Não
é cantiga de amor a que hoje me traz ao vosso convívio. Longe disso. Nem será
também de escárnio e maldizer. Talvez de mero lazer, à mistura com algum
piripiri, sobre o cenário de coisas sérias que desfilam diante dos nossos olhos
e a que Camões classificaria de “Desconcerto do Mundo”. Tivera eu o humor cáustico
de Bocage ou o da sátira repentista do seu companheiro de cela no Limoeiro, o
nosso “Camões Pequeno”, para pincelar as
caricaturas da comédia humana a que todos assistimos nestes
dias.
Coleccionador
que sou do “antes” e do “depois” dos acontecimentos, folgo-me de um gozo largo,
até à exaustão,, quando comparo cenas,
trejeitos e esgares furiosos de ontem com a macieza lânguida e murcha, roçando o
auto-vexame, de hoje. Estais, como eu, a
ver o filme do fogo cruzado, implacável fogo
posto em todo o cerco da floresta, com o
pobre António a meio, costas e cara queimadas da artilharia sem tréguas da
direita e da esquerda. Quem não se lembra
das rajadas-em-duplicado despejadas dos dois canhões-sem recuo, Coelho e
Portas --- “traidor ao próprio partido, coveiro das finanças públicas ao
serviço de Sócrates, bicho-papão dos portugueses “ --- e outros mimos que tais?!...
E da parte dos vizinhos de Moscovo, quem poderá esquecer as imprecações de juba
grisalha com que grelhavam o já assado
Costa e faziam do PS o recheio de uma
malfadada sandwich entre as duas empadas, uma o PSD, outra o CDS?!...
Na noite do 4 de Outubro,
o foguetório de todos contra --- diziam
--- o único perdido náufrago, deserdado das urnas, condenado às galés e à
imediata demissão, o pobre Costa. E eis
que, acordados da ressaca de domingo, voltam a si, fazem as contas e ---
milagre! ---- “Aqui d’El Rei, nós é que
estamos entalados”. Afinal, o bolo não dava para nenhum dos três,
afinal o filho que “pariram” tinha três donos, três ou quatro paternidades. Era
de todos e não era de ninguém!
O
deserdado, o “energúmeno” Costa, consciente da leitura exacta dos resultados, reconduziu-se à sua cela, dizendo apenas que
não se demitiria. E foi aqui que a exemplar porcina torceu a vergonhosa
extremidade e fez a inversão de marcha: deixou a rampa triunfal para São Bento
e voltou ao chão do Rato. E, de cócoras, viu que não lhe bastava uma só muleta,
a do Paulinho. Carecia de uma outra, a perna esquerda, a do Costa. Vai daí, Coelho
estende a passadeira vermelha (“credo,
abrenuntio”) para o Rato entrar. E
conversam, conversam… Insatisfeito com a ementa, vai de novo o Coelho, com as
pernas húmidas, sobe as escadas do Rato e entrega uma cunha “facilitadora”, de vinte ofertas de casamento. Devo dizer que jamais me passará da memória aquela cena verdadeiramente patética: Coelho, o
“antes” gesticulador de facécias
divertidas, agora de trombas, olhar vago e semi-perdido, a queixar-se que dera todos os anéis de promessa
e saía de mãos a abanar. E o outro, o “antes”
adamastorzinho do Caldas, o prof. das piruetas oratórias, agora ali, encolhido
como um embrulho de esquina, sempre lá arrastou os pés, agarrou-se ao bordão do
microfone e, a avaliar pelos desconexos
fonemas produzidos, deve ter balbuciado: “Coitado de mim que agora nem para
muleta do Pedro sirvo” … Moral do
primeiro capítulo: “Só tu, Costa, é que
nos podes deitar a mão para não cairmos da cadeira como caíu o nosso patrono
Salazar”!
Quanto
ao Palacete encarnado, o inamovível senhor da instituição esqueceu todas as
juras condenatórias, desfez-se em pranto de encantamento e foi o primeiro a
convidar a antiga presa para sentar-se à sua mesa. “Benvindo, Irmão. Em boa
hora chegaste. É de ti que precisamos para alcançar o eléctrico de São Bento.
Chegou, enfim, a nossa hora”. E, como se
uma prova de arrependimento não bastasse, voltou à carga, dois dias depois, com
reiterados votos de conversão ao Costa,
o “execrável” recheio ensandwichado da dupla PSD/CDS.
As
voltas que o mundo dá… Costa, de mal-amado a bem-amado!
No
terreiro do Bloco, os olhos ternos cor-de-azeitona de Catarina, pela sua fina sensibilidade de mulher, aliada a uma subtil inteligência,
ganharam, já antes do 4 de Outubro, uma
leitura mais lógica e menos sectária: A
UNIDADE É QUE FAZ A FORÇA. E franqueou de imediato janelas abertas de novas
oportunidades para o país.
Bom,
a paródia ainda vai no adro, porque falta entrar o “Totalmente Insensível”
Cavaco, como ele próprio fez questão de cognominar-se, em fim de prazo. Mas os
primeiros capítulos já dão para rir. Quando digo “rir”, estou a pensar naquele
aforismo, velho de barbas, como o Diógenes da velha Grécia:”Ridendo, castigo
mores” --- rindo, estou a avaliar e a criticar o que acontece. Por hoje, é também este o meu propósito, não
na matéria de fundo, mas na sua forma. Porque desconhece-se ainda o que está
para vir.
Seja
o que for e como for, não deixa de ser divertido e, ao mesmo tempo, instrutivo,
este desconcerto do mundo: o que ontem era, hoje pode deixar de ser. Não é por
acaso que a revista “Visão” traz em
manchete de capa este mesmo jogo de contrastes, sobrepondo à gravura de Costa, o sugestivo título: “ O elo mais fraco, O elo
mais forte”, eliminando a vermelho o desqualificativo “fraco” e mantendo o qualificativo “forte”. No final de
tudo isto, vejo passar, empoleirado em
cima do carro de campanha do PS, o quarteto
PSD/CDS/PCP/BE, todos a cantar
desaforadamente aquela cantiga que os megafones da propaganda adaptaram de uma outra toada popular:
Todos me querem
E
eu quero alguém
Quero
o PS
Não quero mais ninguém
No entanto, não esqueço
uma outra frase profética que vem dos confins do tempo, inscrita no LIVRO (Salmos,
118, 22-23): “A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular do prédio”, a sua pedra de alicerce.
15.Out.15.
Martins Júnior
N.B. Para evitar equívocos, devo esclarecer que já há algum tempo deixei aqui a minha declaração de voto, quando
escrevi que a melhor garantia de estabilidade política do
país seria uma governação tripartida PS/BE/CDU.
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