Não é objectivo do SENSO&CONSENSO
arvorar-se em manual de análise política nem muito menos de panfleto partidário. Tão-só o que pretende é captar o
instantâneo do acontecimento e nele detectar –lhe a raiz e o fruto, ou seja, os
antecedentes e os consequentes. É o que proponho nesta segunda-feira, a qual,
semelhantemente ao de sábado, poderia classificar-se de “dia da reflexão” . E
fá-lo-ei porque o fenómeno eleitoral é
--- deveria sê-lo --- o eixo nevrálgico do “corpus” colectivo de um
povo, por outras palavras, o momento soberano que nos torna únicos e exclusivos
responsáveis pela condução do país. Ninguém
tem aqui o direito de lavar as mãos na bacia de Pilatos.
Ora
e por mais contra-natura que se nos afigure, a constatação está diante de todos
os olhos: o fantasma com que a maioria
mais esconjurou o seu mais directo
concorrente --- a instabilidade política --- foi precisamente esse o fosso que
cavou diante dos próprios passos. Ficou à mercê, não só deste e do futuro
presidente da república, mas também dos
seus opositores, paradoxalmente daquele que mais intentou destruir: o PS. Agora, cúmulo da cegueira, é do PS que a
coligação mais precisa para garantir a estabilidade governativa. Quem cospe
para o ar…
Mas,
do outro lado da trincheira, sai o mesmo apelo gritante, qual seja, o de formar
governo de esquerda. Tem todo o travo de humor negro ouvir de quem, orgulhosamente
só, se ufanava de ter o monopólio da candidatura “patriótica” , venha agora ao
terreiro do segundo partido mais votado --- que durante toda a campanha ensandwichou
entre os dois da coligação --- propor, em jeito de subreptícia
petição, a ponte movediça de um convite
a uma coligação do avesso. A política tem destas piruetas tão ardilosas quanto
hilariantes! E é entre o antes e o depois da eleição que certos partidos são
hábeis em semear o descrédito do cidadão comum perante a política do seu país. O que antes era --- deixou de ser, depois.
E
eis-nos, agora, confrontados com este absurdo parto saído do ventre de toda a barafunda eleitoral: a mais
“instável
estabilidade”. Ao ponto de deitar a pique o mandato de quatro anos de
governação constitucional.! Substituindo os termos da equação, viver na mais instável
estabilidade significa estar condenado a navegar na mais estável (leia-se, contínua)
instabilidade política. O que nós fizemos! E a que nos “forçaram”
os partidos, no confuso maranhão
de uma campanha em que os eleitores ficaram perplexos face a este desconcerto:
quem nem sequer tinha programa que se visse passou todo o tempo a metralhar
quem apresentou um programa, técnica e politicamente elaborado. Não se
discutiram causas, mas tiques emocionais, estados-de-alma sem alma.
Foi manifesta a estratégia omni-perfilada,
maquiavélica, cujo alvo consistia em derrubar, fosse como fosse (“o fim
justifica os meios”) a esperança nascida
das famosas primárias de 28 de Setembro
de 2014. Logo à cabeça, a exploração psico-sociológica do medo do amanhã, “aí
vem o papão”. Depois, factores exógenos como a vitória de David Cameron no
Reino Unido, a nova cirurgia política do
Sirysa-Tsipras na Grécia, a ama seca da
Europa que veio a correr e sem que ninguém a chamasse, “explicar” que essa
coisa do deficit de 7,2% era uma corriqueira “operação contabilística”, nem
mais nem menos a versão do governo. Ainda, a “vantagem” (para o status quo) dos
quase 500.000 “ refugiados” portugueses, os que emigraram nestes quatro anos,
de não poderem manifestar no voto a sua indignação… Neste elenco perdulário,
situam-se os 295.695 votos (pessoas) que optaram pelos pequenos partidos sem
sucesso…Outros factores menos perceptíveis mas muito mais arrasadores, de ordem
endógena, as querelas internas à própria família e, ainda não sanadas, que
conduziram o voto a outras urnas… Acresce a tudo isto, uma certa inabilidade
retórica por parte do intérprete da esperança nascente --- quem é sério não
pratica o mimetismo camaleónico nem tem préstimo para malabarismos “irrevogáveis”. E assim, não foi
difícil à voracidade partidária --- em que os extremos se tocam --- comparecer
à parada da arena, todos com o mesmo furor como quem se atira ao mesmo osso...
Moral
da história: é para o “osso odiado” que os extremos, da direita à esquerda, voltam
agora o olhar impetrante para dar carne e forma às suas endémicas ambições
políticas! Não se vai chorar sobre o leite derramado. Está feito, está feito. E
oxalá não seja “sem emenda” futura.
Tão
cedo voltarei a estes temas pois, repito, tenho para o nosso SENSO&CONSENSO uma mesa mais suculenta e respirável . Termino,
endereçando daqui uma saudação aos madeirenses, particularmente ao Partido
Socialista, na pessoa de Carlos Pereira, e ao Bloco de Esquerda (relevando aqui a brilhante
prestação de Catarina Martins em todo o país) por terem corajosamente afrontado o medo dos fantasmas coligados. No
mesmo Voto de Congratulação, envolvo o meu concelho, Machico, que soube honrar
nobremente as suas tradições democráticas. É a nossa forma de comparecermos no
Dia da República Portuguesa, para apagar a nódoa presente de um presidente ausente.
5.Out.2015
Martins Júnior
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