domingo, 11 de outubro de 2015

JORNALISTAS: árvores que morrem de pé!


Não me sai do pensamento “aquele espesso negrume” que pousou,  anteontem, no campo santo de São Martinho. O 9 de Outubro de 1803, passados que foram 212 anos sobre a aluvião que inundou Funchal e Machico,  parece ter feito  furtiva aparição para escrever sua elegia em cima do berço último de Luís Miguel França. Mais eloquentes e longas que as pesadas bátegas da chuva cadente eram os passos e as emoções da multidão envolvente.   Entrava no subterrâneo de uma liberdade sem termo aquela voz sonora e quente que sustentou quem cá ficou nas grades sem paredes da terra dos vivos.
Quarenta e quatro anos!
Associei-o a outro seu companheiro de jornada que, saído de Machico, voltou às raízes, precisamente no Abril dos Cravos de 2015, Tolentino de Nóbrega.
Evocando o pungente poema de Soares dos Passos, quanto desejaria eu saber o que porventura estarão dizendo eles nos corredores invisíveis   que ligam  a primeira à segunda capitania da Madeira! Mas eu adivinho-lhes o eco da mensagem  e ouso transmiti-la a todo o mundo:
“AS ÁRVORES MORREM DE PÉ”!
E os --- estes!  --- JORNALISTAS TAMBÉM.
         Estes ... e aqueles que foram proscritos pelos regimes totalitários, seja em Pequim, Moscovo, Angola, Guiné Equatorial, Zimbabué…E os que são barbaramente decapitados. Todos morrem de pé!
         Porque morrer de pé é manter firme e altaneiro  o tronco  “de antes quebrar que torcer”. Morrer de pé é ripostar que “não há machado que corte a raíz”  à minha pena nem o brilho da minha voz. Morrer de pé é cantar por entre as cordas liquidas da chuva cadente: ”Eu estou aqui”! E morrer de pé é saber que os pássaros da memória vão disseminar do fruto da árvore novas e promissoras sementes de esperança que tornarão a terra mais verde.
         Não vou reproduzir aqui o seu percurso profissional no jornalismo e na intervenção social. Outros já o fizeram  proficientemente. Apenas pretendo juntar à sua acção o sublinhado de Thomas Merton quando escreveu “Homem Algum é uma Ilha”. Sem sombra de dúvida, o que sucede a um indivíduo não se esgota na singularidade da sua pessoa. Toca a todos. Porque não é o acaso que provoca a boa ou má “sorte” de quem quer que seja, sobretudo de quem traça uma linha recta no horizonte do seu sonho. É toda uma sociedade, um contexto e um regime que tomam  nos braços os seus constituintes, umas vezes  para afagá-los, outras vezes para afogá-los.
         Luis Miguel França e Tolentino de Nóbrega podem, ainda hoje, fazer suas as palavras do editorialista do jornal britânico The Times,  em 6 de Fevereiro de 1852(!): “Para nós, a publicitação e a verdade são o ar e a luz da existência. Não pode haver maior desgraça do que recuar perante a divulgação, franca e exacta, dos factos, tal e qual como são. Somos obrigados a dizer a verdade, tal e qual como a encontramos, sem medo das consequências”. Isto, em 1852!
         Ousar, mesmo sabendo que sairá cara e violenta a factura vital! Quem afronta o monstro da repressão?  Afrontou-o corajosamente o presidente do Sindicato dos Jornalistas Franceses, George Bourdon, em 1931 (!), dirigindo-se aos seus associados: “O jornalistas não é ninguém se não for ou não se esforçar por ser, na intimidade da sua consciência, um servidor da verdade e da justiça e se não dedicar toda a sua energia a defender honestamente o interesse público”.
         Na esteira deste brilhante líder da nobre profissão de informar, não será difícil descortinar a razão por que tantos e tão competentes jornalistas têm sido estrangulados,  decapitados aos poucos, sadicamente silenciados, despedidos  ou postos nas prateleiras dos arquivos das redacções. Não falo das longínquas ditaduras asiáticas. Falo daqui, desta ilha de corcundas-escribas (os mais perigosos,  sob o verniz de “independentes”) vergados ao poder, dando umas pinceladas de tintura “mercurocromo” para disfarçar a piscina aquecida do patrono onde molham a pena.  Não há censura, é certo. Mas também não há liberdade. E, como dizia Jefferson, “nunca  haverá democracia se não houver  liberdade de imprensa”.
         Em consonância com Luís Miguel França e Tolentino de Nóbrega, permitam-se transferir para esta página, uma das cenas do filme de John Ford, datado de 1962, “O Homem que Matou Liberty Valance”, o  pistoleiro do reino, cena essa protagonizada pelo director do diário local, que vai dando ânimo à  população aterrorizada, dizendo: “Sou um jornalista… Sou a vossa consciência… Sou uma pequena voz que atroa na noite… Sou o vosso cão-de-guarda que uiva aos lobos… Sou o vosso padre confessor…”
         Bernardo Santareno, ao escrever  “A Traição do Padre Martinho”(1969), fecha  o drama com o frustrante e revoltoso desabafo do sacerdote, várias vezes preso pela Pide: “Não é possível ser-se padre em Portugal”. Justaponho, sujeito embora a todas as críticas, o meu desabafo, fruto do descrédito, com provas de sobra,  pelos responsáveis oficiais e oficiosos da comunicação cá da ilha: “Não é possível ser-se jornalista nesta terra”. E acrescento: “Que preço custará a coragem de sê-lo?” Numa ulterior távola deste SENSO&CONSENSO, quando achar oportuno, reproduzirei aqui o que então, frontalmente, em 1985, afirmei em plena ASSEMBLEIA Regional da Madeira.
         Que havemos de fazer em memória das ”árvores que morreram de pé”,  os JORNALISTAS Luís e Tolentino, senão cuidar e fazer frutificar as sementes que nos deixaram?!
11.Out.2015
Martins Júnior
    
   


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