São
torrenciais as bombadas de tinta crítica
e fizeram-se intermitentes os relâmpagos
de jornais, folhetos e folhetins televisivos sobre indigitações políticas e
tomadas de posse, ainda mais intensos do
que a meteorologia tem provocado nestes últimos dias. Pelo que, hoje vou “arrecolher-me” da chuva e reservar para outro dia os efeitos que tal
barafunda em mim tem causado.
Nada
melhor que a alienação dos estádios de futebol para nos desviar dos sérios pesos pesados que nos
deitam à frente dos olhos. É, outra vez,
do espectáculo rectangular que me vou ocupar, sabendo que não recolherei
a simpatia de todos os meus amigos. Serei mais breve que habitualmente porque o
trabalho a desenvolver deixo nas vossas
mãos. Quais as diferenças?
Dou
já o mote, manifestando abertamente o horror que estes dois cenários me
provocam: primeiro, o dessa multidão desesperada e faminta que foge à
guerra e procura um abrigo, seja num
campo de refugiados, num armazém, num estádio. O segundo cenário é o da entrada
e da saída das claques esfomeadas de cio bélico, antes e depois dos “derbies”.
A minha repulsa advém de um pormenor visual que logo os identifica: um pelotão
de polícias sofisticadamente apetrechados que se distribuem por todo o perímetro
dos caminhantes, formando na vanguarda
um paredão que, à falta de melhor, classifico de muro cinzento da vergonha. Esta
é a semelhança.
E
as diferenças?... São evidentes os contrastes
entre os que chegam --- sofridos, cabisbaixos, carregados de sacos e farrapos, os únicos bens
que lhes restam --- e os que avançam para a arena aos gritos, olhos em fúria,
munidos, quantas vezes, de “material de guerra” pronto a disparar, como recentemente aconteceu. Uns procuram a paz, outros a guerra. Aqueles só querem uma
mão amiga que os sossegue do medo; estes atiçam os braços incendiários para
desassossego da multidão. Aqueles abominam as balas assassinas; estes transformam o esférico de couro em arma
de arremesso.
Preferia
não ver o exército armado encabeçando os
tristes refugiados., embora se justifique para assegurar um bem maior, a protecção. Mas, sem dúvida, mais repugnante se me
afigura esse paredão fardado à frente de centenas, milhares de jovens, por
esses estádios fora, temendo-se o pior de
um fenómeno destinado à festa, à alegria competitiva, enfim, ao bem estar
cívico e psíquico dos seus espectadores. E de quanta lavagem de cérebro e de não menos corrupção são
vítimas esses jovens das claques, puxados a cordel
por quem se esconde na sombra de
uma secreta inimputabilidade!
Debrucei-me
hoje sobre matéria, para mim, tão rasteira, precisamente porque sigo o
pensamento atribuído a Aristóteles: “Nada do que é humano me é estranho”. E por
aqui me fico para não incomodar quem se
rege por outros critérios. É nesta alucinação colectiva que somos arrastados
pelos noticiários e tempos de antena que massacram até à exaustão em todos os
canais e que conduzem a escândalos financeiros e assimetrias sociais
inaceitáveis, como a que hoje trazem os
jornais: “O jogador Xis ganha 17 milhões/ano”. Assim fizemos o mundo.
Domingo
próximo, espero não ver cenas destas que aproximam os seus actores às hordas de
assaltantes gulosos de guerrilha.
Ficam
para a próxima outros assaltos, as tais investidas políticas que ameaçam
perpetuar em arenas os “forum’s” da ciência e da arte da verdadeira cidadania. “Porque
nada do que é humano me é estranho”.
23.Out.15
Martins
Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário