Entre
o 25 da primavera de Abril e o 25 do inverno de Dezembro toma hoje assento o 25
do outono novembrista, carregado de memórias
tantas e contradições muitas. Ele é o “25 de Novembro político” em Portugal,
Ele é o centenário da relatividade de Einstein. Ele é o Dia da Eliminação da
Violência contra as Mulheres. E ele é, ainda, o nascimento de Eça de Queirós em
1845. Pela minha parte confesso que há um
particular prazer lúdico-cultural quando se toma o pulso às efemérides que o
calendário quotidiano nos oferece. Ficamos com a plena consciência de que a
história não se esgota em nós, no nosso caso, no filme3 do aqui e agora. Pelo
contrário, descobrimos que muito antes de nós há uma história vivida e contada.
Neste percurso das histórias comparadas, encontramos um fio condutor ou uma
relação estruturante, como a de “causa e efeito”, por onde ficamos a entender
no facto passado a explicação do caso presente.
Hoje
por hoje,, juntei no 25 de Novembro de 2015 duas peças, ambas de forte mensagem, ambas de
estranha correlação: São as duas últimas, acima enunciadas: De um lado, a violência de género e, do outro, a depreciação da Mulher em Eça de Queirós. É de
um simples jogo de datas e culturas que trata este serão do dia ímpar. É também a
constatação do relativismo conjuntural da vida e da sociedade.
1
– Eliminação da violência contra as Mulheres
Em
1981, o Primeiro Encontro Feminista, realizado em Bogotá estatuiu o “25 de
Novembro” como o Dia Internacional que
hoje se comemora. A data deveu-se ao “25 de Novembro de 1960”, quando três raparigas
irmãs foram assassinadas na República Dominicana, às ordens do ditador Rafael
Trujillo. Minerva, Pátria e Tereza, todas da família Mirabal, eram lutadoras
acérrimas contra a exploração das mulheres do seu país. Pagaram a factura fatal
dos seus ideais! E hoje?... Hoje, nem é preciso ir às terras do Oriente, para
sabermos que só neste ano foram assassinadas 27 mulheres em Portugal. Na
Madeira, a taxa de incidência da violência doméstica é de 3,87/1000, enquanto
no continente português fica-se pelos 2,62/1000. São dados oficiais hoje
divulgados. No ano transacto, os Serviços da Segurança Social deram apoio a 143
pessoas; neste ano de 2015, o número sobe para 159, até à presente data. São
muitas e refinadas as formas de perseguição, desde a violência física, a
violência passional, a violência
psicológica até à violência económica, que a ONU considera “um dos crimes mais
habituais e menos publicitados no universo da agressão machista”, como foi o recente caso de María del Mar, que conta ao El Mundo os seus dramas: “Durante 37
anos ele nunca me deixou dispor do meu dinheiro, o único dinheiro que entrava
em casa. Não podia ter cartão de crédito e se quisesse fazer uma compra, tinha
que pedir-lhe (ao marido). Ele, ao contrário, comprava carros com o dinheiro
que era meu. Desde quando éramos noivos, ele violava-me, cuspia na cara,
batia-me”… E, mesmo após a denúncia, o juiz deu-lhe uma pena irrisória.
Quantos horrores escondidos, quantas
vítimas humilhadas e ofendidas, aqui, acolá, mais além. No elenco das causas,
sobressaem os ambientes familiares,
marcas hereditárias e, em todas, a mentalidade atávica que vem de longe, até
das ditas sagradas páginas da Bíblia. E porque estamos em 25 de Novembro, dia
do nascimento de Eça de Queirós, aqui deixo sucintamente alguns traços do
figurino “Mulher” do Portugal decadente dos finais do século XIX.
2.
A depreciação da Mulher em Eça de Queirós
Por
muito que nos decepcione, a visão queirosiana da Mulher desentranha-se, à
evidência, da galeria de personagens femininas dos seus romances. Poderíamos
ficar apenas pelos Maias, desde a
Maria Monforte “formosa, doida, excessiva, leviana” --- ela, causa da desgraça
da família Maia ; “Faz o mal não por maldade mas por paixão” --- até à diletante, ociosa e provocadora condessa
de Gouvarinho. Mais chocante é a atitude dos homens quando costumeiramente, se referem às mulheres: “Quando chegámos, o gado
já estava lá”. Fruto da época, Eça
retrata, em versão inferiorizada, à lisboeta, a
figura de Madame Bovary, de Gustavo Flaubert, na Leopoldina e na Luísa de O Primo Basílio, em termos degradantes: “Sonhadora,
adúltera, mal educada, grande cabra, grande bêbeda … Queria uma outra vida, forte,
aventurosa, perigosa, que a fizesse palpitar --- ser mulher de um salteador, andar
no mar, num navio pirata e, outras
vezes, queria ser freira”…
Decepcionante,
não é?! Mas é a tradução do cosmopolitismo
hipócrita do Portugal fim-de-século, que tanto marcou a denominada “Geração de 70”. E nesse friso de
personagens, a Mulher é quem mais paga. Fruto de mentalidades atávicas.
Mas
o mais confrangedor é que, volvidos quase dois séculos e não obstante a
valorização social e profissional da Mulher, os traumas e as tragédias
continuam a ensombrar a condição feminina dos nossos dias.. A aproximação das
duas efemérides revela também os contrastes de uma outra relatividade: os
avanços da ciência e da tecnologia não curam, só por si, as profundas feridas
da mentalidade humana, espelhada nas intraduzíveis guerras de género. Falta a
cultura dos valores, à qual me associo, neste Voto de Saudação ao Dia
Internacional da Eliminação da violência contra as Mulheres.
25.Nov.15
Martins Júnior
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