Só
pelo insólito que representa e pela “originalice” que transporta é que trago
hoje ao nosso convívio este “sabor de sal, sabor de mal”, como diz a canção. Um
duelo no mar, não o das Tormentas mas o daqui mesmo à borda d’água caseira.
O
fenómeno remonta, por um lado, ao tempo das cavernas tribais e, por outro, à
estação das crianças sem infância --- ou de uma infância sem chá à mesa. Podem
novelar o caso, dourar a pílula, fazer orelhas moucas, tipo “táva lá mas nã vi”,
como se usa atribuir às gentes do Caniçal. A verdade é que o escândalo foi
público e notório, embora inimaginável, jamais visto. Como tal, é preciso captar no efémero e no fortuito a
dimensão global do seu lugar semântico.
A
novela não tem mais que um único episódio: dois autarcas presidentes são
convidados para a “casa” naval do
armador, acto contínuo são desconvidados e “forçados” a sair pela porta da boa educação.
Porquê?
Porque
um ex-colega, recém-promovido ao estrelato de governador da ilha, vai fazer a
entrada triunfal. E ao outro, nem vê-lo, nem cumprimentá-lo.
Tudo
isto em honra e sob os olhares de Nossa Senhora, a quem o super-homem se
esquecera de trazer um braçado de rosas falidas, montadas no cavalo de
São Jorge. Ai, se a Senhora as visse
faria o milagre de transformá-las em cardos e urtigas para coçar-lhe a paranóia
de um ego espumoso mas vazio, porque
evaporara-se a coragem de conviver, lado a lado, com aquele em cuja cama
presidencial já dormira muitos anos a fio.
Vamos
lá acabar com a caricatura desta treta ridícula, infantil, tribal. E passemos
ao dentro dela. Vou fugir à caracterização ética das personagens, até mesmo aos
traços fisionómicos da sua identidade.
Que
é que vão fazer certos jarrões da política para festas e procissões
religiosas?...Pela amostra do Caniçal, ficamos a saber: emproar-se, “montar”
nas imagens, sobrepor-se ao andor. Fariseus da primeira fila, onde a ganância
de votos é proporcionalmente inversa aos
resíduos da fé. Eucaliptos marinhos que sugam a água do oceano e as espécies
que o habitam. Ah, se o Cristo viesse pegaria de novo no azorrague e punha-os a
“tenir” do templo para fora. E se a Senhora --- ainda por cima, da Piedade ---
pudesse falar, levantaria a sua voz
materna e exigente: “Vai chamar os teus
irmãos, colegas de serviço público, o do Funchal e o de Machico, e então
cumprimenta-os, abraça-os diante de mim. De contrário, o melhor que farás é
atirar-te ao mar, com uma mó ao pescoço, daquelas que são movidas pelos
jumentos, como bem apregoou o Meu Filho. Não se escandaliza o Povo crente e de
boa-fé”!
E
ficamos todos embasbacados e quietos com cenas tão degradantes quanto
sacrílegas. É preciso reagir. É preciso dizer não! O Povo tem o direito de ver
nos seus líderes os protótipos do civismo, já que lhes escasseiam os ditames
evangélicos. Tanto na política, como nas mafiosas hierarquias eclesiásticas. Elas
convivem gozosamente nos pântanos dos interesses mútuos, alimentando-se como
hidras do mesmo lodo macio e fétido. Leio na imprensa estrangeira que, em
Washington, os rivais republicanos e
democratas querem sacar o maior proveito partidário da visita que o Papa Francisco hoje inicia.
Quão difícil será resistir a esta “união de facto”, incestuosa e vil!
Pior
ainda --- e oxalá jamais se repita --- quando algures no planeta um bispo
residente se recusa a participar numa cerimónia festiva porque o
bispo emérito fora também antecipadamente convidado para a mesma festa
litúrgica. A quanto obrigas, deusa hipocrisia, os estúpidos mortais?!
Que,
ao menos, nos valha Nossa Senhora da
Piedade do Caniçal…
25.Set.2015
Martins Júnior
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