Está chegando a hora da graça de 2015, em cujo seio Portugal dará à luz o ocupante de um novo trono. O parteiro, pelo que se tem visto, é o velho ocupante de Belém, pois que só será “rei” quem ele quiser. Ainda que seja um nado-morto, tal como já o provaram as mais recentes ecografias políticas, será esse, o nado-morto, que Cavaco Silva pretende entronizar em São Bento. Dispenso-me de repetir as, de todos os quadrantes, ásperas censuras ao seu discurso para o qual, ao que parece, o senhor terá tomado um reforçado estimulante gutural afim de disfarçar o falsete mal digerido, carregado de ameaças sepulcrais.
O que, porém, mais nos emociona e enternece
é a romagem de afectos ao santuário do Rato, os pedidos de conversão, as promessas
de assentos na bancada governamental, logo de entrada a armadilhada cadeira do “Irrevogável”, enfim, uma algaraviada
colorida, desde o afã do “pater-famílias” de Boliqueime até à sedução feminina
das Teresas, a cristianíssima Caeiro e a democratíssima Leal Coelho. São tais
as juras desta gente que até me cheiram a assédio, senão mesmo a suborno e, no
limite, a esturro. “É a política, estúpido”, dir-me-ão os sabidos comentadores.
Eu sei, mas não havia necessidade de se
exporem tanto nas rotundas da cidade
comunicacional.
Não me preocupam estas negaças minadas,
porque os deputados são um povo adulto que representa outro Povo Maior. Não se
compram nem se vendem nem querem provar
sequer o “queijo limiano” lá das bandas da coligação. O que seriamente ainda me
estremece é o eventual excesso de zelo dos três partidos portadores da expectativa
nacional.
Seria
útil proceder à anatomia política de cada partido para fundamentar a minha
preocupação. Muito rapidamente, em duas vertentes. A primeira tem a ver com o
ADN (os angariadores coligados chamam “idiossincrasia”) das formações partidárias. Cada partido tem a
sua árvore genealógica, as suas raízes históricas, ideo-programáticas, que
fornecem a seiva ao tronco, aos ramos, aos frutos, o que só por isso merecem o
maior respeito e consideração. O pior é quando a árvore original, a pretexto de
consolidar-se, se padroniza, se petrifica até transformar-se em monumento de
bronze maciço, puro e duro, ídolo de culto cego, mas sem alma lá dentro. É aí
que a forma absorve o fundo, o império rigorista faz do militante um vassalo
submisso ao suserano. E é aí também que a inflexível pureza ideológica cai no
labirinto do obscurantismo seguidista. Quando assim acontece, tais partidos não
evoluem, antes pelo contrário, cristalizam e tornam-se em meros partidos de
manutenção, até nas votações obtidas. A um amigo meu, militante activo, dizia
eu, um dia destes: ”Parece-me que a vossa organização se assemelha à velha
cúria vaticana, com os mesmos cardeais inflexíveis e puritanos, lançando
anátemas sobre os clérigos desalinhados do dogmatismo romano”. Ele até achou
graça e, com um sorriso, sublinhou tacitamente os meus dizeres. Não queria
prolongar este exercício de anatomia partidária, justamente porque estamos em
hora de unir e não de perorar.
A
segunda vertente consiste na estruturação orgânica da empresa, chamada partido.
Não se pense que a organização partidária é só ideia, pesquisa de propostas
parlamentares, luta social. É também empresa, com hierarquias, administração,
funcionalismo e demais encargos ou até merecidas benesses colaterais. Eu só queria saber, nessas arruadas gigantes da coligação, quantos braços erguidos têm a outra mão na
mesa do orçamento estatal! Sempre foi assim. Impressionou-me vivamente a
citação de um texto escrito em 1915 pela pintora modernista Sónia Delaunay, refugiada das guerras
europeias, em Vila do Conde: “Os
políticos não estão a actuar, olham apenas para os seus próprios interesses. Os
esfomeados, um dia, também se revoltam”. Há 100 anos!!! Ela referia-se aos regimes totalitários de
onde fugira. Mas, mutatis mutandis, os
partidos democraticamente estatuídos, se
lhes faltar permanente vigilância, não
estão imunes a tais tentações.
Feita
esta incursão breve ao interior dos partidos e perante a gestação de uma outra alvorada em Portugal, o meu maior desejo era
fazer chegar aos partidos da esquerda portuguesa o clamor de quem espera ver
nascer uma Nova Ordem Europeia, a começar por este país do extremo sul do Velho
Continente:
Esta
é a hora! A Nossa! A hora de provar que governar Portugal não é monopólio da
Direita nem das suas sofisticadas coligações. É chegado um Tempo Novo em que a
Esquerda Unida toma as rédeas do poder em prol de um Povo que avidamente
suspira por Ela. Soa aos nossos ouvidos na amplidão atlântica, continente e
ilhas, o clarim vibrante de ganhar esta guerra. Não estamos condenados sempre às derrotas, por divisões internas, como
também não queremos vitórias morais, parcelares. Queremos a Vitória inteira.
Tal como na guerra não se limpam armas, também nesta aliança “Povo-Forças de
Esquerda” esqueçamos interesses e pruridos ideológicos de circunstância para
içarmos na torre mais alta de Portugal a bandeira verde-rubra empunhada pelos braços daqueles que sempre deram corpo e alma por uma verdadeira “Nação Valente
e Imortal” ao serviço da grei, ao serviço do Povo que lhes outorgou o poder
para derrubar quem defraudou os nossos melhores sonhos de viver condignamente.
Ao
menos, por quatro anos, vamos reabrir “as portas que Abril abriu”!
27.Out.15
Martins Júnior
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