Nunca
se agitaram tanto as águas neste país à beira-mar plantado. Tenho para mim que
nem Vasco da Gama sentiu ranger tanto o
cavername das naus ao passar o Bojador como agora se agoiram comentadores,
locutores, políticos havidos e políticos-a-haver nesta canoa a boiar no Atlântico.
É a grande incógnita de quem será o timoneiro durante as quatro estações que
dura o mandato governativo. Da incógnita passa-se ao medo e do medo às ameaças sobre um
Povo, sobretudo o incauto povo, porque miúdo
e pouco esclarecido.
Já
quase tudo e de todos os quadrantes foi dito nesta iminência de um parto
antecipado de Belém. Belém dos Jerónimos, entenda-se. Entretanto, há quem, agarrado ao leme da coragem e do bom
senso, não trema diante do “mostrengo”
que nos pintam. Estou nesses. Bom
senso na interpretação dos dados e coragem
perante o arco de uma nova ponte.
Sobre
o caso, aqui deixo alguns tópicos, susceptíveis
de desenvolvimentos maiores, que
ficam ao critério dos analistas, afinal, à consideração de cada um de nós.
Começo
pelo insolúvel enigma que resulta da
primeira incógnita: Como é possível que o partido mais votado não encabece
a governação do país? É possível, desde
logo, porque é constitucional. E porque radica
mais fundo, ou seja, no conceito de soberania originária: o sufrágio directo e
universal. Consideremos este conceito
como que de geometria simples, linear, aritmética, Ultrapassado porém o
sufrágio, a soberania transforma-se em poder delegado,
soberania delegada nos partidos. Em contraponto, será uma geometria algébrica,
poliédrica, se quisermos, dado que se apresenta com tantos contornos quantos os partidos. E agora, recomeça a incógnita:
Para que serve este poder, esta
soberania delegada, quais os objectivos primários? Em termos singelos, digamos
que para o bem-estar dos seus constituintes, o Povo. Como lá chegar? No douto
veredicto do actual Presidente da República, condição “sine qua non” é o
princípio da “estabilidade governativa”. Passemos adiante e logo descobrimos
que no nosso ordenamento jurídico-constitucional, a estabilidade está pendente, não do voto
universal e secreto, mas única e
exclusivamente do mandato dos deputados da Assembleia da República. Assim o
prognosticou o Presidente, antes de realizar-se o acto eleitoral. E com toda a
lógica, não apenas formal, mas constitucionalmente material. E de tal forma que
os deputados, em maioria e seja qual o seu partido, podem depor o governo
em minoria, mesmo que unilateralmente tenha sido ele o mais votado. Quem quiser de outro modo,
rasgue a Constituição da República Portuguesa , substitua-a por um outro ordenamento jurídico. Só se espanta desta evidência quem, como o governo da
coligação, fez tábua-rasa do Tribunal Constitucional, à semelhança do
Padrinho-Presidente que o considerava uma “força de bloqueio”.
Em
conclusão: Na nossa democracia
representativa, o Povo é quem mais ordena, é verdade, mas só até à urna de voto.
Daí em diante, é outro o normativo: o Parlamento é quem mais ordena. Da minha
parte ( e ainda que nos reste a figura do Referendo) preferia a força imperiosa
da democracia participativa. Mas o que está escrito --- está escrito.
Encostados
às cordas neste primeiro combate, os vencedores na noite do 4 de Outubro, mas
vencidos no dia da verdade parlamentar, avançam com outro “mostrengo”: o
risco! Logo à mão, o risco do
desentendimento inter-partidário --- três partidos com programas diferentes! É
legítima a dúvida. Mas quem é o vidente moralista que levanta a dúvida?
Precisamente aquele ou aqueles que, a meio do percurso, ameaçaram deitar abaixo a governação com o
famoso “irrevogável” . Tão amigos que eles eram… e se não fora o Padrinho-Presidente, já o traquina de quota mínima em São Bento
teria deitado tudo ao rio! Com que autoridade
moral apontam o dedo aos que querem unir-se pelo superior interesse da Nação?
Outro
risco: o do exterior. Dos investidores, dos banqueiros, dos credores, dos BCE, FMI e afins. É o
malfadado capitalismo financeiro, a “economia que mata”. Mas àqueles, sempre os mesmos, que decretam “não
haver outra alternativa “ respondem
economistas e abalizados analistas que há outras vias de obviar ao Tratado
Orçamental que não o opressivo regime austeritário. Em política, como na vida,
nem tudo se reduz ao exclusivo paradigma
do preto-e-branco. O mesmo se há-de dizer de outros item’s programáticos --- NATO, MOEDA ÚNICA, etc.. “Natura
non fit saltus”, sentenciavam os
antigos. A História, também, não se faz aos saltos. Na vida dos Povos, há
condicionalismos que nos fazem “dar um passo atrás para ganhar dois passos à
frente”.
Ademais,
não somos só nós que queremos quebrar as alcavalas sanguessugas que os
agiotas do planeta nos lançam ao pescoço e ao bolso. Há outros vizinhos nossos, oprimidos, que esperam a sua hora. Antevejo que a luta do
Sirysa não vai ficar pela austeridade nua e crua que lhe impuseram. Em Espanha,
o “Podemos” aguarda o derrube da direita serventuária de Bruxelas. E daí por
diante.
Não
posso deixar de denunciar a mesquinhez de carácter dos amargurados detentores da maioria-em-minoria quando, esgotado todo o
arsenal de guerra, se atiram a António Costa --- “o derrotado”, dizem, “o
náufrago quer agarrar-se ao poder” --- e logo a seguir lhe oferecem o lugar do
anarco-cristão na vice-presidência de São Bento…
Honra
e valor aos três líderes de Esquerda, se conseguirem unir a grande maioria do
Povo português num único tronco que perdure as quatro estações da legislatura!
Será a primeira Vitória contra a presunçosa coligação e contra o inquilino de
Belém, cuja estratégia, de velha raposa, consistiu sempre em “dividir para reinar”.
Não
me ocorrem palavras mais generosas e mobilizadoras do que aquelas que ouvi, no Forum-Machico,
aos excelentes actores do CONTIGO TEATRO quando encerraram o espectáculo deste
sábado, declamando Fernando Pessoa: “Ó POTUGAL, HOJE ÉS NEVOEIRO. LEVANTA-TE. É
A HORA”!
21.Out.15
Martins Júnior
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