Não
me sai do pensamento “aquele espesso negrume” que pousou, anteontem, no campo santo de São Martinho. O
9 de Outubro de 1803, passados que foram 212 anos sobre a aluvião que inundou
Funchal e Machico, parece ter feito furtiva aparição para escrever sua elegia em
cima do berço último de Luís Miguel França. Mais eloquentes e longas que as
pesadas bátegas da chuva cadente eram os passos e as emoções da multidão
envolvente. Entrava no subterrâneo de uma liberdade sem
termo aquela voz sonora e quente que sustentou quem cá ficou nas grades sem
paredes da terra dos vivos.
Quarenta
e quatro anos!
Associei-o
a outro seu companheiro de jornada que, saído de Machico, voltou às raízes,
precisamente no Abril dos Cravos de 2015, Tolentino de Nóbrega.
Evocando
o pungente poema de Soares dos Passos, quanto desejaria eu saber o que
porventura estarão dizendo eles nos corredores invisíveis que ligam a primeira à segunda capitania da Madeira! Mas
eu adivinho-lhes o eco da mensagem e
ouso transmiti-la a todo o mundo:
“AS
ÁRVORES MORREM DE PÉ”!
E
os --- estes! --- JORNALISTAS TAMBÉM.
Estes ... e aqueles que foram
proscritos pelos regimes totalitários, seja em Pequim, Moscovo, Angola, Guiné Equatorial,
Zimbabué…E os que são barbaramente decapitados. Todos morrem de pé!
Porque morrer de pé é manter firme e
altaneiro o tronco “de antes quebrar que torcer”. Morrer de pé é
ripostar que “não há machado que corte a raíz”
à minha pena nem o brilho da minha voz. Morrer de pé é cantar por entre
as cordas liquidas da chuva cadente: ”Eu estou aqui”! E morrer de pé é saber
que os pássaros da memória vão disseminar do fruto da árvore novas e promissoras
sementes de esperança que tornarão a terra mais verde.
Não vou reproduzir aqui o seu percurso profissional
no jornalismo e na intervenção social. Outros já o fizeram proficientemente. Apenas pretendo juntar à
sua acção o sublinhado de Thomas Merton quando escreveu “Homem Algum é uma Ilha”.
Sem sombra de dúvida, o que sucede a um indivíduo não se esgota na
singularidade da sua pessoa. Toca a todos. Porque não é o acaso que provoca a
boa ou má “sorte” de quem quer que seja, sobretudo de quem traça uma linha
recta no horizonte do seu sonho. É toda uma sociedade, um contexto e um regime
que tomam nos braços os seus
constituintes, umas vezes para afagá-los,
outras vezes para afogá-los.
Luis Miguel França e Tolentino de
Nóbrega podem, ainda hoje, fazer suas as palavras do editorialista do jornal
britânico The Times, em 6 de Fevereiro de 1852(!): “Para nós, a publicitação e a verdade são o
ar e a luz da existência. Não pode haver maior desgraça do que recuar perante a
divulgação, franca e exacta, dos factos, tal e qual como são. Somos obrigados a
dizer a verdade, tal e qual como a encontramos, sem medo das consequências”.
Isto, em 1852!
Ousar, mesmo sabendo que sairá cara e
violenta a factura vital! Quem afronta o monstro da repressão? Afrontou-o corajosamente o presidente do
Sindicato dos Jornalistas Franceses, George Bourdon, em 1931 (!), dirigindo-se
aos seus associados: “O jornalistas não é
ninguém se não for ou não se esforçar por ser, na intimidade da sua
consciência, um servidor da verdade e da justiça e se não dedicar toda a sua
energia a defender honestamente o interesse público”.
Na esteira deste brilhante líder da
nobre profissão de informar, não será difícil descortinar a razão por que
tantos e tão competentes jornalistas têm sido estrangulados, decapitados aos poucos, sadicamente
silenciados, despedidos ou postos nas
prateleiras dos arquivos das redacções. Não falo das longínquas ditaduras asiáticas.
Falo daqui, desta ilha de corcundas-escribas (os mais perigosos, sob o verniz de “independentes”) vergados ao
poder, dando umas pinceladas de tintura “mercurocromo” para disfarçar a piscina
aquecida do patrono onde molham a pena. Não há censura, é certo. Mas também não há
liberdade. E, como dizia Jefferson, “nunca haverá democracia se não houver liberdade de imprensa”.
Em consonância com Luís Miguel França e
Tolentino de Nóbrega, permitam-se transferir para esta página, uma das cenas do
filme de John Ford, datado de 1962, “O Homem que Matou Liberty Valance”, o pistoleiro do reino, cena essa protagonizada pelo
director do diário local, que vai dando ânimo à população aterrorizada, dizendo: “Sou um jornalista… Sou a vossa consciência…
Sou uma pequena voz que atroa na noite… Sou o vosso cão-de-guarda que uiva aos
lobos… Sou o vosso padre confessor…”
Bernardo Santareno, ao escrever “A Traição do Padre Martinho”(1969), fecha o drama com o frustrante e revoltoso desabafo
do sacerdote, várias vezes preso pela Pide: “Não é possível ser-se padre em
Portugal”. Justaponho, sujeito embora a todas as críticas, o meu desabafo,
fruto do descrédito, com provas de sobra,
pelos responsáveis oficiais e oficiosos da comunicação cá da ilha: “Não
é possível ser-se jornalista nesta terra”. E acrescento: “Que preço custará a
coragem de sê-lo?” Numa ulterior távola deste SENSO&CONSENSO, quando achar
oportuno, reproduzirei aqui o que então, frontalmente, em 1985, afirmei em
plena ASSEMBLEIA Regional da Madeira.
Que havemos de fazer em memória das ”árvores
que morreram de pé”, os JORNALISTAS Luís
e Tolentino, senão cuidar e fazer frutificar as sementes que nos deixaram?!
11.Out.2015
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário