso. Em seu lugar, o senhor director, cónego Tomé Veloza ( Deus o tenha)  escreve uma longa catilinária, de que vou respigar alguns excertos mais expressivos:
“Vária pessoas, pelo telefone ou mesmo pessoalmente, pediram-nos para manifestar publicamente a repulsa pelo ascoroso discurso do padre suspenso… A deselegância, a grosseria, a desvergonha fizeram daquele discurso um escarro imundo na face da Igreja diocesana… O padre suspenso constitui uma anormalidade na vida da Igreja… e antes de mais devia pedir a sua redução ao estado laical… padre infeliz O seu discurso insultuoso é um gesto de ingratidão, Tudo quanto lhe foi dado para crescer na vida recebeu-o da diocese… Esta comunidade, perante o discurso ignominioso do padre suspenso lamenta o triste facto e todos queremos afirmar ao nosso Bispo a maior admiração e respeito e com ele colaborar, mesmo com as borrasca e ciladas do padre suspenso”.
Alguém soube, pelo jornal, uma única palavra do meu discurso?  Ninguém. E o sr. cónego-director deu-se ao trabalho  de contraditar alguma afirmação minha? Também não. O que lhe deu  na gana? Aplicar mimos literários como estes: “rancoroso…grosseria…desvergonha…escarro imundo…padre infeliz… uma anormalidade…ignominioso…padre suspenso (6 vezes).  Leiam a “Palavra de cada dia”,    de 3.Julho.1988, pág.3).
         É esta uma pequena amostra da literatura do “Jornal da Madeira”, dirigido por um cónego (Deus o tenha) às ordens do patrão governo regional.
Logo compreendereis vós  a razão pela qual eu não podia faltar ao enterro do “catolicíssimo” Jornal da Madeira. Deixou de ser visto, mas não esquecido. E vós, naturalmente, perguntareis em que ficou tão “interessante” peça de teatro de província?
É o que veremos no próximo Dia Ímpar.  Será o III Acto. Modéstia à parte, posso garantir o tal “clic” publicitário: “A não perder!”

3.Set.2015

Martins Júnior

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