quarta-feira, 23 de setembro de 2015

BATALHA NAVAL NOS MARES DO CANIÇAL



Só pelo insólito que representa e pela “originalice” que transporta é que trago hoje ao nosso convívio este “sabor de sal, sabor de mal”, como diz a canção. Um duelo no mar, não o das Tormentas mas o daqui mesmo à borda d’água caseira.
O fenómeno remonta, por um lado, ao tempo das cavernas tribais e, por outro, à estação das crianças sem infância --- ou de uma infância sem chá à mesa. Podem novelar o caso, dourar a pílula, fazer orelhas moucas, tipo “táva lá mas nã vi”, como se usa atribuir às gentes do Caniçal. A verdade é que o escândalo foi público e notório, embora inimaginável, jamais visto.  Como tal,  é preciso captar no efémero e no fortuito a dimensão global do seu lugar semântico.
A novela não tem mais que um único episódio: dois autarcas presidentes são convidados para  a “casa” naval do armador, acto contínuo são desconvidados e  “forçados” a sair pela porta da boa educação. Porquê?
Porque um ex-colega, recém-promovido ao estrelato de governador da ilha, vai fazer a entrada triunfal. E ao outro, nem vê-lo, nem cumprimentá-lo.
Tudo isto em honra e sob os olhares de Nossa Senhora, a quem o super-homem  se  esquecera de trazer um braçado de rosas falidas, montadas no cavalo de São Jorge.  Ai, se a Senhora as visse faria o milagre de transformá-las em cardos e urtigas para coçar-lhe a paranóia de um ego espumoso  mas vazio, porque evaporara-se a coragem de conviver, lado a lado, com aquele em cuja cama presidencial já dormira muitos anos a fio.
Vamos lá acabar com a caricatura  desta  treta ridícula, infantil, tribal. E passemos ao dentro dela. Vou fugir à caracterização ética das personagens, até mesmo aos traços fisionómicos da sua identidade.
Que é que vão fazer certos jarrões da política para festas e procissões religiosas?...Pela amostra do Caniçal, ficamos a saber: emproar-se, “montar” nas imagens, sobrepor-se ao andor. Fariseus da primeira fila, onde a ganância de  votos é proporcionalmente inversa aos resíduos da fé. Eucaliptos marinhos que sugam a água do oceano e as espécies que o habitam. Ah, se o Cristo viesse pegaria de novo no azorrague e punha-os a “tenir” do templo para fora. E se a Senhora --- ainda por cima, da Piedade --- pudesse falar,  levantaria a sua voz materna e exigente:  “Vai chamar os teus irmãos,  colegas de serviço público,  o do Funchal e o de Machico, e então cumprimenta-os, abraça-os diante de mim. De contrário, o melhor que farás é atirar-te ao mar, com uma mó ao pescoço, daquelas que são movidas pelos jumentos, como bem apregoou o Meu Filho. Não se escandaliza o Povo crente e de boa-fé”!
E ficamos todos embasbacados e quietos com cenas tão degradantes quanto sacrílegas. É preciso reagir. É preciso dizer não! O Povo tem o direito de ver nos seus líderes os protótipos do civismo, já que lhes escasseiam os ditames evangélicos. Tanto na política, como nas mafiosas hierarquias eclesiásticas. Elas convivem gozosamente nos pântanos dos interesses mútuos, alimentando-se como hidras do mesmo lodo macio e fétido. Leio na imprensa estrangeira que, em Washington, os rivais  republicanos e democratas querem sacar o maior proveito partidário  da visita que o Papa Francisco hoje inicia. Quão difícil será resistir a esta “união de facto”, incestuosa e vil!
Pior ainda --- e oxalá jamais se repita --- quando algures no planeta um bispo residente  se  recusa  a  participar numa cerimónia festiva porque o bispo emérito fora também antecipadamente convidado para a mesma festa litúrgica. A quanto obrigas, deusa hipocrisia, os estúpidos mortais?!
Que, ao menos,  nos valha Nossa Senhora da Piedade do Caniçal…

25.Set.2015

Martins Júnior

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