Na diversificada oferta dos
hipermercados noticiosos deste fim-de-semana, abasteci-me mui
particularmente num cabaz que nos toca a
todos, ilhéus, sobretudo porque dentro dele
encontro aquela simbiose tão rara, qual seja a de juntar a insularidade
à universalidade. Mais concretamente, tocou-me o acontecimento ocorrido hoje em
Setúbal em que um homem da ilha, mantendo-se fiel à ruralidade pura dos nossos
campos e das suas gentes, faz esta apelativa declaração de princípios: “O madeirense não é uma pessoa isolada, a
pequenez da Madeira não é limitativa, pelo contrário, abre-se à grandeza do
mundo…. Gosto imenso da minha ilha, mas não me fecho ao tempo em que vivo,
porque Deus é maior que tudo isso”.
Está dado o mote para a
homenagem que a comunidade da Ribeira Seca prestou a um nosso conterrâneo do
concelho de Machico, nas três celebrações eucarísticas deste domingo.
Entretanto, não esqueço
que esta entrada na diocese de Setúbal coincide com dois outros factos
similares: o solene encerramento do Sínodo dos bispos em Roma e, proximamente
entre nós,, a entrada em funções dos dignitários políticos de Portugal.
Aproximei estes dois eventos para dizer que assim como na tomada de posse
destes últimos não será curial a Igreja marcar presença canónica, assim também
não me seduz, na catedral sadina, a ostensiva presença de mandatários
políticos. Que o fizessem a título pessoal, a um nosso compatriota, muito bem.
Mas a título oficial, em nada vem
valorizar (bem pelo contrário) uma cerimónia que, pelo seu sentido definidor,
quere-se-a marcada por uma expressão de júbilo evangélico, despida portanto das
lantejoulas protocolares das ribaltas mundanas.
É uma opinião, tão livre e discutível quanto o seu oposto.
Prefiro, pois, juntar
a investidura episcopal deste domingo à
magna reunião de trabalho sobre a Família, mais expressamente, o Sínodo dos 270
bispos em Roma. Esta minha preferência tem a ver com a actual conjuntura
dogmático-pastoral que (felizmente, enfim!) a Igreja atravessa, algo de novo
nesta sociedade milenária, pois que há debate de ideias, há sensibilidades
distintas sobre uma mesma causa, procura-se o humanismo “versus” legalismo,
promove-se a pedagogia dos povos em vez do
anquilosado magistério desencarnado da História que nos cabe escrever e
construir. Mais se acentua esta paridade entre os dois acontecimentos,
sendo publicamente conhecidas as duas frentes de luta pela redescoberta da
Verdade: de um lado, bispos e cardeais
identificados com a nova mundividência crística de Francisco Papa e, do lado oposto,
cardeais e bispos ferreamente opositores. Quanto aos bispos portugueses, são
tímidas e escassas as pègadas do Pontífice das periferias e da inclusão. Na
Madeira, tivemos, como residentes, bispos da esperança e do sorriso, mas morrem
por aí, nas praias do sorriso e da esperança, quando não da opacidade e das
alianças pouco recomendáveis.
A este propósito, cito o
jornalista vaticanista André Paul, na edição de Le Monde deste domingo: “A
vontade do Papa de criar as linhas verticais de uma Palavra situada entre o
alto magistério e os cristãos de base não faz dele um progressista, mas sim um “expert
en humanité” (um especialista conhecedor da humanidade), próximo dos homens e dos seus problemas”.
Onde pretendo chegar com
estes considerandos aparentemente desconexos em relação à Saudação ao novo
bispo José Ornelas da Carvalho? Já o
digo. É que a sua nomeação para uma cidade problemática como Setúbal, com as
condicionantes de outrora (aquando do bispo Manuel Martins, a quem os
exploradores do povo chamavam de “bispo vermelho e comunista”) e os problemas
de hoje, pois a escolha de um homem,
conhecedor de outras paragens do interior de Angola, fiel à terra, sensível à
condição humana, faz-me prever nele um aliado firme do Papa Francisco nesta
alvorada de uma genuína evangelização. E
vou prová-lo, transcrevendo um excerto
da sua conferência, do melhor que ouvi no Congresso dos 500 anos da diocese do
Funchal, em Setembro de 2014. Chamo a atenção para o facto de, na altura, ainda
não estar sequer anunciada a encíclica Laudato Si que o Papa Francisco iria
publicar, sobre a ecologia. É de pôr-nos em sentido … e marchar, marchar!
“Uma ilha é um espaço onde fazem falta a criatividade
responsável, a liberdade concertada e a coragem de crer e de sonhar… Uma ilha
aberta ao mundo tem necessidade da ecologia evangélica que assomou diversas
vezes aos nossos diálogos:
·
Uma ecologia da terra, do apreço pelo dom precioso que nos foi dado para
usufruir, mas igualmente para guardar e cuidar;
·
Uma ecologia humana que foge à tentação da monocultura do pensamento
único, privilegiando a diversidade de linguagens, de soluções e de culturas;
·
Uma ecologia eclesial que se propõe
sempre como serviço e não dominação, casa aberta ao mundo e à sociedade,
expressão do coração misericordioso e universal de Deus. É importante alimentar
assim o coração das pessoas, para dar coração ao mundo novo que está nascendo.”
O Papa Francisco não teria dito melhor.
É esta a melhor Saudação que posso endereçar ao novo bispo da
cidade do grande sonetista Manuel Maria Barbosa du Bocage, companheiro de cela
do nosso Francisco Álvares de Nóbrega na cadeia do Limoeiro, por defender os
ideais da Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Que a geminação histórico-literária, realizada em 30 de Maio
de 2007 entre Machico e Setúbal, nas comemorações do bicentenário dos “gémeos-poetas”
proporcione ao novo líder espiritual de
Setúbal mais um suplemento de inspiração para a ingente tarefa que o espera. E
que o Atlântico que nos separa faça chegar a esta ilha reflexos cintilantes da
sua mensagem renovadora.
25.Out.15
Martins
Júnior
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