São
tantos e de variegadas cores as preciosas
corolas que nascem nesta colina de
outono. Chamo-lhes corolas, aos troféus com que por esse vasto mundo são galardoadas
proeminentes figuras contemporâneas. E chamo-lhes preciosas, não tanto pelo “vil metal” com que
se apresentam, mas pela prata, pelo ouro e pelo diamante que trazem dentro de
si os felizes contemplados. São os prémios Leya, são festivais
de Veneza, de Cannes, são .as “bolas de ouro” e, por todos, os prémios Nobel.
No entanto e como fazem questão de sublinhar nos seus discursos,
os agraciados, mesmo que singulares, reportam sempre o troféu a uma pluralidade
de indivíduos, ambientes e circunstâncias, seja à família, aos colegas de equipa,
aos mestres, aos alunos, aos pobres, aos mecenas e, por fim, a toda a nação, os
quais, todos juntos, proporcionaram a subida ao pódio único do seu “único herói”. E, entre toda a gama de
medalhas e condecorações, uma há que sobressai como o vértice de toda uma
pirâmide de esforços, tentativas e até
de vítimas anónimas: é o Prémio Nobel da Paz.
Analisadas
as circunstâncias, na sua génese e no seu crescimento, o galardão da Paz nunca
é fruto exclusivo da árvore que o ostenta, antes pertence ao universo telúrico
de onde emerge e onde mergulha as suas
raízes no húmus difuso de genes, sangue fertilizante e, quantas vezes, ossadas mudas de sofrimento e
morte. A PAZ é um PIB universal que não cabe nos manuais da contabilidade
pública nem se afere pela magra fita métrica deste ou daquele artífice, por
mais místico que se julgue.
Perguntar-me-eis o porquê de inscrever hoje neste correio o
Prémio Nobel da Paz. Por dois motivos. Primeiro, porque perfazem-se nesta noite,
de 13 para 14 de Outubro, 50 anos + 1
sobre a sua atribuição a Martin Luther
King, em 1964, quando tinha apenas 35 anos de idade, considerado por isso
o mais jovem galardoado de todos os
tempos. Segundo, porque o Prémio Nobel da Paz de 2015 foi concedido a um grupo
de quatro promotores, pertencentes a quatro ONG’s, pelos esforços desenvolvidos para que na Tunísia a “Primavera Árabe” não
resvalasse no tormentoso inverno de sangue, como malogradamente aconteceu
noutros países vizinhos.
E
é aqui, precisamente, que pretendo incidir o núcleo desta minha reflexão. Sem prejuízo
do justo mérito das personagens singulares que o receberam, entendo que o
Prémio Nobel da Paz há-de pertencer
sempre, ou preferencialmente, a um
colectivo. Pelos considerandos supra-enunciados, mas também porque a PAZ
guarda, dentro de si, um rosto multifacetado, onde convivem sorrisos, rugas e
lágrimas, traumas e estigmas e, por mais estranho que pareça, bênçãos e
ameaças. Dando razão ao velho axioma “Si vis pacem pare bellum” --- Se queres a paz prepara a guerra
---nem sempre é fácil distinguir os enigmáticos atalhos que conduzem à Paz,
sendo certo que para lá chegar é preferível a luta fragosa ao “descanso eterno” dos cemitérios ou, como dizia alguém
recentemente, antes um franco debate nacional que a “estabilidade
da Coreia do Norte”.
A
geração dos “Quatro Coroados” da Tunísia vem de longe: vem dos cárceres da
guerra contra a ditadura, cresce com os fulgores e as incertezas da primavera,
fortalece-se no exercício paciente do
debate, na dialéctica do diálogo, aperfeiçoa-se na liberdade partilhada e, ao
fim, alcança a planura onde todas as
armas se calam e todos os ódios se
apagam. Caminho sem termo, “missão impossível”, pois que as águas paradas levam ao pântano e o
pântano gritará, de novo, por mãos corajosas que agitem as águas. Retomando
Vinícius de Morais, diria que a Paz, tal como o “Operário, está sempre em
construção”.
Obreiros
da Paz são “os que sofrem perseguição por amor
da Justiça” (Mat. 5,10), os que lutaram contra a ditadura de 48 anos de
fascismo e apodreceram nas masmorras, os que combateram os “Vampiros”, os que enfrentam a barbárie do “Estado
Islâmico”, os jornalistas assassinados, os 95 mortos
e 246 feridos em Ankara na manifestação pela Paz, os jovens presos em
Luanda juntamente com o “rapper” Luaty Beirão em greve de fome. É infinito o
sudário vermelho, de sangue e luta, daquela multidão anónima que nos
subterrâneos do silêncio constroem, pedra a pedra, o monumento da Paz. Entre nós,
obreiras dela são também os que afrontaram as arbitrariedades de 38 anos de
repressão disfarçada de autonomia! E os que denunciam os criminosos procriadores
da pobreza, os que, na Europa e no mundo, gritam contra os usurários dos “offshores”,
enfim, toda essa marcha triunfal de heróis,
voluntários jornaleiros da Justiça, parcelas indissociáveis do Grande Nobel da
Paz.
E
tu também o és, quando abres uma clareira na escuridão, quando bates o pé pelo
interesse comum e pela Razão, quando vences o medo e, “em tempo de servidão,
sabes dizer Não”!
Dentro
de cada um de nós mora o Nobel da Paz.
13.Out.2015
Martins
Júnior
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