Ora, vejam lá no que se me deu hoje a falta de ar fresco. Que
o ambiente anda pesado, ninguém duvida. Um “capacete” à moda da ilha,
carregado de negrume com aves agoirentas a encher-nos as orelhas e a cabeça de
ameaças, traições e neuroses que povoam a madrugada do amanhã político. Nisso
são hábeis e disso se alimentam os comentadores, uns --- velhos do Restelo, outros --- caloiros movediços que vão
repetindo em altos decibéis os mesmos
chavões que ouvem, aqui e ali, pelo buraco da fechadura da intriga partidária.
Por isso, hoje resolvi “dar o fora” e
estender-me ao comprido na relva, como o “Guardador de Rebanhos” de Alberto
Caeiro.
Mas
acho que me enganei. Ao pisar o relvado, vi-me metido num caldeirão infernal,
com as orelhas a chiar e a cabeça estonteada, desejando sair dali, antes mesmo
de entrar. Julgareis vós que por causa
dos milhares e milhões de espectadores apinhados nos anéis dos rectângulos. Nada
disso. Precisamente ao contrário. O meu fastio, quase náusea, veio de fora do
estádio. Veio da sede dos clubes, dos
gabinetes dos directórios desportivos, enfim, veio daqueles que nem tocam no
disputado esférico que enlouquece as multidões.
Sei
que corro o risco do “bota-de-elástico”,
mas não me contenho perante a grosseria, direi mesmo, a mais desmiolada
paranóia, de certos dirigentes maiores do nosso futebol que parece terem engolido as trombas de um
elefante e borrifam (apetecia-me usar outro termo) cá para fora dislates, barbaridades, roupa suja,
bisbilhotices para-porno, enfim toda a
cloaca de que estão cheios aqueles dentes. A mais “preciosa”, porque “origiginalissíssima”,
de cair para o chão, foi aquela que me saltou à vista nos escaparates da tabacaria onde compro
diariamente os meus jornais. Ei-la: “O
clube X (…) sofre de um problema teológico”. Fiquei de bruços. Mas que raio
de crise de fé teria esse clube? O
dirigente, jovem melro verde com gorgulho de peru velho, explica: “É que ele deve dinheiro ao Espírito Santo
e quer que seja Jesus a pagar”. Onde isto já vai! É o cúmulo da senilidade
pueril ( o contrate é propositado), da mais esfarrapada idiotice.
Esta
ridícula batraquiomaquia (combate entre sapos) provém única e exclusivamente
deste monumental cambalhota de papéis: os presidentes dos clubes querem
sobrepor-se aos profissionais da bola, alimentam a prosápia de serem eles os
protagonistas em cena. Faço ideia do desconforto com que os atletas entram em
campo, sabendo que os presidentes em
guerra querem substituir-se a eles próprios, os jogadores, que são os criadores
das vitórias e as vítimas das derrotas. Mas, que remédio! Têm de calar-se, porque nas cúpulas desportivas a ditadura é palavra
de ordem. Desde o empresário ao jogador, desde o médico ao treinador, desde o
presidente ao roupeiro. Todos comem à mesa do orçamento do clube, enfim, dos
sócios que assistem como marionetes a este desfile de bobos emproados. Do que
conheço, fico com a convicção de que há presidentes que nunca foram nada na
vida e empoleiram-se na gaiola mais alta da quinta para mostrarem ser alguém.
Lembro-me do malogrado António Gonçalves que aproveitou a passagem pelo SCP
para exibir as bigodaças que lhe torciam o nariz. Na Madeira, então a aliança entre
futebol e governo nunca teve vergonha, não se descortinando onde acabava o
presidente do clube e começava o político e/ou deputado.
Partindo
da evidência que o futebol é como
um íman de emoções e de paixões --- recordo-me também do actor Artur Semedo que
dizia “a minha religião é o Benfica” --- deveriam os seus líderes assumir o seu
lugar de pedagogos e aglutinadores dos
melhores princípios, indispensáveis a uma
sociedade, onde o desporto é valência estruturante. Mas, pelos vistos, não têm emenda.
Por
outro lado, ao constatar o antro de corrupção que são as redes de tráfico do
futebol --- veja-se, por todos, a caso Blatter, a nível internacional --- nem apetite chega para ligar a TV nas maratonas
corrompidas do futebol profissional. É melhor voltar à arena política. Pelo
menos, aqui há um juiz soberano que põe
e dispõe: o Povo!
17.Out.15
Martins Júnior
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