terça-feira, 13 de outubro de 2015

QUEM SABE SE DENTRO DE TI NÃO ESTARÁ UM NOBEL DA PAZ ?


           São tantos e de variegadas  cores as preciosas corolas que nascem nesta colina  de outono. Chamo-lhes corolas,  aos troféus  com que  por esse vasto mundo são galardoadas proeminentes figuras contemporâneas. E chamo-lhes  preciosas, não tanto pelo “vil metal” com que se apresentam, mas pela prata, pelo ouro e pelo diamante que trazem dentro de si os felizes contemplados. São os prémios Leya,  são  festivais de Veneza, de Cannes, são .as “bolas de ouro” e, por todos, os prémios Nobel.
         No entanto e  como fazem questão de sublinhar nos seus discursos, os agraciados, mesmo que singulares, reportam sempre o troféu a uma pluralidade de indivíduos, ambientes e circunstâncias, seja à família, aos colegas de equipa, aos mestres, aos alunos, aos pobres, aos mecenas e, por fim, a toda a nação, os quais, todos juntos, proporcionaram a subida ao pódio único do seu  “único herói”. E, entre toda a gama de medalhas e condecorações, uma há que sobressai como o vértice de toda uma pirâmide de esforços, tentativas  e até de vítimas anónimas: é o Prémio Nobel da Paz.
Analisadas as circunstâncias, na sua génese e no seu crescimento, o galardão da Paz nunca é fruto exclusivo da árvore que o ostenta, antes pertence ao universo telúrico de onde emerge e onde  mergulha as suas raízes no húmus difuso de genes, sangue fertilizante  e, quantas vezes, ossadas mudas de sofrimento e morte. A PAZ é um PIB universal que não cabe nos manuais da contabilidade pública nem se afere pela magra fita métrica deste ou daquele artífice, por mais místico que se julgue.


 Perguntar-me-eis  o porquê de inscrever hoje neste correio o Prémio Nobel da Paz. Por dois motivos. Primeiro, porque perfazem-se nesta noite, de 13 para 14 de Outubro,  50 anos + 1 sobre a sua  atribuição a Martin Luther King, em 1964, quando tinha apenas 35 anos de idade, considerado por isso o  mais jovem galardoado de todos os tempos. Segundo, porque o Prémio Nobel da Paz de 2015 foi concedido a um grupo de quatro promotores, pertencentes a quatro ONG’s,  pelos esforços desenvolvidos  para que na Tunísia a “Primavera Árabe” não resvalasse no tormentoso inverno de sangue, como malogradamente aconteceu noutros países vizinhos.
E é aqui, precisamente, que pretendo incidir o núcleo desta minha reflexão. Sem prejuízo do justo mérito das personagens singulares que o receberam, entendo que o Prémio Nobel  da Paz há-de pertencer sempre, ou preferencialmente,  a um colectivo. Pelos considerandos supra-enunciados, mas também porque a PAZ guarda, dentro de si, um rosto multifacetado, onde convivem sorrisos, rugas e lágrimas, traumas e estigmas e, por mais estranho que pareça, bênçãos e ameaças. Dando razão ao velho axioma “Si vis pacem  pare bellum” --- Se queres a paz prepara  a guerra ---nem sempre é fácil distinguir os enigmáticos atalhos que conduzem à Paz, sendo certo que para lá chegar é preferível  a luta fragosa  ao “descanso eterno”  dos cemitérios ou, como dizia alguém recentemente, antes um franco debate  nacional  que  a “estabilidade da Coreia do Norte”.
A geração dos “Quatro Coroados” da Tunísia vem de longe: vem dos cárceres da guerra contra a ditadura, cresce com os fulgores e as incertezas da primavera, fortalece-se  no exercício paciente do debate,  na dialéctica do diálogo,  aperfeiçoa-se na liberdade partilhada e, ao fim,  alcança a planura onde todas as armas se calam  e todos os ódios se apagam. Caminho sem termo, “missão impossível”,  pois que as águas paradas levam ao pântano e o pântano gritará, de novo, por mãos corajosas que agitem as águas. Retomando Vinícius de Morais, diria que a Paz, tal como o “Operário, está sempre em construção”.
Obreiros da Paz são “os que sofrem perseguição por amor  da Justiça” (Mat. 5,10), os que lutaram contra a ditadura de 48 anos de fascismo e apodreceram nas masmorras, os que combateram os “Vampiros”,  os que enfrentam a barbárie do “Estado Islâmico”, os jornalistas assassinados,   os 95 mortos  e 246 feridos em Ankara na manifestação pela Paz, os jovens presos em Luanda juntamente com o “rapper” Luaty Beirão em greve de fome. É infinito o sudário vermelho, de sangue e luta, daquela multidão anónima que nos subterrâneos do  silêncio constroem,  pedra a pedra, o monumento da Paz. Entre nós, obreiras dela são também os que afrontaram as arbitrariedades de 38 anos de repressão disfarçada de autonomia! E os que denunciam os criminosos procriadores da pobreza, os que, na Europa e no mundo, gritam contra os usurários dos “offshores”, enfim, toda essa marcha triunfal  de heróis, voluntários jornaleiros da Justiça, parcelas indissociáveis do Grande Nobel da Paz.
E tu também o és, quando abres uma clareira na escuridão, quando bates o pé pelo interesse comum e pela Razão, quando vences o medo e, “em tempo de servidão, sabes dizer Não”!    
Dentro de cada um de nós mora o Nobel da Paz.
      13.Out.2015
         Martins Júnior


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